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4. A (IN)TANGIBILIDADE DA COISA JULGADA PERANTE DECISÃO DE

4.1 APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA: DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

4.2.2 O controle difuso de constitucionalidade no ato decisório judicial

No sistema difuso de constitucionalidade, cabe a cada juiz o poder dever de analisar o caso concreto à luz da constitucionalidade das normas, de forma tal que, uma vez julgada determinada questão, se esteja analisando também se ela é ou não constitucional. Não por outro motivo leciona GILMAR FERREIRA MENDES349:

O controle de constitucionalidade concreto ou incidental, tal como desenvolvido no direito brasileiro, é exercido por qualquer órgão judicial, no curso de processo de sua competência. A decisão, “que não é feita sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito”, tem o condão,

348 MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da decisão de

inconstitucionalidade: art. 525, §§ 12, 13, 14 e 15, do CPC/2015. 4 ed, rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 96.

349

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 4 ed, rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 725.

apenas, de afastar a incidência da norma viciada. Daí recorrer-se à suspensão de execução pelo Senado de leis ou decretos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (CF 1967/69, art. 42, VII).

Queremos com isso dizer: mesmo que o juiz não se manifeste na decisão sobre a constitucionalidade de determinado dispositivo normativo, o fato de proferi-la significa que ele entendeu constitucional aquele determinado enunciado prescritivo que embasou a decisão. Assim, compete a cada juiz verficar se a lei soerguida pelo autor ou pelo réu é constitucional ou não, e é sua incumbência fazer tal verificação de forma incidental ao caso decidido. Daí afirmar LUÍS ROBERTO BARROSO350:

Por tratar-se de atribuição inerente ao desempenho normal da função jurisdicional, qualquer juiz ou tribunal, no ato de realização do Direito nas situações concretas que lhes são submetidas, tem o poder-dever de deixar de aplicar o ato legislativo conflitante com a Constituição.

No mesmo sentido, LUIZ GUILHERME MARINONI351:

[...] o juiz e os tribunais brasileiros têm o poder de interpretar a questão constitucional, fazendo surgir uma norma jurídica para o caso concreto (decisão) completamente autônoma em relação à norma abstrata

Não é uma faculdade do juiz assim proceder. Não. É um dever atribuído a todo juiz realizar o controle de constitucionalidade de forma incidental. Tem ele o dever de negar aplicação a uma lei tida por inconstitucional352. Dessa forma, toda vez que um

juiz produz uma norma jurídica individual e concreta, realiza controle de constitucionalidade, mesmo que não se pronuncie explicitamente sobre a constitucionalidade de forma incidental. É que, ao aplicar a lei e não se pronunciar sobre a sua constitucionalidade, estará ele reputando a norma como se constitucional fosse.

350

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6 ed. rev. e atual. 3 tiragem. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 118.

351

MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da decisão de inconstitucionalidade: art. 525, §§ 12, 13, 14 e 15, do CPC/2015. 4 ed, rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 18.

352 MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da decisão de

inconstitucionalidade: art. 525, §§ 12, 13, 14 e 15, do CPC/2015. 4 ed, rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 18.

Bom lembrarmos, nos termos da lição de REGINA MARIA MACEDO NERY FERRARI353 que:

O objeto da ação não é a constitucionalidade em si, mas uma relação jurídica que, envolvendo a aplicação de uma lei, cuja validade frente à constituição é contestada, faz surgir a necessidade de apreciação da mesma, para enfim resolver a questão proposta. Assim, a alegação de inconstitucionalidade aparece incidentalmente em um processo judicial e é discutida na medida em que seja relevante para a solução do caso.

Qualquer juízo, no controle difuso de constitucionalidade, pode manifestar-se acerca da constitucionalidade de determinada norma discutida, e tal julgamento cingir-se-á apenas às partes do processo. Dessa forma, no momento em que o juiz reconhecer a inconstitucionalidade da norma ao caso concreto, não haverá afetação da sua validade, ou seja, ela não será expulsa do sistema, apenas deixará de ser aplicada para as partes envolvidas na ação. Como ensina PAULO DE BARROS CARVALHO354: “Por operar efeitos inter partes, a declaração não prejudica a

validade ou a vigência da norma jurídica, que poderá ser aplicada em outras situações.”

Por este mesmo caminho percorre REGINA MARIA MACEDO NERY FERRARI355:

Cabendo ao juiz deixar de aplicar a lei considerada inconstitucional, a eficácia de tal procedimento restringe-se inter partes, sendo limitada ao caso em questão. A norma, assim, não é anulada, continua para os demais casos válida e, portanto, obrigatória, e com toda sua capacidade de produzir efeitos no mundo jurídico.

Tem-se, no controle difuso de constitucionalidade, ato de fala deôntico que instaura uma realidade por meio do qual o juiz exerce seu dever de controlar a constitucionalidade da lei. A decisão resultante do exercício daquele dever somente poderá ser desconstituída (após a incidência da coisa julgada, evidentemente) por

353

FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 138.

354

CARVALHO, Paulo de Barros. Controle de constitucionalidade: eficácia do crédito-prêmio do IPI em face da resolução do senado n. 71/2005. In: ____. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2011, p. 128.

355

FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 141.

meio de ação rescisória no prazo de dois anos em relação a vícios relativos àquele julgamento.

E mais: conforme será demonstrado nos próximos itens, com base nas premissas neste trabalho sedimentadas, não poderá decisão posterior do Supremo Tribunal Federal retroagir e atingir a coisa julgada material formada no processo onde houve a realização do controle de constitucionalidade difuso aqui mencionado.

4.2.3 Da validade da norma jurídica julgada inconstitucional e os efeitos ex