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No segundo momento de investigação, o uso de observação participante possibilitou o planejamento e a mediação semiótica, visando o desenvolvimento dos conceitos cotidianos já identificados. Para um melhor entendimento do curso do desenvolvimento das aulas, as mesmas foram divididas em cinco etapas que contribuíram para a investigação do funcionamento dos participantes da pesquisa, a saber: 1- Etapa de exploração do conhecimento real das crianças; 2 – Apresentação do conteúdo; 3 – Atuação pela Zona de Desenvolvimento Proximal; 4 – Momento de fossilização do conceito; e, 5 – A necessidade da desfossilização.

2.1 – Aula 1: Seres vivos e não-vivos e apresentação do ciclo vital

O objetivo da primeira aula foi introduzir o conteúdo de seres vivos e não-vivos juntamente com conceito de ciclo vital, que são as transformações que ocorrem na vida de um ser vivo: o nascimento, o crescimento, a capacidade de reprodução, o envelhecimento e a morte.

2.1.1 – Etapa de exploração do conhecimento real das crianças

Partir do conhecimento prévio é um recurso mediacional para promover relações entre o que é conhecido e o que de novo será apresentado. Proporciona significado e há sentido real da aprendizagem em curso. Para iniciar o processo de exploração do nível de conhecimento real das crianças expressa pelos conceitos cotidianos já internalizados, foi utilizada uma caixa que continha diversos objetos representando a categoria de seres vivos e não-vivos, sendo eles: helicóptero, celular, pilha, bola, caneta, burro, planta, leão, gato, cachorro, porco, hipopótamo, girafa. Solicitou-se as crianças para escolherem qualquer objeto. Conforme o quadro 6 demonstra:

QUADRO 6

Pesquisadora: Vamos ver o quê eu tenho aqui dentro? Vocês podem pegar o quê vocês quiserem. Pesquisadora: Um celular? Esse celular serve pra quê?

Danilo: Para brincar

Pesquisadora: Ahhh! E pra que serve esse celular de verdade? O quê a gente faz com esse celular? Amanda: Liga, tira foto... Manda mensagem

Pesquisadora: Celular come?

(Danilo e Amanda balançam a cabeça, negando) Pesquisadora: Celular dá filhinho?

Danilo: Não

Amanda: Não (Responde sorrindo e balançando a cabeça, negando)

Pesquisadora: Não? (Puxa a caixa) Pega aqui pra mim então, um que come e dá filhinho. Ana pega um porco

Danilo pega um leão

Pesquisadora: Um porco e um leão. Fale sobre o leão, Danilo. (Danilo encosta a cabeça na mesa. Olha para o leão)

Pesquisadora: Onde o leão vive? Você sabe? Danilo: Na selva

Pesquisadora: Na selva... O quê será que ele come? Danilo: Mato

Pesquisadora: Mato... Ele é bravo? Danilo: Não

(Amanda balança a cabeça, afirmando)

Pesquisadora: Não é não? E você acha que o leão é bravo, Amanda? Amanda: Sim, ele é agressivo.

Pesquisadora: Quando ele fica agressivo, o quê ele faz com os outros animais? Amanda: Não sei

Pesquisadora: Porque ele é agressivo? Você falou que ele é agressivo, o quê é ser agressivo? Amanda: Não sei

Pesquisadora: Você sabe Danilo? Danilo: Não sei

Pesquisadora: O leão é agressivo porque ele come os outros bichos? Danilo: Come

(Amanda balança a cabeça, afirmando) Pesquisadora: Ele dá filhote?

(Amanda e Danilo balançam a cabeça, afirmando) Pesquisadora: E um dia, o leão morre?

Danilo: Não

(Amanda olha para pesquisadora discordando de Danilo)

Pesquisadora: O leão morre ou ele vai viver para sempre, ele nunca vai morrer? Pesquisadora: Ele morre? Ou ele vive pra sempre?

(Amanda balança a cabeça, afirmando) Amanda: Ele morre

Amanda selecionou o celular e pontuou as funções que o aparelho tem, tais como: realiza ligações, tira foto e manda mensagem. Ela se refere ao objeto considerando seus atributos criteriais, pois, efetivamente, os novos modelos de celulares suplantam a mera função de comunicação telefônica, instituindo-se como câmara fotográfica e mini computador que envia mensagem. Embora sejam dados advindos de suas experiências, não são dados meramente factuais do aparelho.

Ao analisar se os participantes conseguiram identificar as características do ciclo vital, observou-se, que tanto Amanda quanto Danilo, apontaram que o celular não apresenta ciclo

vital. Então, foi pedido que escolhessem algo capaz de reprodução. Amanda escolheu o porco e Danilo, o leão. Durante o inquérito para esclarecer a lógica de escolha dos animais, os participantes demonstraram conhecimento das características do ciclo vital. Ainda, que as crianças não pudessem conceituar o que seja ciclo vital, já demonstraram um repertório de conhecimentos sobre o mesmo, tais como: que o leão nasce, cresce, pode reproduzir e um dia morre, diferente do celular. Esses conceitos cotidianos adquiridos na relação do sujeito com sua rede social são a base para a constituição dos conceitos científicos, desenvolvidos durante o processo de escolarização através da sistematização dos conhecimentos. E já apresenta um nível de abstração interessante e importante. Em síntese, no que concerne à categoria seres vivos e não vivos, Amanda já apresenta um nível de classificação compatível com conceito propriamente dito, ainda que, não possam, neste momento, enunciar verbalmente e definir o conceito.

Danilo mostra-se em uma fase diferente, na qual, ainda busca sistematizar os critérios de ser vivo para abstraí-los em uma categoria geral.

A exploração do conhecimento prévio das crianças foi utilizada como inter texto para a enunciação das perguntas críticas que resultaram durante o processo de ensino, na apresentação dos conceitos em pauta.

2.1.2 – Apresentação do conteúdo de seres vivos e não-vivos

A despeito de já conhecerem cotidianamente os seres vivos e não-vivos, os conceitos foram apresentados e aprofundados para servir de âncora as demais classificações. Foram utilizados os mesmos objetos apresentados aos participantes durante o momento de exploração.

Desejava-se, através da sistematização do ensino, observar o desenvolvimento do conceito e a mudança na estrutura da natureza psicológica da palavra. Para isso foi pedido aos participantes que separassem os objetos do interior da caixa, utilizando como critério elementos animais e não animais. Daniel escolheu o cavalo, o hipopótamo, a girafa e a baleia; Amanda, o burro, para compor o grupo de animais. O mesmo critério foi adotado para os demais objetos que faziam parte do grupo dos não animais. Danilo escolheu a bola, a pilha e o celular. Amanda, o helicóptero e a caneta.

O conceito de ciclo vital foi apresentado às crianças, demandando a elevação do nível de abstração, já apresentado, de acordo com o quadro 6:

QUADRO 6

Pesquisadora: Olha só, vocês já ouviram falar o quê é um ser vivo e o quê é ser não vivo? (Amanda balança a cabeça afirmando e Danilo observa o cavalo)

Pesquisadora: Já? Já ouviu Amanda? Amanda: Aham

Pesquisadora: O quê é um ser vivo? Amanda: É uma pessoa que “ tá”a viva

Pesquisadora: É uma pessoa que “tá” viva... Muito bem, Amanda!

(Pesquisadora olha para Danilo)

Pesquisadora: E aí, o quê é um ser vivo? Você sabe? Danilo: Não

Pesquisadora: Olha só, ser vivo, é qualquer animal que nasce, cresce, reproduz////dá filhotinho e

morre.

Pesquisadora: Vamos ver o cavalo. Ele nasce? Danilo: Não

Pesquisadora: O cavalinho nasce de algum lugar, não nasce da mamãezinha dele? Danilo: Aham

Pesquisadora: Não nasce Danilo, dentro da barriga da mamãe dele? (Danilo balança a cabeça afirmando)

Pesquisadora: Depois ele cresce (Danilo balança a cabeça afirmando) Pesquisadora: Ele vai dar filhotinho? Danilo: (Balança a cabeça afirmando) Vai Pesquisadora: Vai Amanda?

(Amanda balança a cabeça afirmando) Pesquisadora: E ele vai morrer também?

(Danilo e Amanda balançam a cabeça afirmando) Pesquisadora: Então... ele é o quê?

Danilo: Ser vivo.

No momento da sistematização do conteúdo foram apresentadas às crianças primeiramente os atributos criteriais do ciclo vital. Após a inserção do conceito, utilizou-se o animal – cavalo, para exemplificar o ciclo vital. Assim, no momento da exploração foram introduzidos conceitos que demandavam abstrações pela presença física do objeto, ou seja, com signos externos; já, na sistematização do conteúdo trabalhou-se o pensamento mais abstrato, em movimento que ia do signo externo ao interno. Essa dinâmica de apresentação do conteúdo contribuiu para o processo de internalização do conceito.

2.1.3. Atuação pela zona de desenvolvimento proximal

Wertsch (1998) esclarece que a atuação na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) é um excelente recurso no que se refere aos processos de mediação pedagógica, pois favorece o avanço da aprendizagem e maior refinamento do modo de funcionamento psicológico.

A ZDP representa aquelas funções mentais que as pessoas constroem em situações de atividade, sob a supervisão e orientação de outro mais capaz. Na internalização do conceito de seres vivos e não-vivos, percebeu-se que Danilo começou a transpor do pensamento real imediato para o lógico abstrato, conforme o quadro 7 apresenta:

QUADRO 7

Pesquisadora: Vamos pegar a caneta... Quem vai brincar com a gente agora é a tia Roberta. Tá bom?

Olhem para a Roberta. A Roberta é um ser vivo ou é um ser não-vivo?

Danilo: Ser vivo Amanda: Ser vivo

Pesquisadora: Ser vivo! Muito bem! Vocês são espertos, heim?!. Porque que a Roberta é um ser vivo? Danilo: Porque ela tem mãe

Pesquisadora: Porque ela tem mãe. Quê mais?... Tá certinho! Danilo: Porque ela cresce.

Pesquisadora: Ela cresce... Quê mais? Danilo: Depois pode ter filho

Pesquisadora: É... Pode ter filho! E a caneta? E essa caneta aqui é um ser vivo ou não vivo? Danilo: É um vivo

Pesquisadora: Eu vou perguntar de novo. Você pensa aí,”ta” bom? A caneta, é um ser vivo ou não vivo?

Danilo: Não-vivo.

Pesquisadora: Ah... Por quê? Danilo: Porque é morto. Pesquisadora: Por que Amanda? (Amanda fica tímida, sorri)

Pesquisadora: Porque é um ser não vivo?

(Danilo de cabeça baixa e Amanda tímida pensando)

Pesquisadora: Porque ela não nasce... (espera as crianças completarem) (As crianças não completam)

Pesquisadora: Não cresce, não reproduz e não morre. Entendeu? Não é porque ela é morta não. (Amanda fala “não cresce, não reproduz e não morre” apenas movendo os lábios e balança a cabeça afirmando que entendeu)

(Danilo balança a cabeça afirmando)

Acreditava-se que os participantes pudessem reconhecer os atributos criteriais do ciclo vital, a ponto de abstraí-los para diferenciá-los de outras categorias. Se para Amanda faltava obter consciência da classificação categorial já efetuada na primeira etapa, Danilo avançava- se para construção e identificação de alguns atributos, com ajuda da pesquisadora através de pistas verbais. Ao perguntar às crianças se a Roberta era um ser vivo ou não-vivo, Danilo, foi assertivo em sua resposta – ser vivo, e ainda, ao ser questionado o que é um ser vivo, apresentou alguns atributos criteriais do ciclo vital, tais como: tem mãe, e dá filhotes, ou seja, ela reproduz, aqui, já está fazendo a diferenciação com o não-vivo. Diante de uma caneta, conseguiram identificar como ser não-vivo, contudo, não conseguiram enunciar o que é um ser não-vivo, mesmo após as pistas verbais oferecidas. Ao final, Danilo já identificava os atributos criteriais do ciclo vital, mas quando foi necessário flexibilizar o pensamento para pensar nos atributos dos seres não-vivos, não conseguiu.

A seleção de perguntas críticas e pistas verbais cujas respostas auxiliariam na compreensão do que diferencia o ser vivo do ser não-vivo constituiu uma modalidade de ajuda deliberada no processo de desenvolvimento do conceito. Ao longo das interações com

as crianças, buscou-se “na maiêutica” das indagações propiciar a apropriação consciente do conceito, ampliá-lo, de modo que as crianças pudesse regular seu próprio comportamento se ministrados a utilizar a categoria, torná-la abstrata e geral o suficiente para que tal processo fosse possível. Atue-se, pois, na ZDP das crianças, de modo deliberado.

A literatura apresenta estudos de autores neovigotskianos, como, Gallimore e Tharp (2000) que acreditam ser o desenvolvimento da capacidade cognitiva do sujeito representado por um movimento dialético entre a regulação social e a auto regulação, ou seja, do desempenho assistido ao auto regulado. Esse funcionamento refere-se ao processo de internalização, em que, ao passo que a criança interioriza o conhecimento, o desempenho é desenvolvido e automatizado, portanto, fossilizado. Assim a criança realiza a atividade sozinha. Foi o intento, pois, da mediação semiótica efetivada.

2.1.4 Momento de fossilização do conceito de seres vivos e não-vivos.

Com o objetivo de analisar se os participantes conseguiram fossilizar os conceitos trabalhados durante aula, foram realizadas duas atividades. Na primeira, foi entregue em uma folha de exercício, na qual, tinham que ligar os seres vivos a um círculo e não-vivos a um quadrado. Na segunda, eles deveriam recortar em revistas, figuras que representassem seres vivos e não-vivos, para construir um mural. A realização de atividade com acertos expressaria a fossilização porque, eles deveriam identificar seres vivos e não-vivos e verbalizar os atributos criteriais de cada categoria, com independência. Tanto Amanda quanto Danilo foram capazes de realizar a atividade corretamente. Conforme observado quadro 8 e 9.

QUADRO 8

Pesquisadora: Vamos lá, o cavalo é um ser vivo ou não vivo? Danilo: Ser vivo.

Pesquisadora: Então você vai ligar ele onde? Danilo: Aqui (apontando para o círculo)

Pesquisadora: No circulo, muito bem! Então liga. (Danilo faz a ligação)

Pesquisadora: A galinha é um ser vivo ou não vivo? Danilo Ser vivo.

Pesquisadora: Então você vai ligar aonde? Danilo: No círculo.

Pesquisadora: Agora deixa para Amanda. Amanda, a mesa? (Amanda liga a mesa ao quadrado)

Pesquisadora: Ah! Muito bem! E o tênis? (Amanda liga o tênis ao quadrado) Pesquisadora: Isso! E a vaca? (Amanda liga a vaca ao círculo)

De acordo com o quadro 8, Danilo identificou o cavalo e a galinha como seres vivos e Amanda classificou a mesa e o tênis como seres não-vivos e a vaca como ser vivo.

Entretanto, para analisar o curso do desenvolvimento da construção do conceito científico, não basta apenas proporcionar atividades que exijam a identificação e classificação de categorias, sem avaliar quais foram os critérios utilizados como subordinação de vários atributos para formar uma categoria. Já se sabe que as crianças alcançaram um nível de abstração, alto e um pensamento bastante elaborado. Contudo, isso não é suficiente para apreender o modo de funcionamento psicológico. Assim, a atividade em que as crianças teriam que construir um mural dos seres vivos e não-vivos e, posteriormente, explicar sua resposta permitiu à pesquisadora apreender o funcionamento mental dos participantes e analisar as características do pensamento fossilizado, demonstrado no quadro a seguir.

QUADRO 9

Pesquisadora. Vai lá Amanda, me apresente. Aqui é o quê? Amanda: Seres não vivos.

Pesquisadora: Seres não vivos. Por quê?

Amanda sorri timidamente e diz: Porque não mexe.

Pesquisadora: Porque não mexe? Ué, mas a bola se movimenta, não se movimenta? Você não chuta a

bola assim? (Mostra como faz)

Pesquisadora: E aqui? Amanda: Seres vivos

Pesquisadora: Porque seres vivos? Amanda: Porque são pessoas

Pesquisadora: E o que mais? Fala mais sobre o que é um ser vivo. Pesquisadora: Quais as características de um ser vivo?

Amanda: Cresce...

Pesquisadora: Cresce, e o que mais?

Pesquisadora: O que mais que um ser vivo faz? Amanda: Eles morrem

Pesquisadora: Muito bem, Amanda

Pesquisadora: E o ser não vivo? Porque ser não vivo? Amanda: Porque não se movimenta

Pesquisadora: A bola não se movimenta não? Amanda começa a rir

Pesquisadora: Olha... Está movimentando ou não está? (Mostra uma bola rolando para Amanda) Pesquisadora: Então ela é um ser não vivo não porque ela não movimenta. É Porquê?

Pesquisadora: Hein Danilo, olha aqui.

Pesquisadora: Essa bola, ela vai crescer? Ela vai morrer? Danilo e Amanda respondem que não.

Pesquisadora: Então ela é o quê? Amanda: Ser não vivo.

Pesquisadora: Por quê?

Pesquisadora: Porque, Danilo, que a bola é um ser não vivo? Pesquisadora: E o celular? Porque é um ser não vivo? Amanda: Porque não cresce, não morre.

Na construção do mural, perguntou-se a Amanda o que era ser vivo, ela verbalizou os atributos criteriais do ciclo vital. Em relação à categoria dos seres não-vivos apresentou raciocínio transdutivo, ao selecionar o movimento ou sua ausência como atributo criterial do conceito de ser não-vivo. Trata-se de um raciocínio que transita do particular para o particular, tudo que se movimenta teria vida, uma generalização ampla e que não foi relacionada a outras características que lhe dão sentido. Nesse ponto, atuar na ZDP da criança para fossilizar o conceito de seres vivos, implica se envolver com o termo de sua negatividade, sua contradição que é o conceito de ser não-vivo.

Ao término da aula as crianças criaram um conjunto de atributos dos (seres vivos) e os generalizaram, a partir de atributos comuns. Embora as crianças alcançassem o pensamento lógico-abstrato, apresentarem capacidade de automatizar a diferença de seres vivos e não- vivos, apresentaram certa rigidez na desfossilização por não conseguirem flexibilizar o raciocínio para enunciar o conceito de seres não-vivos, a princípio, a característica que logo foi superada, conforme se verá, a seguir.

2.1.5 – A necessidade da desfossilização

De acordo com Gallimore e Tharp (2002), uma vez que ocorre a fossilização da aprendizagem, o sujeito precisa flexibilizar o pensamento para oportunizar uma nova aprendizagem, portanto, desfossilizar. A desfossilização é alvo de ação pedagógica trabalhada quando o professor introduz um novo conceito que é supra-ordenado ao anterior. Entretanto, concebe-se, diferentemente dos outros autores, tais processos, como dialeticamente imbricados, possíveis de serem constituídos simultaneamente. Ao ser apresentado o conceito de ser vivo em oposição ao não-vivo, ao mesmo tempo em que a criança realiza a fossilização, também opera com a desfossilização. Assim, o modo de funcionamento pode ser flexibilizado, solicitando a criança mais plasticidade, quando se conceituam algo numa relação de diferença e contradição com seu oposto, conforme o quadro 10.

QUADRO 10

Pesquisadora: Vamos pegar a caneta... Quem vai brincar com a gente agora é a tia Roberta. Tá bom?

Olhem para a Roberta. A Roberta é um ser vivo ou um ser não-vivo?

Danilo: Ser vivo Amanda: Ser vivo

Pesquisadora: Ser vivo! Muito bem! Vocês são espertos heim. Porque que a Roberta é um ser vivo? Danilo: Porque ela tem mãe

Danilo: Porque ela cresce

Pesquisadora: Ela cresce... Quê mais? Danilo: Depois pode ter filho

Pesquisadora: E o ser não vivo? Pq ser não vivo?

Amanda: Pq não se movimenta

Pesquisadora: A bola não se movimenta não?

Amanda começa a rir

Pesquisadora: Olha... Está movimentando ou não está? (Mostra uma bola pra Ana) Pesquisadora: Então ela é um ser não vivo não porque ela não movimenta. É Porquê? Pesquisadora: Hein Danilo, olha aqui.

Pesquisadora: Essa bola, ela vai crescer? Ela vai morrer?

Danilo e Amanda respondem que não.

Pesquisadora: Então ela é o quê?

Amanda: Ser não vivo.

Pesquisadora: Por quê?

Pesquisadora: Pq Daniel, que a bola é um ser não vivo? Pesquisadora: E o celular? Pq é um ser não vivo?

Amanda: Porque não cresce, não morre.

Pesquisadora: Muito bem, Ana.

Foram apresentadas às crianças uma caneta e uma pessoa, para identificarem suas respectivas classificações. Observou-se que os participantes apontaram a “Roberta” como ser vivo e apresentaram alguns atributos criteriais, tais como: cresce e poder ter filho, ou seja, apresenta capacidade de reprodução, reiterando que o conceito já estava fossilizado. Já na internalização do conceito de seres não-vivos, as crianças apresentaram mais dificuldade necessitando de auxílio. Ao pedir que conceituassem o ser não-vivo, relacionaram o conceito a algo que não se movimenta. Foi necessário modificar o pensamento de Danilo, com um contra exemplo, de modo a ressaltar que o movimento é um atributo não criterial de ser vivo e que pode, portanto, estar presente em seres não vivos. Após essa intervenção foi perguntando para as crianças porque o celular era não-vivo e Amanda conseguiu identificar os atributos da categoria. Assim, desfossilizam o conceito de seres vivos para apreender seres não-vivos, e ao flexibilizarem o pensamento estavam prontos, para constituir os conceitos subordenados: a categoria de animais vertebrados e invertebrados.

2.2 – Aula 2: Animais vertebrados e invertebrados

Ao começar a aula primeiramente realizou-se uma revisão junto aos alunos dos conceitos já aprendidos na aula anterior. Foram apresentadas figuras de seres vivos e não- vivos, para que eles pudessem nomear, classificar e justificar a sua resposta. As crianças comprovaram que podiam classificá-los em oposição, sem dificuldade

2.2.1 – Etapa de exploração do conhecimento real das crianças

Após a revisão, utilizou-se como recurso didático a música “O Pato” de Vinícius de Morais, para realizar a exploração dos conceitos cotidianos de animais vertebrados e invertebrados. Após a análise da música com as crianças, foram exploradas as características do animal, tais como: quantas patas têm o pato? O seu corpo é coberto de quê? Onde o pato

vive? E, a seguir, a pergunta crítica para iniciar a sistematização do ensino: vocês sabem como o pato faz para ficar em pé? Vocês sabem como nós fazemos para ficar em pé? Enquanto as

perguntas eram direcionadas às características do animal, as crianças demonstraram conhecimento, mas, nessas duas últimas questões, ficaram pensativos e não emitiram quaisquer respostas. Esta atividade teve como objetivo identificar o nível desenvolvimento real dos participantes, e revelou que não conheciam a importância do esqueleto para sustentação dos seres vivos e tampouco conceituavam vertebrados invertebrados.

Ao analisar o nível de desenvolvimento real, intenta-se preparar as crianças para novas situações de aprendizagem, favorecendo a identificação e o desenvolvimento das funções que se encontram em estado embrionário, portanto, atuar na Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP.

Esse processo de aprendizagem é o mesmo tanto para as crianças normais quanto para aquelas que apresentam algum comprometimento intelectual. A lei genética da apropriação do conhecimento é a mesma para os deficientes intelectuais, porque a construção da aprendizagem percorre o caminho da transposição do interpsicológico para o intrapsicológico. Para que isso ocorra é importante que o sujeito apreenda os conhecimentos da cultura da qual faz parte, transformando-os em processos interiorizados.

2.2.2 – Apresentação do conteúdo de animais vertebrados e invertebrados

O objetivo da aula foi mediar a internalização dos conceitos de animais vertebrados e invertebrados. Para isso, foi utilizado uma técnica, na qual, partes do corpo dos participantes que tinham osso eram massageadas, predominantemente a coluna vertebral. Na medida que prosseguiam o toque em si mesmo e no outro, ocorria a apresentação formal do conteúdo, conforme o quadro a seguir:

QUADRO 11

Pesquisadora: Vocês sabem por que a gente fica em pé?

Participantes: ficam calados

Pesquisadora: Fiquem de pé

Participantes: Todos se levantam

Pesquisadora: Nas nossas costas tem esses ossinhos, um debaixo do outro. “Ta” sentindo Amanda? Vai baixando a sua mão, como estou fazendo com você, pegando em todos os ossos de Danilo. Vocês sabem como se chama essa parte do nosso corpo?

Participantes: continuam calados, prestando atenção na atividade