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O controle difuso é aquele exercido por todos os órgãos judiciais, e que constitui elemento inerente ao desempenho normal da jurisdição, ocorrendo, normalmente, pela via de incidental. É importante advertir novamente que não se confundem conceitualmente o controle por via de exceção e o controle difuso120.

Kildare Gonçalves Carvalho esclarece que o controle por via de exceção (ou incidental) é aquele desempenhado por juízes na apreciação de casos concretos. Argumenta ainda que, nesses casos:

A inconstitucionalidade é arguida incidentalmente, no curso da demanda, e tem caráter prejudicial, pois se afigura como matéria a ser decidida antes pelo Juiz, como condição e antecedente lógico para a solução do conflito. A inconstitucionalidade não é o pedido ou o objeto principal da demanda, mas a causa de pedir, seu fundamento jurídico. A inconstitucionalidade pode ser arguida, não só como tese de defesa, mas também como fundamento da pretensão do autor121.

Apesar de ser apontado corriqueiramente como controle pela “via de exceção” ou “de defesa”, certo é que a “inconstitucionalidade pode ser suscitada não apenas como tese de defesa, mas também como fundamento da pretensão do autor, o que se tornou mais frequente com a ampliação das ações de natureza constitucional, inclusive e notadamente pelo emprego do mandado de segurança, tanto individual quanto coletivo”122.

O controle difuso, por sua vez, traduz a ideia de que todos os órgãos do Poder Judiciário, observadas é claro as regras de competência processual123, têm o poder-dever de deixar de aplicar o ato legislativo conflitante com a Constituição, tendo em vista o princípio da soberania daquela Lei Fundamental. Em regra, como é o caso do Brasil, o controle difuso ocorre pela via incidental, já que o juiz, ao apreciar o caso em concreto que lhe é submetido, analisa incidentalmente a questão prejudicial de constitucionalidade, para poder dizer o direito aplicável124.

120 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição da doutrina e

análise crítica da jurisprudência. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 72-73.

121 CARVALHO, Kildare Gonçalvez. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição. 20. ed. Belo

Horizonte: Del Rey, 2013. p. 434.

122 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição da doutrina e

análise crítica da jurisprudência. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 71-72.

123 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 248. 124 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição da doutrina e

Pedro Lenza explica: “pede-se algo ao Juízo, fundamentando-se na inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ou seja, a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual”. Como exemplo, cita a pretensão dos interessados de alcançarem a liberação da quantia confiscada no governo do presidente Fernando Collor de Mello, com base na inconstitucionalidade do ato que motivou o bloqueio dos cruzados. “O pedido principal não era a declaração de inconstitucionalidade, mas sim o desbloqueio”125.

Alexandre de Morais complementa:

O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo pois objeto principal da ação 126.

A propósito, colhe-se da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

Controle incidente de constitucionalidade: suscitada, no voto de um dos juízes do colegiado, a questão de inconstitucionalidade da lei a aplicar, deve o Tribunal decidir a respeito; omitindo-se e persistindo na omissão - não obstante provocado mediante embargos de declaração - viola as garantias constitucionais da jurisdição e do devido processo legal (CF, art. 5º, XXXV e LIV), sobretudo quando, com isso, possa obstruir o acesso da parte ao recurso extraordinário127.

Com relação aos efeitos no controle difuso, a regra é que sejam inter partes e ex tunc128.

Paulo Roberto de Figueiredo Dantas afirma que a declaração de inconstitucionalidade no controle difuso produz eficácia apenas entre as partes litigantes (inter partes), fazendo com que a lei inconstitucional deixe de ser aplicada somente em relação àqueles que figuram no processo, permanecendo válida para os demais129.

125 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 248-

249.

126 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2012. p. 747. 127 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 198.346, DF. Relator: Min. Sepúlveda

Pertence, 2 de outubro de 1997. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28198346%2ENUME%2E+OU+1983 46%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/oeu4sqk>. Acesso em: 15 maio. 2014.

128 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 248-

251.

129 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional. 4. ed. rev. e ampliada. São

Por outro vértice, à luz da teoria da nulidade adotada pelo direito brasileiro, a sentença que declara uma lei inconstitucional no controle difuso, realizado incidentalmente, produz efeitos pretéritos (ex tunc), atingindo a lei desde a sua edição, tornando-a nula de pleno direito130.

Com o emprego da analogia da regra geral do art. 27 da Lei nº 9.868/99, que é aplicável ao controle concentrado, vem sendo admitida a flexibilização da teoria da nulidade, a fim de preservar princípios constitucionais, como a segurança jurídica e boa-fé, em detrimento da supremacia da constituição. A mitigação da teoria da nulidade culminou na possibilidade de aplicação da técnica da modulação dos efeitos da decisão em determinados casos, mediante a qual o Judiciário pode resolver que a declaração de inconstitucionalidade tenha eficácia apenas a partir do trânsito em julgado ou de qualquer outro momento que julgar mais adequado131.

Tal situação pôde ser observada no famoso caso do município de Mira Estrela, em que o Ministério Público de São Paulo propôs ação civil pública com o objetivo de reduzir o número de vereadores de 11 para 9, com a consequente devolução de subsídios indevidamente pagos, ao argumento de que a respectiva Lei Orgânica desrespeitava a proporção estabelecida no art. 29, IV, “a”, da CRFB.

Em sede de recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal reconheceu incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei, mas determinou que a decisão produzisse efeitos apenas para as legislaturas seguintes, sob pena de violar o princípio da segurança jurídica132.

Veja-se:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o

130 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 248-

251.

131 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 224-

225.

132 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 197.917, SP. Relator: Min. Maurício Corrêa,

6 de junho de 2002. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28197917%2ENUME%2E+OU+1979 17%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d7llezf>. Acesso em: 16 maio. 2014.

número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. [...] 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido133.

O relator, Ministro Maurício Corrêa, ponderou:

[...] observo, por fim, obter dictum, que a declaração de cassação dos mandatos em situação como a presente, se fosse o caso, deveria ser precedida de reavaliação do quociente eleitoral, tendo em vista os partidos políticos que participaram das respectivas eleições, o que demandaria prévio exame da Justiça Eleitoral134.

Em voto vista, o Ministro Gilmar Mendes corroborou:

Essas considerações demonstram que, de forma hábil o eminente Relator tentou limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, que, como se percebe, não poderá ser dotada de eficácia ex tunc. A observação, ainda que à guisa de obiter dictum, sobre a repercussão que a declaração de cassação de mandatos haveria de produzir, traz à lembrança uma velha fórmula atribuída a Walter Jellinek sobre a aporia envolvida na declaração de nulidade de lei eleitoral. Sustentava Walter Jellinek que o conteúdo normativo do artigo 13, II, da Constituição de Weimar deveria ser limitado, de modo que o Reichsgericht somente deveria decidir com base nesse preceito se a pronúncia da nulidade da lei se mostrasse apta a resolver a questão. Essa seria a hipótese se, em lugar da lei declarada inconstitucional ou nula, surgisse uma norma apta a preencher eventual lacuna do ordenamento jurídico. Do contrário, deveria o Tribunal abster-se de pronunciar a nulidade. Assim, não poderia o Tribunal declarar a nulidade de uma lei que contrariasse o art. 17 da Constituição de Weimar (princípio da eleição proporcional), uma vez que "a consequência seria caos, o Estado-membro não teria uma lei eleitoral" (Jellinek, Walter. Verfassung und

Verwaltung des Reichs und der Länder, 3 ed. Leipzig und Berlim, 1927, p. 27).

Como se pode ver, se se entende inconstitucional a lei municipal em apreço, impõe- se que se limitem os efeitos dessa declaração (pro futuro)135.

Denota-se que, a despeito de estar atuando no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu modular os efeitos da decisão, restringindo-os pro futuro, nos moldes do art. 27 da Lei nº 9.868/99, que foi cunhado para o

133 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 197.917, SP. Relator: Min. Maurício Corrêa,

6 de junho de 2002. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28197917%2ENUME%2E+OU+1979 17%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d7llezf>. Acesso em: 16 maio. 2014.

134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 197.917, SP. Relator: Min. Maurício Corrêa,

6 de junho de 2002. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28197917%2ENUME%2E+OU+1979 17%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d7llezf>. Acesso em: 16 maio. 2014.

135 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 197.917, SP. Relator: Min. Maurício Corrêa,

6 de junho de 2002. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28197917%2ENUME%2E+OU+1979 17%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/d7llezf>. Acesso em: 16 maio. 2014.

controle concentrado. Essa aproximação dos mecanismos de proteção do texto constitucional também tem sido experimentada por outros institutos.