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Consoante já visto, a regra contida no art. 52, X, da CRFB determina que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal207.

O instituto foi concebido no Brasil para atribuir eficácia erga omnes às decisões proferidas pelo Supremo no controle difuso de constitucionalidade208. Para a doutrina tradicional, portanto, a decisão proferida pela Suprema Corte no controle difuso de constitucionalidade, enquanto ausente resolução do Senado Federal, possui valor externo de precedente jurisprudencial209.

É perceptível, contudo, uma releitura desse instituto. Em decorrência das mudanças citadas anteriormente ocorridas no ordenamento jurídico pátrio – que revelam uma mudança conceitual do sistema difuso-incidental –, Gilmar Mendes afirma que o instituto da suspensão pelo Senado passou por um processo de obsolescência210.

205 BRASIL. Planalto. Lei n. 5.869/73. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869compilada.htm>. Acesso em: 29 abril. 2014.

206 DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de

impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. v. 3. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 361.

207 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado

Federal, 2008.

208 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2012. p. 749. 209 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito

processual civil. 6. ed. rev. atual e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 198.

210 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. 8. ed.

Quando foi idealizado, pretendia-se proteger uma antiga concepção de divisão de poderes, que há muito já foi superada211. Em complemento, Luís Roberto Barroso afirma que, “respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em1934, já não há mais lógica razoável em sua manutenção” 212.

Observa-se que, tradicionalmente, o referido instituto somente atribui eficácia vinculante às decisões de inconstitucionalidade do Supremo. É imprestável, portanto, para assegurar eficácia geral às decisões que se limitam a adotar interpretação conforme a constituição, restringindo significado de expressão literal, por exemplo. Essa controvérsia acabaria por enfraquecer ainda mais a suspensão operada pelo Senado213.

Assim, para parte da doutrina, é possível afirmar que a nova interpretação a que se confere às declarações de inconstitucionalidade em controle difuso aponta para uma autêntica mutação constitucional, atribuindo à regra do art. 52, X, da CRFB simples efeito de publicidade. Verifica-se, assim, reforma da Constituição sem redução de texto214. Nesse sentido:

Parece legítimo entender que a formula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Dessa forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas215.

Esse entendimento revela que é inócua a discussão acerca da obrigatoriedade ou não de o Senado Federal suspender a norma declarada inconstitucional, uma vez que a “não- publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia” 216.

211 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. 8. ed.

rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1093-1094.

212 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição da doutrina e

análise crítica da jurisprudência. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 157-158.

213 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. 8. ed.

rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1092-1093.

214 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 258-

259.

215 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. 8. ed.

rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1101.

216 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. 8. ed.

Luís Roberto Barroso corrobora:

A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC nº 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. (...) Seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados ao art. 103 a propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é! (Grifou-se)217.

Destarte, percebe-se aceitação da transcendência dos motivos determinantes da decisão, com o escopo de aferir abstrativização máxima ao controle de constitucionalidade.

No Brasil, em função do sistema misto adotado, o modelo norte-americano convive com instrumentos do modelo europeu-asiático, situação que, da maneira que hoje estão configurados os dois sistemas, ocasiona certas incongruências. Fica evidente que os dois modelos (concentrado e difuso), originalmente construídos para vigorar de forma exclusiva, precisam de vários ajustes quando postos a subsistir debaixo de uma mesma ordem jurídica218.

Nada obstante alguns defeitos do controle difuso, é preciso considerar que ele envolve mais de cem anos de experiência constitucional brasileira, em que se vem colocando à disposição de qualquer interessado a possibilidade de provocar difusamente o controle de uma lei que entende inconstitucional. O controle difuso valoriza, portanto, o sujeito constitucional, a soberania popular, a cidadania e a democracia, já que cumpre o papel de inclusão no espaço constitucional de todos os destinatários de seus princípios e regras, e impede que o constitucionalismo se torne algo privado, que possa ser apropriado autoritariamente por alguns poucos detentores do poder.

Desse modo, o controle difuso, transformando cada um do povo em fiscal da Constituição e da constitucionalidade das leis, constitui fator de afirmação do direito à liberdade e à igualdade e, e concorre para a construção de uma sociedade pluralista e complexa, de inclusão e não de exclusão política e social219.

Em contraponto, José Afonso da Silva não admite a transcendência dos motivos determinantes, concluindo que a eficácia da sentença que decide sobre a inconstitucionalidade pela via de exceção se resolve pelos princípios puramente processuais, ou seja, por ser

217 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição da doutrina e

análise crítica da jurisprudência. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 157-158.

218 MENDES. Leonardo Castanho. O recurso especial: e o controle difuso de constitucionalidade. São Paulo:

Revista dos Tribunais. 2006. p. 41-42.

219 CARVALHO, Kildare Gonçalvez. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição. 20. ed. Belo

declarada de modo incidental, a inconstitucionalidade não faz coisa julgada, nem mesmo para as partes220.

Também avesso à teoria da transcendência, Pedro Lenza afirma:

[...] embora a tese da transcendência decorrente do controle difuso pareça bastante

sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual,

de efetividade do processo, de celeridade processual (art. 5.º, LXXVIII - Reforma

do Judiciário) e de implementação do princípio da força normativa da Constituição (Konrad Hesse), afigura-se faltar, ao menos em sede de controle

difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação. [...] Assim, na medida em que a análise da constitucionalidade da lei no controle difuso pelo STF não produz efeito vinculante, parece que somente mediante necessária reforma constitucional (modificando o art. 52, X, e a regra do art. 97) é que seria possível assegurar a constitucionalidade dessa nova tendência - repita-se, bastante "atraente" - da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso, com caráter vinculante221.

Ressalta, ainda, que, para a atribuição de efeitos erga omnes, a edição de súmula vinculante seria procedimento mais legítimo e eficaz, além de respeitar a eficácia jurídica. No mais, aponta que o quorum normal do controle difuso é o da maioria absoluta (art. 97), enquanto que, para atribuir efeitos de abstrativização, o legislador exigiu quorum qualificado de dois terços dos membros do Supremo para a edição da súmula222.

Cumpre dizer que o incidente de inconstitucionalidade, em que pese ocorrer no controle difuso, possui natureza objetiva e sua análise é verificada em tese (abstrato), ou seja, independente do caso em concreto. Assim, o processo de declaração de inconstitucionalidade na via difusa está a par do processo realizado no controle concentrado, o qual estabelece apenas o voto da maioria absoluta dos membros do plenário do Supremo223.

De mais a mais, embora Pedro Lenza se oponha à atribuição de efeito erga omnes às decisões proferidas no controle difuso, admite a tendência de abstrativização, principalmente ao concordar com dispensa à cláusula de reserva de plenário, situação que decorre, como já estudado, da aplicação da teoria da transcendência. Destaca, ainda, que procedendo assim busca-se a desejada racionalização orgânica da instituição judiciária brasileira e enaltece-se o princípio da economia processual e da segurança jurídica224.

220 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. rev. e atual. até a emenda

constitucional nº 68. São Paulo: Malheiros, 2011. p . 55.

221 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 258-

259.

222 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 259. 223 DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de

impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. v. 3. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 361.

Como consequência da eficácia vinculante das decisões proferidas pelo Supremo em sede de controle difuso, Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha sustentam a possibilidade de ajuizamento de reclamação contra decisão que contrariar a declaração de inconstitucionalidade dada incidentalmente, ainda que não haja previsão expressa nesse sentido225:

Tudo isso conduz a que se admita a ampliação do cabimento da reclamação constitucional, para abranger os casos de desobediência a decisões tomadas

pelo Pleno do STF em controle difuso de constitucionalidade, independentemente da existência de enunciado sumular de eficácia vinculante. É certo, porém, que não há previsão expressa neste sentido (fala-se de reclamação por desrespeito a “súmula” vinculante e a decisão em ação de controle concentrado de constitucionalidade). Mas a nova feição que vem assumindo o controle difuso de constitucionalidade, quando feito pelo STF, permite que se faça essa interpretação extensiva, até mesmo como forma de evitar decisões contraditórias e acelerar o julgamento das demandas226. Vale mencionar que esse foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal recentemente, no julgamento da Reclamação n. 4.335227.

Com base no julgamento do HC nº 82.959, no qual o Supremo reconheceu a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos)228 – a qual proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos e equiparados – foi ajuizada reclamação em face da decisão do Juiz Vara de Execuções Penais, que indeferiu os pedidos de progressão de regime. O argumento do Magistrado foi o seguinte:

[...] conquanto o Plenário do Supremo Tribunal, em maioria apertada (6 votos x 5 votos), tenha declarado incidenter tantum a inconstitucionalidade do art. 2o, § 1o da Lei 8.072/90 (Crimes Hediondos), por via do Habeas Corpus n. 82.959, isto após dezesseis anos dizendo que a norma era constitucional, perfilho-me a melhor doutrina constitucional pátria que entende que no controle difuso de constitucionalidade a decisão produz efeitos inter partes (grifou-se)229.

225 DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de

impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. v. 3. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. p.365-367.

226 DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de

impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. v. 3. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. p.365-367.

227 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n. 4.335, AC. Relator: Min. Gilmar Mendes, 20 de março

de 2014. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2381551>. Acesso em: 8 maio. 2014.

228 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas copus n. 82.959, SP. Relator: Min. Marco Aurélio, 23 de

fevereiro de 2006. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2110217>. Acesso em: 5 maio. 2014.

229 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n. 4.335, AC. Relator: Min. Gilmar Mendes, 20 de março

Todavia, ainda no ano de 2007, os Ministros Gilmar Mendes (relator) e Eros Grau votaram no sentido da procedência da reclamação, sustentando que a regra do art. 52, X, da CRFB atribui à suspensão da execução operada pelo Senado Federal apenas efeito de publicidade, uma vez que as decisões da Corte sobre a inconstitucionalidade de leis têm eficácia normativa, mesmo que tomadas em ações de controle difuso230.

Ocorre que somente na sessão do dia 20 de março de 2014 o julgamento foi concluído. Na linha do relator, o Ministro Teori Zavascki – cujo entendimento foi seguido pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello – conheceu e julgou procedente a reclamação. O Ministro salientou ser “inegável que, atualmente, a força expansiva das decisões do STF, mesmo quando tomadas em casos concretos, não decorre apenas e tão somente da resolução do Senado, nas hipóteses do artigo 52, inciso X, da Constituição” e que o fenômeno “está se universalizando por força de todo um conjunto normativo constitucional e infraconstitucional direcionado a conferir racionalidade e efetividade às decisões dos Tribunais Superiores e especialmente à Suprema Corte”231.

Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal conheceu e julgou procedente a reclamação, ficando vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que não conheciam da reclamação, mas concediam habeas corpus de ofício232.

Perceptível, portanto, que o Supremo utilizou a teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão e, por conseguinte, reconheceu a força vinculante da declaração de inconstitucionalidade proferida nos autos do HC nº 82.959 incidentalmente.

Vale lembrar que, antes disso, o Supremo, nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de leis municipais, apreciadas, portanto, em sede de recurso

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2381551>. Acesso em: 8 maio. 2014.

230 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n. 4.335, AC. Relator: Min. Gilmar Mendes, 20 de março

de 2014. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2381551>. Acesso em: 8 maio. 2014.

231 MOREIRA, Rômulo de Andrade. “O controle difuso abstrativizado”, a progressão de regime nos crimes

hediondos e o supremo tribunal federal: finalmente a novela chegou ao seu final. 22 mar. 2014. Disponível

em: <http://alexandremoraisdarosa.blogspot.com.br/2014/03/o-controle-difuso-abstrativizado.html>, acesso em 15 maio. 2014.

232 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n. 4.335, AC. Relator: Min. Gilmar Mendes, 20 de março

de 2014. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2381551>. Acesso em: 8 maio. 2014.

extraordinário, vinha conferido efeito vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, “mas também aos próprios fundamentos determinantes, de cunho transcendente”233.

Dessa feita, além dos mecanismos que já promovem a dispensa resolução senatorial em algumas situações, o próprio Supremo Tribunal Federal caminha no sentido de reconhecer a mutação constitucional no que tange ao controle de constitucionalidade brasileiro, fazendo uma releitura do art. 52, X, da CRFB, entendendo-o como prescindível para atribuir eficácia vinculante às decisões dada em via incidental, com base da teoria da transcendência.

Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha esclarecem:

Nada impede, porém, que o controle de constitucionalidade seja difuso, mas abstrato: a análise da constitucionalidade é feita em tese, embora por qualquer órgão judicial. Obviamente, porque tomada em controle difuso, a decisão não ficará acobertada pela coisa julgada e será eficaz apenasinter partes.Mas a análise é feita em tese, que vincula o tribunal a adotar o mesmo posicionamento em outras oportunidades. É o que acontece quando se instaura o incidente de argüição de inconstitucionalidade perante os tribunais (art. 97 da CF/88 e arts. 480-482 do CPC): embora instrumento processual típico do controle difuso, a análise da constitucionalidade da lei, neste incidente, é feita em abstrato. Trata-se de incidente processual de natureza objetiva (é exemplo de processo objetivo, semelhante ao processo da ADIN ou ADC). É por isso que, também à semelhança do que já ocorre na ADIN e ADC, é possível a intervenção deamicus curiaeneste incidente (§§ do art. 482). É em razão disso, ainda, que fica dispensada a instauração de um novo incidente para decidir questão que já fora resolvida anteriormente pelo mesmo tribunal ou pelo STF (art. 481, par. ún., CPC)234.

Faz-se ressalva no sentido de que o reconhecimento de inconstitucionalidade – seja em controle difuso ou concentrado – não afeta direta e automaticamente todas as relações preexistentes. Em nome da segurança jurídica, da justiça ou de outros valores constitucionais, haverá hipóteses protegidas pela coisa julgada, pela boa-fé, pela prescrição235.

Nesse mesmo sentido, Gilmar Mendes afirma que, nas decisões proferidas pelo Supremo em controle difuso, a Corte deverá ponderar não apenas os efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade (ex nunc ou ex tunc), como também a repercussão nos demais casos concretos, considerando outros princípios constitucionais236.

233 CARVALHO, Kildare Gonçalvez. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição. 20. ed. Belo

Horizonte:Del Rey, 2013. p. 469.

234 DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de

impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. v. 3. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. p.361.

235 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição da doutrina e

análise crítica da jurisprudência. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 157-158.

236 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. 8. ed.

Todas essas situações revelam promissora comunicabilidade entre as vias difusa e concentrada do sistema misto de controle de constitucionalidade brasileiro237, e emprestam força e reconhecimento à teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão, contribuindo para a segurança jurídica e o aprimoramento dos mecanismos de proteção da CRFB.

237 MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. 8. ed.

5 CONCLUSÃO

A CRFB constitui fundamento de validade de todo o ordenamento infraconstitucional. Diante do princípio da supremacia constitucional, qualquer lei ou ato jurídico somente poderá subsistir validamente se estiver de acordo com seus comandos e limites.

Foi estudado que controle de constitucionalidade é o mecanismo que tem por objetivo garantir, na prática, a superlegalidade da CRFB, impedindo a criação e manutenção de normas que extrapolem seus limites.

Mediante o controle difuso, todos os órgãos do Poder Judiciário têm o poder- dever de deixar de aplicar ao caso concreto determinado ato do Legislativo que afronte o texto constitucional. Nesses casos, a declaração de inconstitucionalidade, suscitada incidentalmente, não é objetivo principal da demanda, mas tão somente razão de decidir.

Pela teoria geral do processo, os motivos determinantes da decisão não fazem coisa julgada. Assim, tradicionalmente, no sistema difuso-incidental, a sentença possuiria apenas eficácia inter partes.

Notou-se, porém, que nos últimos anos as mudanças na legislação, alicerçadas pela doutrina e jurisprudência, conferiram ao controle difuso novo aspecto, a fim de atribuir aos motivos determinantes das decisões – incidente de inconstitucionalidade – efeitos para fora do processo em que foram proferidas.

A possibilidade de transcendência dos motivos determinantes ficou estabelecida com a dispensa da cláusula de reserva de plenário e com o instituto da súmula vinculante, deixando a decisão de ter efeito apenas aos litigantes do processo, para alcançar demais ações com a mesma discussão.

De mais a mais, a possibilidade de intervenção de amicus curiae no controle difuso e de modulação dos efeitos, bem como a imposição de preenchimento do requisito da repercussão geral no recurso extraordinário, são opções legislativas que demonstram a aceitação de um processo de controle incidental aberto e plural, que não serve apenas para atender à pretensão das partes, mas, principalmente, para garantir a ordem constitucional objetiva.

Os citados elementos foram pinçados de uma gama de alterações legislativas que confirmam o fortalecimento das decisões Supremo Tribunal Federal, a quem a CRFB incumbiu de ser seu guardião precípuo.

A mudança na concepção do controle difuso na Corte Máxima é elogiável, uma vez que atende ao anseio geral de otimização e racionalidade da prestação jurisdicional e minimiza a oscilação das decisões judiciais, a qual acomete profundamente o princípio da segurança jurídica.

A mutação constitucional quanto ao controle de constitucionalidade brasileiro é inegável. A clássica divisão entre sistema difuso e concentrado parece não mais subsistir. A aproximação entre esses dois institutos, separados apenas por razões históricas, é resultado do