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1 CIÊNCIA CULTURAL, LINGUAGEM, REALIDADE, DIREITO, ATOS DE FALA E

3.8 A COISA JULGADA E A SEGURANÇA JURÍDICA

O direito positivo, por ser autônomo e criador de suas próprias realidades (autopoiético), institui um momento para que seu percurso narrativo instaurado num processo tenha um fim, que é a coisa julgada. Após o esgotamento de todas as possibilidades disponíveis do direito para a composição da pendenga judicial, é preciso um fim. Ainda que tido por “injusto”, “irrazoável” ou mesmo “desproporcional”. Afinal, como doutrina TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR330: “[...] a segurança depende de normas capazes de garantir o chamado câmbio das expectativas”.

Pautados por essa mesma premissa, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI e PAULO CESAR CONRADO331 lecionam:

A coisa julgada não serve para fazer justiça material, serve para outorgar segurança ao direito, segurança às partes da contenda, segurança a terceiros que encontram na coisa julgada um porto seguro para realização de outros negócios jurídicos. Faz, a seu modo, outra justiça: a formal, a única que importa ao direito.”

Firmamos mais esta premissa: a coisa julgada serve para pôr fim à positivação do direito e fazer justiça formal332. Como ensina GUSTAVO SAMPAIO VALVERDE333:

[...] A justiça formal é o resultado da verdade formal prevalecente como decorrência do fechamento operativo do sistema jurídico. A formalização da justiça e da verdade decorrem da argumentação jurídica despendida no processo e dos instrumentos de legitimação [...], os quais permitem ao direito criar suas próprias verdades e, em consequência, sua própria ideia de justiça.

330 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Segurança Jurídica e Normas Gerais de Direito Tributário.

Revista de Direito Tributário, ns. 17/18, p. 51.

331 DE SANTI, Eurico Marcos Diniz e CONRADO, Paulo Cesar. Controle Direto de

Constitucionalidade e Repetição do Indébito Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 86, p. 30.

332 Barbosa Moreira tem interessante opinião sobre isso: “[...] o que ele (ordenamento) faz, para evitar

eternização de incertezas, é preexcluir, de certo momento em diante, e com as ressalvas expressas a seu ver aceitáveis, que se volta a cogitar do dilema “justo ou injusto” no concernente ao teor da sentença. Se assim, num caso ou noutro, se leva à eternização de alguma injustiça, esse é o preço que o ordenamento entendeu razoável pagar como contrapartida da preservação de outros valores.” (MOREIRA, Barbosa. Considerações sobre a Chamada “Relativização da Coisa Julgada Material,

In:____. Temas de Direito Processual (nona série), São Paulo: Saraiva, 2007).

333

Para atender essa expectativa social de justiça, o direito positivo criou preceito legal que impôs fim às expectativas de uma determinada lide. Há expressa prescrição em nível constitucional da coisa julgada plasmada no inciso XXXVI do art. 5o., no

sentido de que “[...] a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Observação fundamental feita por LEONARDO GRECO334 vale a

pena ser aqui transcrita:

[...] parece-me que a coisa julgada é uma importante garantia fundamental e, como tal, um verdadeiro direito fundamental, como instrumento indispensável à eficácia concreta do direito à segurança, inscrito como valor e como direito no preâmbulo e no caput do artigo 5º da Constituição de 1988. A segurança não é apenas a proteção da vida, da incolumidade física ou do patrimônio, mas também e principalmente a segurança jurídica.

Por intermédio da coisa julgada, o dever-ser normativo ganha foros de imutabilidade, permitindo que as partes saibam suas obrigações na medida da decisão. Na lição de LUIZ GUILHERME MARINONI335:

Caso os conflitos, uma vez resolvidos, pudessem ser rediscutidos, ou se a solução do juiz pudesse ser negada, de nada adiantaria a jurisdição. De modo que a decisão jurisdicional, além de resolver os conflitos, deve se impor, tornando-se imutável e indiscutível.

Permite-se, assim, a segurança das partes de que aquela situação passada em julgado será sempre respeitada a partir daquele instante nas vindouras interações humanas. Com a coisa julgada, o dever-ser reforça seu poder-ser, permitindo aos acobertados pela autoridade daquele instituto jurídico cumprir a ação prevista336 ou

mesmo omiti-la (conforme ficou extraído da decisão transitada em julgado). PAULO DE BARROS CARVALHO337, lecionando sobre tema semelhante, assevera que:

Eis aqui o valor, expressão de um dos mais caros e proclamados bens da história do homem, fincado, irremediavelmente, na própria

334 GRECO, Leonardo. Eficácia da declaração erga omnes de constitucionalidade ou

inconstitucionalidade em relação à coisa julgada anterior. In: ____. Problemas de Processo Judicial Tributário. 5 vol. São Paulo: Dialética, 2002. p. 198.

335 MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da decisão de

inconstitucionalidade: art. 525, §§ 12, 13, 14 e 15, do CPC/2015. 4 ed, rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 50.

336 CARVALHO, Paulo de Barros. Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos. Revista de Direito

Tributário, n. 102, p. 76.

337 CARVALHO, Paulo de Barros. Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos. Revista de Direito

raiz do direito e sem o qual a formulação normativa carecerá de sentido deôntico. Inexista a liberdade de exercer a conduta ou de atuar sua omissão e a disciplina da regra jurídica trará consigo um “sem-sentido” prescritivo, não de ordem sintática, de caráter semântico. Tal valor é um “prius” da análise jurídico-normativa. Demonstrando o liame entre coisa julgada, segurança jurídica e tempo, CHRISTINE MENDONÇA338 ensina:

A segurança jurídica é entendida aqui como formas prescritas pelo sistema do direito para evitar que o fator tempo cause uma instabilidade na produção de relações jurídicas. Nessa linha de pensamento, os enunciados que veiculam o princípio da irretroatividade, a coisa julgada, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a decadência, a prescrição etc. perseguem o valor “segurança jurídica”.

Eis o Direito, por intermédio da coisa julgada, a criar suas próprias realidades intrassistêmicas e a garantir o cumprimento do que por ele é instituído.

338MENDONÇA, Christine. Segurança na ordem tributária nacional e internacional. In: Segurança

jurídica na tributação e estado de direito, BARRETO, Aires Fernandino et all. São Paulo: Noeses. p. 48.

4. A (IN)TANGIBILIDADE DA COISA JULGADA PERANTE DECISÃO DE