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3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.6 Conceito espontâneo e conceito científico

A prática pedagógica da transmissão dos conhecimentos científicos de maneira pronta, acabada, que trabalha apenas a aprendizagem por recepção. Nesse método de ensino a criança não consegue analisar o significado do conceito, mas sim, memorizar a palavra, aqui o estudante não é concebido como ser ativo pela busca do conhecimento. Essa prática pedagógica, tem sido largamente criticada pelos pesquisadores que estudam o processo de ensino e aprendizagem, no qual acreditam na compreensão da construção do conhecimento pela implicação e participação ativa do aluno nesse processo.

Quando a criança inicia o processo de escolarização, ela já apresenta diversas explicações acerca de fenômenos e conceitos adquiridos foram do âmbito escolar e distintos daqueles transmitidos na escola. Esse repertório de informações apreendido fora da escola foi

construído no decorrer de sua história de vida através das experiências sociais que servem para entender e analisar a realidade. Essas estruturas de conhecimentos facilitam o amadurecimento de vários processos psicológicos necessários para a formação de conceitos científicos. Por sua vez, Daniels (2003) reforça que estruturas de conhecimento ajudam os sujeitos a elaborarem julgamentos e interpretações de fenômenos que direcionam suas ações na cultura.

Os educadores não dão a devida importância aos conceitos espontâneos, desenvolvendo uma prática voltada para transmissão de conhecimentos desprovida de significado. Os conceitos espontâneos são construídos nas relações familiares, grupos de amizades e demais grupos significativos para o sujeito. A partir dessa troca de experiência, juntam-se os conhecimentos adquiridos nos grupos, compostos por seus valores morais étnicos e afetivos, que resultam em um conjunto de representações com um universo simbólico peculiar, constituindo os sistemas de interpretações da realidade, ou seja, pontos de vistas diante do fenômeno.

Em suas pesquisas da influência da interação social, da linguagem e da cultura sobre a aprendizagem, Vigotski (2004) se debruça na investigação da relação entre conceitos científicos e conceitos espontâneos. Defende a idéia da interação dinâmica entre os dois tipos de conceitos. Schoroeder (1990-, p. 7) corrobora com Vigotski e assinala que “os conceitos científicos não são assimilados em sua forma já pronta, mas sim por um processo de desenvolvimento relacionado a uma capacidade geral de formar conceitos, existentes no sujeito”. Por sua vez, está associado à constituição dos conceitos espontâneos. Os conceitos espontâneos que o individuo vai acumulando durante sua história de vida favorece a transformação qualitativa e quantitativa dos tipos de pensamento científico.

O conceito científico aparece no momento em que o sujeito começa a trabalhar com a definição verbal juntamente com operações mentais articuladas com o conceito internalizado. De acordo com Vigotski (2001, p. 244), a definição verbal primária que nas condições de um “sistema organizado, descende ao concreto, ao fenômeno, ao passo que a tendência do desenvolvimento dos conceitos espontâneos se verifica fora do sistema ascendendo para as generalizações”. O caminho do desenvolvimento do conceito científico germina quando: (1) a criança relaciona um determinado conceito com alguma outra experiência, esses objetos são mais conhecidos pelos adultos, mas ainda não são objetos reais; (2) ao passar do tempo a criança começa a conseguir definir o conceito, apresenta capacidade de discriminação e de operar com relações lógicas que se estabelecem entre eles. Mas essas relações lógicas ainda estão vinculadas a suas experiências.

Nesse sentido, “os conceitos científicos dos espontâneos parecem encontrar-se em um nível no sentido de que não se pode separar nos pensamentos da criança os conceitos adquiridos na escola dos conceitos adquiridos em casa”. (Vigotski 2004, p.528). Em certo sentido, os conceitos espontâneos na criança precisam atingir um determinado nível mental para que a assimilação dos conceitos científicos ocorra.

De acordo com Rossi (2006, p.6),

O conceito cotidiano é definido por seus aspectos fenotípicos, de cunho aparente, sem uma organização consistente e sistemática. As palavras que servem para exprimir esse conceito têm certo apelo ao próprio objeto ou às suas impressões factuais. Em contrapartida, o conceito científico organiza-se dentro de um sistema hierárquico de inter-relações conceituais. Essas relações são tipos de generalizações que implicam em uma estrutura mental superior que acontece no desenvolvimento do indivíduo. São constituídos por meio de sua articulação a outros conceitos subordinados ou supra-ordenados, imprescindíveis a sua compreensão.

No decorrer do processo de constituição dos conceitos científicos, a utilização da palavra ou signo tem o caráter funcional de guiar a compreensão, a discriminação e a capacidade de abstração e síntese do atributo. Os conceitos, assim como outros processos psicológicos, são processos mediados pelo emprego dos signos. Dessa maneira, o processo de formação de conceitos emprega o signo como palavra, inicialmente, e posteriormente torna-se símbolo. Vigotski (2001) afirma que o percurso da aquisição de um novo conceito científico pode ser compreendido quando:

O caminho entre o primeiro momento em que a criança trava conhecimento com o novo conceito se tornam propriedade da criança é um complexo processo psicológico interior, que envolve a compreensão da nova palavra que se desenvolve gradualmente a partir de uma noção vaga, a sua aplicação propriamente dita pela criança e sua efetiva assimilação apenas como elo conclusivo. (VIGOTSKI 2001, p.250)

Na ocasião em que a criança internaliza o conhecimento, pela primeira vez, de uma nova palavra, o processo de constituição dos conhecimentos não chega ao fim, mas inicia o desenvolvimento gradualmente da evolução dos níveis de abstração e generalização. Segundo Abreu (2006, p.36), “o estudo da formação dos conceitos científicos mostra que o processo de generalização e sua vinculação com os níveis abstração refletem relações substanciais e naturais entre os significados”. A compreensão desse processo auxilia o estudo da formação dos conceitos científicos em crianças com deficiência intelectual, onde deve ser considerado que “o desenvolvimento mental da criança não se caracteriza só por aquilo que ela conhece, mas também pelo que ela pode aprender” (Vigotsky, 2004, p.537).

Independente das capacidades intelectuais, todas as pessoas têm a condição de adquirir conhecimentos e, particularmente, as pessoas com deficiência intelectual adquirem conhecimentos desde que os assuntos ensinados a elas se encontrem em um nível de abstração e generalização que tenha significado para o sujeito. A formação dos conceitos científicos decorre das experiências de aprendizagem oferecidas à criança pelas pessoas que integram a sua rede social e, no caso da deficiência intelectual, apresentam suas particularidades.

As investigações apontam para o fato de que os conceitos científicos baseiam-se em diversos conceitos espontâneos que brotaram na inserção do sujeito no processo de escolarização e, posteriormente, transformados em conceito cientifico. “A criança o conscientiza, ele se modifica na estrutura, ou seja, passa a generalização de um tipo mais elevado no aspecto funcional e revela a possibilidade das operações, dos signos que caracterizam a atividade do conceito científico”. (Vigotsky, 2004, p. 540).

A compreensão da constituição da formação dos conceitos ensinados na escola analisa as particularidades e as ligações entre os conceitos espontâneos e científicos. De acordo com Vigotski,

O desenvolvimento dos conceitos espontâneos e dos conceitos não-espontâneos – se relacionam e se influenciam constantemente. Fazem parte de um único processo: o O desenvolvimento da formação de conceitos, que é afetado por diferentes condições externas e internas, mas que é essencialmente um processo unitário, e não um conflito entre formas de intelecção antagônicas e mutuamente exclusivas. O aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar, e é também uma poderosa força que direciona o seu desenvolvimento, determinando o destino de todo o seu desenvolvimento mental”. (VYGOTSKY, 2001, p. 74)

Cabe ressaltar que mesmo existindo a relação entre conceitos espontâneos e científicos, as vias de desenvolvimento desses conceitos apresentam distinção entre eles. Os conceitos científicos emergem e se formam no processo de ensino e aprendizagem escolar, por meio completamente diferente que no processo de experiência cotidiana particular da pessoa. Os desejos que possibilita a criança a constituir os conceitos científicos, também são distintos daqueles que engendram o pensamento infantil a formar conceitos espontâneos. Os conceitos científicos não são decorados pelo sujeito, mas aparecem como representação de uma atividade mental do próprio pensamento, constituído pelas suas particularidades

A constituição dos conceitos espontâneos e científicos pode ser compreendida como um processo que ocorre através das experiências e aprendizagem dos sujeitos e possibilita o avanço no nível de desenvolvimento intelectual, por meio das aprendizagem escolares. (ROSSI, 2006). Dessa maneira, Vigotski elabora o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal.

3.7 A Zona de desenvolvimento proximal de Vigotski e seus desdobramentos pedagógicos

Durante algumas décadas, tentou-se compreender e explicar os diferentes problemas que rondavam o processo de escolarização, mais especificamente a relação entre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo.

Vigotski (2003) declarou a existência de três posicionamentos teóricos relativos à relação entre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo. O primeiro vislumbra que a aprendizagem escolar deve, primeiramente, obedecer às etapas do desenvolvimento humano, portanto é uma leitura de desenvolvimento ancorada em modelos organicistas, que apresentam em sua base epistemológica a concepção predeterminista na qual se considera que as funções psicológicas superiores se desenvolvem de forma natural, em decorrência do próprio amadurecimento cerebral, ou seja, a aquisição da aprendizagem é conseqüência de uma maturação biológica.

Vigotski (2004) tinha suas críticas referentes a essa visão organicista, alegando que levava a um “pessimismo pedagógico” pois, caso a criança apresentasse certa dificuldade em uma determinada área do conhecimento, caberia ao professor canalizar sua atenção a essa incapacidade para que outros mecanismos de compensação fossem acionados. A outra crítica evidencia que, para estudar o desenvolvimento humano, é necessária uma análise global e sistêmica e não apenas centrar a atenção utilizando um único parâmetro.

A segunda posição teórica refere-se à relação entre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo e considera que a aprendizagem é a força motriz para que o sujeito se desenvolva, tornando-se o extremo da posição anterior. Um representante dessa idéia seria Thorndike, que alegava que o sujeito se desenvolve a partir de suas experiências.

Com o objetivo de ir além das explicações acima, mas não as descartando, Koffka tentou explicar que desenvolvimento e aprendizagem são dois processos distintos que, apesar disso, se relacionam; “de um lado a maturação, que depende diretamente do desenvolvimento do sistema nervoso; de outro o aprendizado, que é, em si mesmo, também um processo de desenvolvimento” (Vigotski, 2003, p.106).

Embora Vigotski reconhecesse essas leituras referentes à aprendizagem e desenvolvimento, ele contrapunha-se às três acima já que acreditava que existe uma assintonia entre aprendizado e o desenvolvimento. O autor buscou romper com a idéia organicista e linear de desenvolvimento, implementando, em sua concepção, estudar o desenvolvimento humano como elemento histórico e em constante transformação, salientando que assim como