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Aprendizagem e comportamento fossilizado : a compreensão da constituição de conceitos científicos na deficiência intelectual

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Academic year: 2017

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ANDRÉA DIAS GARZESI SOUZA

APRENDIZAGEM E COMPORTAMENTO FOSSILIZADO:

A COMPREENSÃO DA CONSTITUIÇÃO DE

CONCEITOS NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Dissertação apresentada ao Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do título de mestre.

Orientadora: Drª Tânia Maria de Freitas Rossi

Co-orientadora: Drª. Sandra Francesca Conte de Almeida

APRENDIZAGEM E COMPORTAMENTO

FOSSILIZADO: A COMPREENSÃO DA

CONSTITUIÇÃO DE CONCEITOS NA DEFICIÊNCIA

INTELECTUAL.

Autora: Andréa Dias Garzesi Souza

Orientadora: Drª. Tânia Maria de Freitas Rossi

Co-orientadora: Drª. Sandra Francesca Conte de Almeida

Mestrado

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ANDRÉA DIAS GARZESI SOUZA

APRENDIZAGEM E COMPORTAMENTO FOSSILIZADO: A COMPREENSÃO DA CONSTITUIÇÃO DE CONCEITOS NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Drª. Tânia Maria de Freitas Rossi.

Co-orientadora: Drª. Sandra Francesca Conte de Almeida

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Dissertação de autoria Andréa Dias Garzesi Souza, intitulada “Aprendizagem e

comportamento fossilizado: a compreensão da constituição de conceitos na deficiência

intelectual”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 31 de março de 2009, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada.

________________________________________________________________ Orientadora: Profª. Drª.Tânia Maria De Freitas Rossi

Universidade Católica de Brasília

________________________________________________________________ Co-orientadora: Profª. Drª. Sandra Francesca Conte de Almeida

Universidade Católica de Brasília

________________________________________________________________ Profª. Drª. Ana da Costa Polônia

Universidade de Brasília

________________________________________________________________ Profª. Drª. Divaneide Lira Lima Paixão

Universidade de Brasília

________________________________________________________________ Profª. Drª. Nara Liana Pereira Silva

IESB

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Deus por colocar em meu caminho pessoas tão abençoadas e sublimes, dentre elas: meu pai, minha mãe, irmãos, marido e meu filho, as quais foram presentes, motivadores, acompanhando-me nesse percurso pela busca de uma atuação profissional comprometida com uma postura ética. Além dessas pessoas de minha família, também agradeço a Deus por ter me oportunizado conhecer a professora Tânia Rossi e Sandra Francesca por confiarem a mim, um tema tão complexo, mas prazeroso de ser investigado.

“Somos o intervalo entre oque desejo ser e os outros me fizeram”

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AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, por ter me ensinado-me a persistir diante das dificuldades da vida, sempre com muita humildade e perseverança, fazendo-me acreditar que tudo posso quando tenho coragem

de lutar pelos meus objetivos.

À minha mãe, por ter ensinado-me a valorizar a vida e aprender a respeitar as diferenças das pessoas, acreditando em suas potencialidade, e principalmente, que com fé em Deus, qualquer

barreira é transposta.

Ao meu querido marido, e fiel amigo, pelo carinho, compreensão, amor, por sempre me apoiar em meus ideais, e por acreditar em mim, em momentos que nem eu mesmo acreditava.

Ao meu anjo que Deus trouxe para iluminar minha vida e torná-la mais colorida, Flavinho, ensinando-me a cada dia e viver e ser feliz hoje, o amanhã pode ser tarde para demonstrar

amor.

Aos meus três irmãos que tanto admiro pela personalidade forte, carinhoso e bondoso com os outros, independentes de quem sejam.

À professora Tânia Rossi, pela oportunidade de compor um grupo de pesquisa no mestrado, pelo exemplo de inteligência, competência, e por ter me ajudado a construir um trabalho

acadêmico com tanta relevância teórico-metodológica.

À professora Sandra Francesca pelas contribuições teóricas, carinho, e palavras acolhedoras que sempre teve durante todo o curso.

À Iêdes, amiga, que espalha humor, felicidade, ensinou-me a olhar para coisas com esperança e de esperar o melhor e não o pior.

À Dona Lourdes pela compreensão e carinho.

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RESUMO

O objetivo da pesquisa foi investigar o comportamento fossilizado de crianças com deficiência intelectual no processo de constituição dos conceitos científicos. A pesquisa ocorreu em uma escola da Secretária de Educação do Distrito Federal que oferece atendimento aos alunos com deficiência intelectual. Participaram da pesquisa 02 crianças, na faixa etária entre 12 e 14 anos, regularmente matriculadas em uma turma de educação especial, direcionada ao atendimento específico da deficiência intelectual. Os dados foram coletados durante aulas ministradas para constituição dos conceitos relativos aos seres vivos e não-vivos e vertebrados e invertebrados. Especial destaque foi dado aos vertebrados, trabalhou-se, os conceitos de mamíferos, peixes e aves. Esta escolha decorreu da proximidade desses animais com o cotidiano das crianças e por integrarem o currículo escolar. Foram utilizados as técnicas de observação participante, o método de classificação do quarto excluído e o método de definição de conceitos (Luria, 1990). Durante a aplicação do quarto excluído e do método de definição, utilizou-se dois roteiros, um para registro dos conceitos cotidianos e outro para registro do desenvolvimento dos conceitos científicos em fase de constituição. Os dados foram alvo de análise microgenética com o objetivo de acompanhar o percurso do desenvolvimento dos conceitos científicos. Os resultados evidenciaram uma modificação no modo de funcionamento das crianças com deficiência intelectual, ampliando níveis de abstração e generalização; percebeu-se que o sujeito pode fossilizar um conceito desde uma outra perspectiva, daquela proposta por Gallimore e Tharp: automatizando não os atributos criteriais distintos da categoria, mas outros enlaces reais-imediatos e persistir nesse funcionamento, e que o processo de fossiliza e defossilização são dialeticamente imbricados, possíveis de serem constituídos simultaneamente.

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SUMÁRIO

1 - Introdução

2 – Objetivos da pesquisa 3 – Referencial teórico

3.1 - Compreensão da Deficiência Intelectual

3.2 - Um Olhar Histórico-Cultural para a Deficiência Intelectual 3.3 - Internalização das Funções Psicológicas Superiores

3.4 - Mediação semiótica

3.5 - Constituição de conceitos científicos 3.6 -Conceito espontâneo e conceito científico

3.7 - A Zona de desenvolvimento proximal de Vigotski e seus desdobramentos pedagógicos

3.8 - A tentativa de compreender o comportamento fossilizado 4 – Delineamento metodológico

4.1 - Considerações sobre o método de estudo 4.2 - Participantes

4.3 - Local

4.4 - Instrumentos 4.5 - Procedimentos

5 - Apresentação e Discussão dos Resultados

5.1 – Primeiro momento: aplicação do quarto excluídos para conceitos cotidianos 5.2 – Segundo momento: Observação participante

5.3 – Terceiro momento: aplicação do quarto excluídos para conceitos científico

6 – Considerações finais 7 - Bibliografia

8 – Anexos

8.1 - Versões das Prachas para Analisar os Conceitos Cotidianos e os Conceitos Científicos 8.2 Roteiro de registro da atividade do quarto excluído e do método de definição – pranchas tipo A

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1 INTRODUÇÃO

Teóricos desenvolvimentistas vêm se debruçando em seus estudos na tentativa de descrever e explicar os processos de interação entre o sujeito e o ambiente, e analisar os fatores que incidem sobre o desenvolvimento durante o ciclo vital. No início do século passado, os debates teóricos acerca do desenvolvimento humano abrangiam um discurso polarizado entre os fatores inatos, adquiridos geneticamente, e os fatores ambientais, de origem social e/ou física para, posteriormente, focalizar a atenção além da dicotomia inato/herdado (Rogoff, 2005; Valsiner, 1987; Werstch, 1998; Vigotsky, 1997; idem, 2003).

As abordagens psicogenéticas acerca do desenvolvimento humano atualmente concordam que o sujeito afeta e é afetado pela dimensão social, ou seja, as manifestações especificamente humanas são constituídas na dinâmica social. Segundo Vigotsky (2001), principal representante da abordagem histórico-cultural, no desenvolvimento humano ocorre uma mudança do próprio tipo de desenvolvimento – do biológico para o social. Nessa perspectiva, a ordem biológica, por si, não constitui o que é especificamente humano. As atividades humanas são construídas ao longo da vida, por intermédio das experiências, e são frutos de aprendizagens mediadas na cultura, o que imprime às relações sociais e à atividade psicológica traços comuns que transcendem suas qualidades particulares (Rossi, 2006a).

O ponto chave da psicologia histórico-cultural consiste em salientar que apenas esses traços comuns não se sustentam por serem próprios de atividades localizadas (Ratner, citado por Rossi, 2006b). Mesmo sendo seres constituídos nas (e pelas) relações sociais, permeadas pela cultura, o desenvolvimento do seres humanos apresenta características diversificadas e particulares. Cada ser humano é único, desenvolve-se em um ambiente singular, moldado por inúmeras gerações de pessoas em luta pela sobrevivência, circundado de artefatos, conhecimentos, crenças e valores, elementos que guiam as interações das pessoas entre si e com o mundo (Rossi, 2006). A cultura é parte do ambiente produzido pelo homem, que a molda e a transmite às gerações que se seguem, principalmente através da linguagem, o que torna o processo de construção do sujeito intimamente ligado ao outro social.

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desenvolvimento considerando a natureza ou a educação isoladas uma da outra; o organismo e seu ambiente se constituem num único processo de vida (Cole, 2003). Ao se pensar a interação de fatores biológicos e ambientais no desenvolvimento humano, não há como derrogar a diversidade humana. Tanto a natureza quanto a dimensão social resultam de um processo histórico, um movimento permanente que produz e modifica os aspectos fisiológicos e psíquicos da atividade humana, entendido como instância de um único processo que os constitui e os relaciona. Assim, o desenvolvimento humano pode ser concebido como o estudo científico das maneiras pelas quais as pessoas se modificam quantitativa e qualitativamente no decorrer do tempo (Papalia, 2000) e em contextos sociais específicos, historicamente determinados, o que determina grande diversidade nos cursos que os processos de desenvolvimento podem seguir, sendo um deles a deficiência mental.

Contrapondo-se aos estudos que analisam os aspectos atípicos, ou seja, que se encontram fora dos padrões previstos no ciclo da vida, centrados no prisma do defeito, da deficiência e da incapacidade do sujeito, Vigotski (1997) acreditava em outra forma de desenvolvimento das crianças com deficiência intelectual, pois a pessoa não é simplesmente menos desenvolvida que as normais da mesma idade, apenas se desenvolve de outro modo.

Sendo assim, a criança “deficiente” apresenta um tipo de desenvolvimento qualitativamente

distinto e peculiar, porém segue as mesmas leis do desenvolvimento humano.

A perspectiva histórico-cultural na deficiência intelectual destaca alguns aspectos que contribuem para entender a dinâmica de seu funcionamento, por compreender que o contexto onde o sujeito está inserido influencia no agravamento da dificuldade ou na superação das limitações e, ainda, que a representação de deficiência é construída no bojo social, a partir do olhar das pessoas e das relações que elas estabelecem com os sujeitos que tenham algum tipo de deficiência. Apesar de Vigotski (1997) aceitar a dimensão orgânica como um dos fatores da deficiência intelectual, ele entende que a mesma não seja preponderante para explicar o quadro. Nessa perspectiva, é necessário entender como esse defeito orgânico é percebido pela sociedade e como essa percepção repercute no processo de desenvolvimento e aprendizagem desses indivíduos.

Sólo es posible el desarrollo de las funciones psíquicas superiores por las vias de su desarrollo cultural, siendo indiferente que este desarrollo siga el curso del dominio de los medios exteriores de la cultura (lenguaje, escritura, aritmética) o la línea del perfeccionamiento interior de las propias funciones psíquicas (elaboración de la atención voluntaria, de la memoria lógica, del pesamiento abstracto, de la formación de conceptos, del libre albedrio, etc). Pero este desarrollo no depende de la insuficiencia orgánica. (VIGOTSKI, 1997, p.187).

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O desenvolvimento humano é tido como fruto de complexas dinâmicas estabelecidas entre o contexto social e o sujeito. A interdependência entre o sujeito e o contexto possibilita o processo de desenvolvimento, por intermédio da internalização dos conteúdos sociais que são compartilhados por uma dada comunidade ou grupo social e apropriados desde a esfera interpsicológica para a intrapsicológica.

Toda as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológicas) e, depois, no interior da criança (intrapsicológico). (VIGOTSKI, 2003, p.64).

Assim, do ponto de vista do desenvolvimento ontogenético, o plano intrasubjetivo de ação é formado pela internalização de capacidades geradas no plano intersubjetivo, plano este que não é o plano do outro, mas das relações do sujeito com o outro. Essa acepção implica processos dialéticos de transformação no lócus simbólico dos conteúdos internalizados, descartando a dimensão de determinação do sujeito pelo outro ou de simples mimese dos conteúdos correntes na dinâmica. (Rossi, 2007).

Conforme assevera Leontiev (citado por Rossi, 2007), o processo de internalização não é a transferência externa para o plano interno preexistente da consciência, mas um processo no qual este plano é formado. A entrada do sujeito no universo simbólico, pela apropriação dos mecanismos internalizados oriundos da produção e elaboração cultural, representa para o bebê a possibilidade de humanização.

Seguindo as orientações de Vigotski (citado por Carvalho & Maciel, 2003) o desenvolvimento biológico das crianças ditas normais está interligado aos fatores de seu desenvolvimento cultural, caracterizando a natureza sociobiológica do sujeito. Entretanto, essa interligação não acontece com as crianças que apresentam deficiência, pois o comprometimento orgânico alavanca dificuldades frente à cultura.

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funcionamento particular, e transcorre da seguinte maneira:

a raiz de un determinado defecto, aparece en el niño una serie de particularidades que obstaculizan el normal desarrollo de la comunicación colectiva, de la colaboración e interacción de ese niño con las personas que lo rodean. El apartamiento de la colectividad o la dificultad del desarrollo social, a su vez, determina el desarrollo incompleto de las funciones psíquicas superiores, las cuales, cuando es normal el curso de las cosas, surgen directamente en relación con el desarrollo de la actividad colectiva del niño. (VIGOTSKI, 1997, p.223).

As insuficiências das funções psicológicas elementares comprometem o campo do raciocínio lógico, do potencial criador, da linguagem e da memória, prejudicando a interação da pessoa nos vários contextos e gerando dificuldades na realização de atividades coletivas e comprometimento do desenvolvimento social. Nesse caso, ocorre uma insuficiência especial no desenvolvimento dos processos de abstração e generalização responsáveis pela constituição de conceitos.

As dificuldades que as crianças com deficiência intelectual apresentam no pensamento abstrato podem persistir ao longo do seu desenvolvimento. Quando crianças da mesma idade já transpuseram formas primitivas e concretas do pensamento, elas permanecem gerindo o raciocínio das crianças com deficiência intelectual. O aspecto concreto do pensamento implica que cada coisa adquire para ela um significado e apresenta uma situação determinada e acabada. Exposta a uma atividade de resolução de problema que demanda abstração e generalização, a criança apresentará menor mobilidade e flexibilidade e maior rigidez mental.

De acordo com Vigotski (1997, p.258), “a abstração exige certa delimitação no que concerne à situação, o que trava por completo a criança retardada”. Em decorrência disso, há uma

acentuada dificuldade de simbolização, ou seja, de substituir fatos concretos por algo que não pertence ao real (Padilha, 2000). O conceito de deficiência intelectual enfatiza essa dimensão. Assim, para a American Association on Mental Retardation (AAMR, 2006), o retardo mental

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desenvolvimento, na qual a deficiência deixa de ser um fenômeno abstrato ou uma condição médica para assumir uma construção social, calcada em crenças, valoração e reações das outras pessoas à própria deficiência (Rossi, 2006b). Nesse aspecto, a criança na qual o desenvolvimento se complicou não é simplesmente uma criança menos desenvolvida, mas uma criança que tem um desenvolvimento peculiar, com ritmo diferente (Vigotsky, 1995)

De fato, a construção social da deficiência (Omote, 1994, citado por Rossi, 2006b) implica um conjunto de expectativas dirigidas à pessoa com deficiência que determinam as relações em um dado grupo social e o conceito de deficiência. No entanto, a tendência ao enfoque eminentemente clínico (Omote, 1994; Mazzotta, 1996, citados por Rossi, 2006b) mantém-se presente no diagnóstico e na educação da criança em função da deficiência intelectual ser considerada como uma coisa e não como um processo. Em conseqüência, o planejamento das formas de atendimento educacional dessas crianças privilegia a tentativa de superação das causas biológicas da deficiência e deixa em segundo plano a avaliação dos efeitos que estão relacionados às causas sociais.

Essa tendência parece desconsiderar que a conduta coletiva das crianças não só ativa e exercita as funções psicológicas próprias como também configura fonte do surgimento de novas formas de conduta, emergentes no desenvolvimento histórico da humanidade e que, na estrutura de personalidade, se apresenta como uma função psicológica superior (Vigotsky, 1995).

Luria & Yudovich (1985) consideram os processos mentais como formações funcionais complexas que são produzidas na concreta interação entre organismo e meio. Os processos mentais são organizados em sistemas dinâmicos, compreendidos como resultados de atividade reflexa e o ambiente escolar configura um locus privilegiado para a promoção dessa organização (Rossi, 2006b). A educação escolar imprime forte impacto na vida da criança por ser um espaço social com papel decisivo no processo do envolvimento da criança, com o contexto, a interpretação e a apropriação dos bens culturais.

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distintivos essenciais de todas as funções superiores, encontram espaço fértil para sua constituição. É na escola que o desenvolvimento psicológico da criança pode alcançar níveis de aperfeiçoamento de determinadas funções e estabelecer mudanças dos vínculos e das relações interfuncionais preconizadas por Luria (1985).

Depreende-se que a presença de um defeito não impede o desenvolvimento do sujeito pois, com a inserção na cultura, surgem processos de compensação ou substituições de funções que ajudarão na constituição das funções psicológicas superiores. Para Vigotski (1997), o indivíduo que traz em si um desenvolvimento complicado por um defeito busca novas formas de se apropriar da cultura, singularizando o seu desenvolvimento. O defeito representa uma limitação, mas não uma incapacidade. Dessa forma, o estudo do funcionamento do deficiente intelectual permite pensar em intervenções pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento das crianças com deficiência.

o milagre da educação social consiste em que ela ensina o deficiente a trabalhar, mudo a falar, o cego a ler, através de um processo absolutamente natural de compensação educativa das deficiências‟ (VIGOTSKI, 2004, p. 381)

A inserção do sujeito na escolarização permitirá o avanço dos processos de aprendizagem que foram iniciados antes de sua entrada na escola, contribuindo para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores que serão necessárias para assimilar os conhecimentos e adquirir novas habilidades. Os professores, por intermédio da Zona de Desenvolvimento Proximal, contribuirão para aprendizagem dos alunos.

A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros capazes (VIGOTSKI, 2003, p.112).

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consolidas; funções essas que, pelo dinamismo, voltar-se-ão para o nível de desenvolvimento real do sujeito.

Na constituição do ser humano, em geral, o desenvolvimento natural e o cultural coincidem e se fundem; na criança com deficiência intelectual, não se observa esse tipo de fusão (Vigotski, 1995), já que o próprio defeito desencadeia a divergência. As atividades de uma cultura são construídas para um biótipo comum. Ao nascer, a criança com deficiência intelectual não encontra em seu meio condutas culturais de atividades que são adequadas à sua atuação, o que dificultará o seu desenvolvimento histórico-cultural. Conseqüentemente, seu desenvolvimento cultural transcorre numa direção distinta da direção do desenvolvimento da criança normal, à semelhança da plasticidade de sua inteligência, ainda que sejam prevalecentes as mesmas leis gerais do processo de internalização. Em função disso, o ritmo da aprendizagem e do desenvolvimento apresenta características de um processo incompleto. A evolução intelectual na deficiência mental configura-se analogamente a uma construção inacabada a demandar investigações acerca desse funcionamento psíquico peculiar. O conceito de fossilização, apenas delineado por Vigotski (1997), pode constituir-se em um operador lógico no entendimento desse funcionamento.

Durante os estudos relacionados à análise dos processos psicológicos superiores, Vigotski (1997) deparou-se com situações onde os processos psicológicos, com o decorrer do tempo, tornaram-se rígidos e mecanizados. Fazendo uma analogia com a paleontologia, esse conjunto de característica foi denominado de fossilização, ou seja, sua aparência externa não teve modificação no transcorrer dos anos, mas sua aparência interna foi modificada e esmaecida. Conseqüentemente, os principais aspectos do comportamento fossilizado referem-se ao automatismo e comportamento mecanizados. Portanto, para estudar o comportamento fossilizado é necessário realizar uma análise genotípica, afinal o interesse é verificar os motivos que levaram o comportamento a ficarem mecanizados.

Segundo Vigotski (2003, p.85),

O estudo das funções rudimentares deve ser o ponto de partida para o desenvolvimento de uma perspectiva histórica nos experimentos psicológicos. È aqui que o passado e o presente se fundem e o presente é visto à luz da história; aquele que é e aquele que foi. A forma fossilizada é o final de uma linha que une o presente ao passado, os estágios superiores do desenvolvimento aos estágios primários.

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características polissêmicas e, dependendo da área que estão sendo empregados, apresentarão definições e entendimentos distintos. O levantamento de pesquisas sobre fossilização mostra uma tendência que orienta as investigações e diz respeito ao processo de automatização de comportamentos e seu uso não deliberado em situações-problema. Yokota (2001), por exemplo, estudou as especificidades da aquisição-aprendizagem da língua espanhola por falantes do português brasileiro. Para o autor, erros fossilizados surgem no sistema lingüístico não-nativo em situações de cansaço, em momentos de ansiedade e em situações de relaxamento. Silva (2004), investigando a fossilização dos erros e desvios no uso de uma língua estrangeira, encontrou que esses são fenômenos característicos que se manifestam em pessoas que estudam línguas, especialmente na infância, sem ter contato com falantes nativos.

Lerch (2000) pesquisou as dificuldades que os estudantes adultos enfrentaram na disciplina de álgebra no curso de matemática. Muitos desses alunos eram repetentes nessa matéria devido à dificuldade que advém da educação básica. O maior interesse da autora em realizar essa pesquisa foi o de que os estudantes cometiam os mesmos erros repetidamente. O que foi percebido nesse grupo é que os estudantes aprenderam a multiplicação e operações exponenciais, mas não sabiam aplicar os processos de multiplicação e de operações exponenciais nas situações problemas. Os estudantes podem ter aprendido o conceito de algoritmos nas séries anteriores, entretanto não compreenderam como ou por que usar esses processos.

A autora indica a existência da fossilização em contextos diferentes, tais como o acadêmico, o sociocultural e o histórico (Albert, Bilics, Lerch & Weaver, 1999, citados por Lerch, 2000). A fossilização sociocultural ocorre em conseqüência da aprendizagem no plano interpessoal: o conhecimento é adquirido sem que se esteja ciente das conexões existentes. Um exemplo do comportamento fossilizado no contexto sociocultural é o desenvolvimento de uma cultura que se refira ao conjunto de normas e regras que regem uma sociedade.

Para Lerch (2000), fossilização acadêmica refere-se às conexões de habilidades e conceitos que foram apreendidos no passado, porém perdidos ao longo do tempo. Os estudantes apresentam restos de habilidades e de conceitos desconectados que são usados incorretamente.

Uma vez identificada a área da fossilização, é possível realizar o processo da desfossilização. Segundo Lerch (2000), unfossilization significa quebrar conexões velhas e liberar o sujeito para uma nova aprendizagem. Trata-se de re-conectar o conhecimento velho e elaborar o conhecimento que faz sentido para o sujeito.

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o sujeito passa a resolver situações-problema sem precisar de ajuda assistida. Os autores analisaram a zona de desenvolvimento proximal definindo estágios genéticos no processo. Entendiam que o processo de aprendizagem e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores têm um dinamismo dialético no qual qualquer desempenho dependerá do relacionamento entre a auto-regulação e a regulação social. No decorrer do tempo, o sujeito gradualmente necessita de menos assistência para executar suas atividades e começa a aumentar sua capacidade de auto-regulação. Na ZDP, ocorre a passagem “do desempenho

assistido ao desempenho não assistido e auto-regulado, o que se processa gradualmente.” (Gallimore; Tharp, 2002, p. 179)

O estágio I refere-se às atividades que as crianças pode operar com auxilio de outras pessoas mais capacitadas. Esse auxílio objetiva promover o desenvolvimento para que, mais tarde, o sujeito tenha condições de agir com independência. Quando é apresentando um estímulo novo ao sujeito, para que ele possa manifestar alguma ação direcionada, este mostrará limitações e necessitará da ajuda de professores, colegas ou pais, para concluir as atividades.

No estágio II, a criança desempenha as tarefas sem assistência externa, porém seu desempenho não está totalmente interiorizado, permanecendo contaminado pelo discurso e pelos modos de funcionamento dos adultos, ainda que utilize a autodireção. Nesse estágio e no primeiro, o sujeito ainda encontra-se imerso na zona de desenvolvimento proximal.

No estágio III, a assistência do adulto e a auto-assistência já não são mais necessárias. Há a interiorização e automatização do conhecimento, o que possibilita melhor performance e o alcance dos objetivos.

O último estágio se caracteriza pela busca da desautomatização do desempenho, o que permite a entrada em uma zona de desenvolvimento proximal, tornando cíclico o caminhar pelos estágios, o que pode resultar na construção da aprendizagem de forma dinâmica e interativa.

Para Gallimore e Tharp (2002), o objetivo em analisar a ZDP foi o de tentar

demonstrar o progresso do ensino, que é caracterizado pelo caminho do “desempenho

assistido a auto-regulação para novamente sair da zona de desenvolvimento proximal por

meio de uma nova automatização” (p.182)

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259), ao tratar do funcionamento do deficiente intelectual, afirma que “na presença de uma

diferenciação insuficiente da personalidade, o mundo das percepções e vivências resulta ser

na criança retardada, também muito mais uniforme, inerte e fossilizado”.

Na deficiência intelectual, há dois problemas centrais: o primeiro diz respeito a internalização de um dado conteúdo a ponto de tornar-se fossilizado; o segundo refere-se ao processo de desfossilização, que assegura a continuidade do processo de desenvolvimento. Cabe, então, perguntar: como crianças com deficiência intelectual realizam o processo de fossilização? Elas apresentam peculiaridades quanto ao reverso, ou seja, a desfossilização?

É sabido que tanto para a criança considerada “normal” quanto para a criança com

deficiência intelectual, as características das funções psicológicas superiores são alteradas significativamente com a formação de conceitos, pois o conceito, em termos psicológicos, em qualquer nível do seu desenvolvimento, é um ato de generalização. O desenvolvimento dos conceitos coincide com o desenvolvimento dos significados das palavras e requer atenção arbitrária, memória lógica, abstração, comparação e discriminação dos próprios processos intelectuais que lhe servem de base, além de incluir reflexões mais complexas entre a aprendizagem e a atividade da criança (Vigotsky, 2001). Durante a dinâmica de constituição de conceito, é possível estudar, portanto, o processo de fossilização.

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2 OBJETIVOS

1 Objetivo geral

Investigar o modo de funcionamento psicológico de crianças com deficiência intelectual ao longo da constituição de conceitos científicos em sala de aula, para analisar como se realizam os processos de fossilização e desfossilização nessa dinâmica.

2 Objetivos específicos

- Observar as crianças em processo de constituição dos conceitos de mamífero, ave e peixe em sala de aula.

- Verificar se o curso do desenvolvimento segue os tópicos propostos por Gallmore e Tharp;

- Identificar e analisar o comportamento fossilizado, verificando os níveis de abrangência da generalização e abstração ao longo da constituição do conceito científico;

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3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 Compreensão da deficiência intelectual

A abrangência de estudos acerca dos processos mentais de aquisição do conhecimento nos fornece os subsídios fundamentais e necessários para a nossa pesquisa, pois somente a partir da compreensão da deficiência intelectual poderemos estabelecer investigações sobre a aquisição do conhecimento por parte da criança com essa característica.

A American Association on Mental Retardation (AAMR) tem focalizado, ao longo dos anos, sua atenção no campo do retardo mental. Seus estudos circunscrevem-se na definição, classificação, etiologias, diagnóstico e intervenções no retardo mental. A mais nova edição da AAMR, o sistema de 2002, apresenta o paradigma de funcionalidade e a visão multidimensional. Essa visão analisa a pessoa em sua totalidade: habilidades intelectuais, comportamentos adaptativos, saúde física e mental e as interações que ela estabelece com os

outros. De acordo com AAMR (2006, p.209), o sistema de 2002 “está concentrado no indivíduo, suas potencialidade, suas limitações, seus ambientes, suas necessidades”.

Para culminar nessa nova perspectiva, a AAMR, juntamente com outros pesquisadores e colaboradores, construíram uma luta em prol do melhor entendimento do retardo mental. A primeira publicação da AAMR ocorreu em 1921 e, posteriormente, nove edições foram publicadas, sempre com o objetivo de introduzir mudanças significativas que pudessem esclarecer o quadro mencionado. No transcorrer dessas publicações, o retardo mental foi compreendido com diferentes leituras, desde uma base mais organicista até uma visão mais ecológica.

Em 1908, Tredgold (citado pela AAMR, 2006, p.29) pontua que o retardo mental “é

um estado de deficiência mental cerebral incompleto, em conseqüência do qual a pessoa

afetada é incapaz de realizar os seus deveres”. Percebe-se que a definição apresentada pelo autor estava permeada por uma visão organicista pois, devido a uma insuficiência orgânica, a pessoa fica impedida de executar com sucesso as suas tarefas diárias como indivíduo participante e ativo em sua comunidade.

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um estado de incompetência social obtido na maturidade, resultante de uma parada no desenvolvimento de origem hereditária ou adquirida; a condição é essencialmente incurável através de tratamento e irremediável através do treinamento. (DOLL, 1941, p. 215).

Diferente de Tredgold, Doll não faz uma alusão ao desenvolvimento cerebral incompleto, mas ainda persevera a ênfase na limitação e na concepção biologizante. Em contrapartida às idéias desses autores, Heber (1961) substitui a concepção de retardo mental por uma que preconiza a visão de funcionamento global. Assim, segundo Heber (1961, p. 66),

“o retardo mental refere-se a um funcionamento intelectual geral abaixo da média que se origina durante o período do desenvolvimento e está associado com deficiência no comportamento adaptativo”. Quase três décadas depois, essa mesma concepção continua e, de

acordo com Luckasson et al (1992, p.19), “o retardo mental é mais uma definição do

funcionamento presente do que de um estado permanente, e o funcionamento tipicamente varia durante a vida de uma pessoa”.

Por mais de 65 anos, a visão organicista do retardo mental foi assumida e teve implicação na prática pedagógica, gerando ações dos profissionais envolvidos no processo de escolarização permeadas por uma visão que trabalha o defeito e o limite do indivíduo. Tal comportamento estigmatiza o sujeito e o insere em um limiar inferior de aprendizagem e desenvolvimento.

Já a AAMR, em sua décima edição de seu manual sobre o retardo mental, publicada em 2002, buscou romper com o estigma que avalia apenas as limitações e propõe uma ressignificação para a definição do retardo mental:

Retardo mental é uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, está expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Essa incapacidade tem início antes dos 18 anos de idade. (p. 29)

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significativas na capacidade de funcionamento cognitivo, bem como em sua oportunidade de funcionamento.

O funcionamento intelectual diz respeito ao desenvolvimento e uso de capacidades que indiquem o pensamento abstrato, o raciocínio, o potencial criador, o planejamento e a resolução de situações-problemas. A pessoa com deficiência intelectual apresenta limitações nessas funções psicológicas superiores, bem como em seu conjunto de habilidades conceituais, sociais e práticas.

A definição de retardo mental inclui três critérios marcantes em seu arcabouço: o primeiro refere-se à limitação no funcionamento intelectual; o segundo, ao comprometimento no comportamento adaptativo e o terceiro, à sua aparição no período desenvolvimental e apresenta alguns pressupostos que ajudam a compreender a definição apresentada. São elas:

– as limitações no funcionamento atual devem ser consideradas dentro do contexto dos ambientes da comunidade característicos das pessoas da faixa etária e da mesma cultura do indivíduo;

– a avaliação válida considera a diversidade cultural e lingüística, e também as diferenças na comunicação, nos fatores sensoriais, motores e comportamentais;

– cada indivíduo, as limitações freqüentemente coexistem com as potencialidades;

– um propósito importante ao descrever as limitações é o de desenvolver um perfil aos apoios necessários;

– com os apoios personalizados apropriados durante um determinado período de tempo, o funcionamento da vida com retardo mental em geral melhora.

Dessa forma, o funcionamento da pessoa deve ser compreendido dentro do contexto social em que ela convive, considerando todos os padrões culturais que permeiam o sujeito, tais como linguagem, comunicação, costumes e limitações físicas, o que rompe com a visão reducionista anterior e considera o sujeito possuidor de um funcionamento complexo no qual potencialidades também estão presentes.

Vale ressaltar que, mesmo após tantas mudanças significativas, no sistema de 2002 permaneceu o uso da expressão retardo mental, a despeito dessa terminologia estar sendo discutida desde a década passada.

A Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu um Simpósio intitulado

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Montreal (o Brasil foi um dos países que participaram) o simpósio que culminou com a

construção de um documento, chamado “Declaração de Montreal sobre a Deficiência Intelectual”.

O evento teve a participação de especialistas das mais diversas áreas, representantes dos Estados, de famílias de pessoas com funcionamento intelectual prejudicado. A conferência de Montreal declarou que:

a) assim como os demais sujeitos, a pessoa que apresenta uma incapacidade intelectual tem os mesmos direitos; b) a incapacidade intelectual, assim como as outras características humanas é uma dimensão da diversidade humana; c) Os estados têm o dever de zelar pelas pessoas com deficiência intelectual, assegurando seus direitos políticos, civis, sociais, econômicos e culturais; d) Favorecer um contexto de inclusão social, com acesso a educação, saúde e oportunidade de emprego; e) O direito não si restringe apenas a igualdade de oportunidades, mas ações apropriadas, através de acomodações e serviços de apoios, baseados nas necessidades das pessoas; f) direito a tomada de decisões que objetivam a melhoria do seu desenvolvimento intelectual. (Declaração de Montreal, 2004).

Essas concepções, calcadas em um modelo igualitário e ecológico, também estão presentes no atual modelo do sistema de 2002, apresentado pela AAMR (2006), no qual serviram como base para as discussões referentes ao modelo de apoio que deve ser igualitário e independente de questões sociais, políticas e econômicas. As discussões em Montreal favoreceram a mudança da nomenclatura da AAMR para Associação Americana de Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento (AAIDD)

O modelo teórico do qual a AAMR deriva sua compreensão de deficiência intelectual permite analisar a relação entre o funcionamento da pessoa com as cinco dimensões (habilidades intelectuais; comportamento adaptativo – habilidades conceituais, sociais e práticas; participação, interações e papéis sociais; saúde – física e mental e o contexto) que abrangem a visão multidimensional do quadro.

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macrossistema representa as influências sociopolíticas e o padrão de características da cultura. E o cronossistema está relacionado ao contexto de desenvolvimento da pessoa, e representa o núcleo do tempo, que compreende as mudanças e transformações históricas da vida do sujeito, abrangendo desde acontecimentos históricos (copa do mundo, Declaração de Montreal) até episódios da vida cotidiana da pessoa. Logo, a pessoa que tem a condição do retardo mental é compreendida inserida em um contexto no qual qualquer análise e intervenção precisam considerar os aspectos do funcionamento do sujeito e sua relação com o

social. A AAMR (2006, p.26) pontua que a “avaliação do contexto é um componente

necessário do julgamento clínico e essencial para compreender o funcionamento do

indivíduo”.

Calcadas nesses pressupostos, estão às cinco dimensões da deficiência intelectual. A primeira refere-se às habilidades intelectuais. A inteligência é compreendida como uma capacidade cognitiva, incluindo a resolução de problemas, raciocínio, potencial criador, pensamento abstrato, e aprendizagem a partir de trocas de experiência. (AAMR, 2006). A capacidade mental não se restringe apenas a uma habilidade acadêmica mas, em um sentido mais amplo, pretende explicar, sistematizar e analisar os motivos pelos quais a pessoa apresenta diferenças em suas habilidades para compreender as idéias mais complexas e as potencialidades intelectuais de adaptação ao seu contexto, além de aprender através de trocas de experiência, o que implica em diferentes formas e pensamento e transposição das dificuldades através do pensamento e da comunicação (AAMR, 2006).

A segunda dimensão trata do comportamento adaptativo (habilidades conceituais, sociais e práticas) e refere-se ao conjunto de habilidades conceituais, constituído pelas características acadêmicas, cognitivas e de linguagem. Segundo Carvalho e Maciel (2003, p. 4), em corroboração com a AAMR (2006), são exemplos de habilidades conceituais a

“linguagem receptiva e expressiva; a leitura e escrita; os conceitos relacionados ao exercício

da cidadania”. Outra área do comportamento adaptativo são as habilidades sociais,

caracterizadas pela competência social como, por exemplo, a capacidade interpessoal, a auto-estima, a credibilidade (possibilidade de ser manipulado ou enganado) e a possibilidade de seguir regras e obedecer as leis e evitar a vitimização. E, por fim, as habilidades práticas analisadas pelo exercício da autonomia, observadas através das atividades cotidianas (comer, tomar banho, vestir-se, preparar as refeições, entre outras).

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quanto as limitações devem ser compreendidas inseridas em um contexto, relacionadas a necessidades de apoios personalizados.

A terceira dimensão diz respeito à participação, interações e papéis sociais, e expõe a necessidade da participação e interação da pessoa na vida comunitária, seja na escola, na igreja, nos serviços e em demais locais que possibilitem o desenvolvimento da pessoa. (Carvalho e Maciel, 2003).

O movimento igualitário defendido por vários especialistas pelo mundo, como no evento de Montreal, promove os direitos civis e mais oportunidades para os sujeitos com deficiência intelectual, para que possam ter mais condições de participação na vida de forma geral, possibilitando a sua inclusão em papéis sociais e o reconhecimento nas suas interações sociais. Segundo Rogoff (2005), a participação do sujeito nas atividades da comunidade permite que as crianças desenvolvam sentimentos de autonomia e autoconfiança.

A quarta dimensão refere-se à preocupação em avaliar a saúde (física e mental). A OMS (1993) esclarece que saúde é um bem estar de saúde física, mental e social. As condições da saúde física podem interferir a saúde mental e vice-versa. Assim, a AAMR (2006) pontua que, para os sujeitos que apresentam a condição da deficiência intelectual, as conseqüências do efeito tanto da saúde física quanto emocional sobre o funcionamento cognitivo podem variar desde os efeitos que contribuam para o desenvolvimento e aprendizagem até aqueles que inibam.

Quando o sujeito apresenta uma boa saúde, pode aproveitar e participar amplamente das interações sociais, muito embora nem sempre isso ocorra, pois algumas pessoas podem apresentar diversas complicações de saúde, dificultando suas atividades e participações sociais.

A última dimensão é nomeada de contexto (ambientes e cultura). O contexto descreve os aspectos relacionados a situações e locais em que as pessoas convivem, como já assinalado anteriormente no modelo ecológico, considerando os níveis propostos por Bronffenbrenner (1996). Esses vários níveis são importantes para compreender o que as pessoas fazem, em que lugar o fazem, quando e com quem fazem (AAMR, 2006).

As cinco dimensões apresentadas permitem avaliar a deficiência intelectual não apenas diante do foco de seu quociente de inteligência, mas também na análise das demais dimensões que fazem parte da constituição do sujeito. Nessa perspectiva, a deficiência intelectual não é

um “atributo da pessoa, mas um estado particular de funcionamento” (Carvalho e Maciel,

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serviços de apoio individualizados. A leitura ampla e eficaz do modelo multidimensional e da abordagem ecológica requer uma reflexão da pessoa em interação com o seu contexto e as conseqüências dessa interação contribuem para a participação do sujeito na escola e na comunidade, promovendo o bem-estar e buscando uma melhoria da qualidade de vida.

A abordagem multidimensional também se estende na busca pela compreensão das etiologias que rodeiam a condição da deficiência intelectual. A natureza multifatorial da etiologia circunscreve-se, principalmente, em quatro fatores: o biomédico, que são os fatores relacionados aos aspectos biológicos; os sociais, caracterizados pelos fatores relacionados à interação familiar e social; os comportamentais, relacionados ao comportamento que apresenta atividades perigosas, como abuso materno de substância; e os educacionais, relacionados aos fatores que oportunizam intervenções e apoios educacionais que favorecem o desenvolvimento mental e as habilidades adaptativas (AAMR, 2006).

O modelo da AAMR de 2002 não apenas preocupa-se em descrever e analisar a natureza multifatorial da etiologia da deficiência intelectual, mas também busca refletir diante do papel da prevenção para construir um novo modelo entre etiologia, prevenção e apoio.

Segundo a AAMR (2006, p.142), apoios são “recursos e estratégias que visam a

promover o desenvolvimento, a educação, os interesses e o bem-estar de uma pessoa, e que

melhoram o funcionamento individual”. O sistema de apoio baseia-se nas seguintes premissas: o funcionamento da pessoa é conseqüência dos resultados das interações dos apoios com as cinco dimensões apresentadas anteriormente; o objetivo primordial do sistema de apoio é proporcionar melhoria nos relacionamentos da pessoa, através de intervenções que promovam a independência, oportunidade de relacionamentos e participação na comunidade e contribuir para a saúde física, emocional e social do sujeito.

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Fig. 1. Modelo de sistema de apoio para pessoa com deficiência intelectual (AAMR, 2006, p.143).

Baseia-se no modelo ecológico para entender o comportamento das habilidades e competências relacionadas às habilidades adaptativas necessárias para interação do sujeito e sua participação no contexto. Acredita-se na possibilidade de reduzir os efeitos causados pela deficiência intelectual, favorecendo intervenções que se concentrem nos serviços de apoios e

Capacidade pessoal e Habilidades adaptativas

Fatores de proteção e de risco

Participação na vida ambientes (exigência e demandas)

Área de Apoio

Desenvolvimento humano; saúde e segurança; ensino e educação; comportamento; vida familiar; socialização; vida comunitária; proteção e defesa; emprego.

Funções de Apoio

Ensino; apoio comportamental; ajuda, favorecimento; assistência na vida familiar; planejamento financeiro; acesso e uso dos bens comunitários; assistência no emprego; assistência à saúde.

Resultados Pessoais

- Independência - Relacionamentos - Cooperação;

- Participação escolar e comunitária - Bem-estar pessoal

Intensidade do apoio Necessário

Intensidade do apoio necessário

Fontes de apoio

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de prevenção dos comportamentos adaptativos. Segundo Mantoan (1998, p. 1), o sistema de apoio

começa a levar em conta não apenas os tipos de a intensidade de tais apoios, mas os meios pelos quais a pessoa pode aumentar sua independência, produtividade e integração no contexto comunitário e entre seus pares da mesma idade.

De maneira sistematizada, autores vêm discutindo a importância do serviço de apoio. De acordo com Fonseca (1995),

Educacionalmente e socialmente, cabe ao adulto a criação de um envolvimento estimulador adequado, que permita a edificação do desenvolvimento psicobiológico harmonioso caracterizado por suporte afetivo, condições de desenvolvimento emocional, lúdico e motor, facilidades de exploração do meio físico e social, relação e interação consistente entre o adulto e a criança para a maturação da linguagem e para a apropriação das aquisições de socialização. (p.48)

Cabe, portanto, aos profissionais identificar os tipos de apoios que são necessários, a intensidade e o papel das pessoas que são responsáveis em possibilitar o apoio em cada uma das nove áreas de apoio propostas pela AAMR (2006, p. 223): “desenvolvimento humano,

ensino e educação, vida doméstica, vida em comunidade, emprego, saúde e segurança,

comportamental, social, proteção e defesa”.

O atual conceito dos apoios está em consonância com o conceito de ZDP proposto por Vigotski, que o define como a distância entre os níveis de resolução de problemas de maneira independente e assistida. Assim, o desempenho da pessoa com deficiência intelectual pode melhorar quando ela possui ajuda do outro mais capaz que a auxilie a resolver suas atividades, para que, em outro momento, ela possa internalizar a aprendizagem para o desempenho das atividades com independência.

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3.2 Um olhar histórico-cultural para a deficiência intelectual

O ponto norteador da idéia de Vigotski é a dimensão histórico-cultural do psiquismo do sujeito. As atividades humanas caracterizadas pelo modo de pensar, perceber, explicar, os seus desejos e emoções em relação à sociedade, a outra pessoa e a si mesmo, são construídas no decorrer da vida através de experiência e vão constituindo o psiquismo.

A criança, ao nascer, está em constante interação com outras pessoas, que transmitem, através de suas ações, a maneira de pensar e realizar as atividades de sua comunidade, relacionando-as aos significados que foram herdados historicamente. Ao passo que ocorre a apropriação dos conhecimentos, os sujeitos constroem dispositivos que permitem sua participação nas atividades e práticas culturais. Nesse momento, o sujeito deixa de ser um aparato biológico e a inserção no social contribui para o processo de humanização. Segundo Leontiev (2004), cada indivíduo aprende a ser homem, pois o desenvolvimento do sujeito não é uma relação de adaptação da pessoa ao meio físico, mas sim do entrelaçamento dos fatores biológicos, herdados geneticamente, que interagem com a dimensão cultural, compondo uma dança constante que transforma tanto os aspectos fisiológicos quanto os psíquicos da atividade humana (Rossi, 2006).

A presente pesquisa utiliza como pressupostos teóricos as contribuições da abordagem histórico-cultural, que analisa o desenvolvimento humano num processo de conversão da ordem biológica para a ordem cultural. Embasado nos estudos de Vigotski, Leontiev (2004) pontua que a ordem biológica, mais precisamente os aspectos filogenéticos, são as características genéticas que exprimem as particulares de uma determinada espécie, herdadas de uma geração para outra e regidas pela lei da natureza biológica. O plano ontogenético marca o desenvolvimento do sujeito, constituído pelas relações sociais; são as influências do meio social no funcionamento psicológico da pessoa. No entanto, o estudo do desenvolvimento humano não é realizado de forma segmentada, pois essas ordens não interagem – ao contrário, os resultados do desenvolvimento humano são em conseqüência da articulação entre os fatores biológicos e os culturais.

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por Góes, 2000, p. 119), “nos tornamos nós mesmos através dos outros” e que “sou uma relação social comigo mesmo”. O desenvolvimento do sujeito é uma história de relações com

as pessoas mediadas pela linguagem e de constantes modificações no funcionamento psicológico construídas pelas trocas sociais, que ocorrem tanto face a face quanto no plano macro social – no de políticas públicas, por exemplo.

Mesmo vivendo em cultura, cada ser humano apresenta suas particularidades como fruto de sua história de vida. A singularidade de cada pessoa resulta da multiplicidade de influência que recaem sobre o sujeito no curso de sua história. Assim como a sociedade desempenha um papel de modificação no sujeito, o mesmo também desempenha uma função de organismo ativo, também tendo força para modificar o meio no qual está inserido, de acordo com suas necessidades. Pessoas vivenciam emoções, sentimentos, confrontos de situações de maneiras bastante particulares e específicas e, dessa forma, o desenvolvimento ocorre em campos de conflitos e crises ou, conforme pontua Vigotski, irregularidades, que são aspectos constituintes no processo do desenvolvimento.

Percebe-se que Vigotski, ao propor essa análise do estudo do desenvolvimento humano, buscou superar as psicologias idealistas e as correntes materialistas e mecanicistas, ancorando seu trabalho na filosofia marxista para estudar, de forma objetiva, as reações humanas e suas características biológicas e sociais, mas evitando tanto o reducionismo do psíquico ao social quanto o reducionismo do psíquico ao biológico.

A partir das colaborações de Vigotski, outros pesquisadores analisaram as concepções de uma unidade de análise entre sujeito e cultura, compreendidos em constante desenvolvimento dentro de uma dinâmica de interdependência entre o indivíduo e suas relações sociais, sendo uma delas a abordagem sócio-cultural de Valsiner (1987). O pesquisador tentou compreender o processo de desenvolvimento da criança em seus diferentes contextos e em mudanças. Por sua vez, Wertsch (1998) buscou compreender a relação entre funcionamento mental e seu vínculo com o contexto cultural e histórico.

A abordagem histórico-cultural caracteriza o desenvolvimento humano como fruto das complexas dinâmicas que se estabelecem entre o contexto social e o sujeito. A interdependência entre o sujeito e seu contexto, que favorece o desenvolvimento, se estrutura a partir das internalizações dos conhecimentos que são compartilhados e expostos em sua comunidade. Assim o desenvolvimento é

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Esse processo apresenta singularidades no percurso do desenvolvimento das pessoas, especificamente no caso de sujeitos com deficiência intelectual. Sendo assim, a criança deficiente apresenta um tipo de desenvolvimento qualitativamente distinto, peculiar. (Vigotski, 1997).

A tese de Vigotski contribuiu para que a defectologia moderna virasse uma ciência, pois o foco de análise não se circunscreve na incapacidade e sim nas potencialidades do sujeito. Essa mudança de paradigma foi elucidada por Vigotski em 1935 e, no século seguinte, a AAMR (2006) deu a devida importância a essa perspectiva de análise, refletindo sobre a deficiência a partir de outros ângulos: o do olhar multidimensional, que considera todas as dimensões do sujeito, e o do olhar multifatorial, entendendo que a condição da pessoa com deficiência intelectual pode ser devida a diversos fatores e, portanto, a diferentes etiologias.

Vigotski acreditava, ainda, que a defectologia possui o seu próprio objeto de investigação e que este é a diversidade nos processos de desenvolvimento infantil, com o objetivo de investigar as particularidades do desenvolvimento das crianças com necessidade especial. Isso significava estudar não o defeito, mas a dinâmica do desenvolvimento, através da análise genética de todo os sistemas das funções psicológicas.

Depreende-se que a presença de um defeito não impede o desenvolvimento do sujeito pois, com a inserção na cultura, surgem processos de compensação ou substituições de funções que ajudarão na internalização das funções psicológicas superiores. Para Vigotski (1997), o indivíduo que traz em si um desenvolvimento complicado por um defeito busca novas formas de se apropriar da cultura, singularizando o seu desenvolvimento. A abordagem histórico-cultural rompe com as idéias que buscam na dimensão orgânica as etiologias para a compreensão da deficiência intelectual. Vigotski postula que existem diversos fatores sociais que se relacionam com as condições orgânicas na constituição da deficiência.

O ponto central ao compreender o desenvolvimento atípico, de acordo com Vigotski

(1997, p.35), é o “duplo papel que desempenha a insuficiência orgânica”. A defectologia

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interação do sujeito com sua comunidade, que pode possibilitar a pessoa compensar a insuficiência orgânica.

Segundo Adler (citado por Vigotski, 1997, p. 36), se a causa da diminuição morfológica ou funcional de algum órgão não pode cumprir plenamente suas tarefas, o sistema nervoso central e o aparato psíquico do homem assumem a tarefa de compensar o

funcionamento difícil desse órgão, onde “o defeito se converte sendo a força motriz do desenvolvimento psíquico”. Assim, o primeiro ponto de toda a educação é a luta do

sentimento de inferioridade. Tal sentimento não é ocasionado pelo defeito orgânico e sim devido a sua base da degradação da posição social. Logo, o desenvolvimento de uma criança deficiente é condicionado de maneira socialmente dupla: o sentimento de inferioridade, que é um aspecto do condicionamento social do desenvolvimento, pois a incapacidade coloca a pessoa em uma condição menos vantajosa em relação às outras; e a orientação social da compensação e sua adaptação às condições do meio. O grau do defeito e sua normalidade dependem do resultado da compensação social.

Para Vigotski (1997), a supercompensação pode ser compreendida como uma reação defensiva do organismo, em proporção maior do que o necessário para neutralizar o risco a que esse se encontra submetido. Portanto, a supercompensação é o processo na qual o organismo compensa o dano e elabora uma defesa.

Por exemplo, um cego usa o tato como um analisador. Esse analisador leva um estímulo ao cérebro. Psiquicamente, ocorre outro modo de funcionamento e institui-se uma subestrutura psíquica. O analisador permite a compensação psíquica. Conseqüentemente, muda a forma de como trabalhar com as crianças que tenham deficiência. Assim, a dificuldade em realizar uma função gera um estímulo para sua superação (Vigotski, 2004).

Segundo Vigotski (1997), a educação de crianças com diferentes deficiências deve basear-se na simultaneidade entre defeito e possibilidade compensatórias, orientando o processo educativo seguindo as tendências naturais à supercompensação.

Assim, Vigotski (2004, p.381) acredita que o princípio da educação de crianças com

deficiência intelectual consiste na tentativa de em que o professor “ensine o deficiente a trabalhar, o mundo a falar, o cego a ler”, ou seja, que os profissionais trabalhem para que

através da compensação social o sujeito possa superar suas limitações. “A educação

estabelece vínculos condicionados, vence as deficiências naturais e cria possibilidade de

convívio social e, conseqüentemente, do próprio desenvolvimento”. (Vigotski, 2004, p.388).

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reage em resposta à dificuldade que deriva da insuficiência. O importante é conhecer a criança que tem a deficiência e saber que ela não está constituída só de defeitos e carências e que seu organismo se reestrutura como um todo único. O objetivo da educação resume-se na tentativa de possibilitar processos de compensação da deficiência pela ampliação da experiência social. Percebe-se que o desenvolvimento das crianças com deficiência intelectual percorre caminhos bastante peculiares, caracterizado pelo funcionamento insuficiente das funções psicológicas superiores e manutenção das características do funcionamento das funções psicológicas elementares.

Para que se possa compreender com mais precisão o funcionamento do intelecto do deficiente intelectual, se faz necessária uma investigação do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, pois essa análise permitirá compreender o processo de apropriação da experiência humana e o desenvolvimento intelectual das ações mentais.

3.3 Internalização das funções psicológicas superiores

Durante todo o trajeto teórico que Vigotski percorreu, a questão da natureza social das funções psicológicas superiores estave presente. Pino (1999) discute a respeito do termo

“função” que Vigotski faz uso no decorrer de seus escritos. Nos trabalhos de Vigotski, não está presente o motivo pela escolha do termo “função”, mas é certo que o seu caráter

semântico é bem diferente das teorias funcionalistas. Quando Vigotski (2003) refere-se à gênese das funções mentais superiores, o autor utiliza diferentes termos para designar a mesma coisa: formas superiores de conduta, formas mentais, processos mentais superiores e funções mentais superiores. Independente da utilização indistinta do termo, ao entender o psiquismo como constitutivo de um conjunto de funções de natureza social e não de ordem biológica, Vigotski rompe com as perspectivas funcionalistas e estruturalistas e também com as visões biologizantes e mecanicistas da concepção sobre desenvolvimento humano.

De acordo com Pino (2000, p.71), a terminologia “função” permite compreender o

psiquismo como algo dinâmico, que está sempre em transformação:

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históricas das condições da sua produção: produção da fala, das idéias, das lembranças etc. Essas funções são portanto função dessas condições de produção, as quais não permanecem sempre necessariamente as mesmas. O que nós pensamos, o que nós dizemos, o que nós rememoramos depende das condições concretas em que isso ocorre. Se isso não impede que idéias, discursos ou lembranças possam ser reproduzidas no tempo com uma certa persistência, elas têm de ser cada vez (re)pensadas, (re)ditas ou (re)memoradas.

Vigotski foi um dos precursores ao tentar esclarecer que o desenvolvimento possuiu uma lei genética que é social e que toda função psicológica ocorre primeiro na interação entre pessoas, configurando-se assim como um episódio social. Indica-se, então, que o social e o

cultural constituem a chave principal do seu construto teórico. Para o autor, “o homem é uma pessoa social, um agregado de relações encarnadas num indivíduo” (1989, p.58). Porém, os

termos “social” e “cultural” muitas vezes são utilizados como sinônimos, o que não precisa os seus significados no campo da educação.

Para que se possa fundamentar o papel dos termos social e cultural no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, se faz necessário circunscrever esses termos no contexto teórico proposto pela abordagem histórico-cultural. Segundo Pino (2000), o termo social caracteriza comportamentos de sociabilidade existentes no mundo naturalmente e não configuram uma organização social; já o termo cultural apresenta esse caráter de organização de idéias e comportamentos específicos em determinada comunidade.

Na evolução das espécies, mudanças vão ocorrendo e novas habilidades e capacidades surgem, permitindo ao sujeito transformar a natureza conforme sua necessidade e criando suas próprias condições de existências. Isso possibilita que o homem modifique o seu próprio modo de pensar e agir. Os momentos de rupturas fazem com que o homem transcorra da passagem do natural, a filogênese, para a ordem do social, a ontogênese.

A função elementar refere-se à natureza biológica, o desenvolvimento da filogênese, enquanto a função superior trata da natureza social, que constitui-se no plano da ontogênese. De acordo com Vigotski (2003), as funções biológicas não desaparecem, mas sim criam uma via de superação ao adquirem uma nova roupagem, e são incorporadas na história do sujeito a partir de sua participação na cultura. Pino (1991) esclarece que entender o desenvolvimento humano como cultural é o mesmo que dizer que o desenvolvimento humano é histórico, portanto refere-se ao processo que o homem realiza na natureza e em si mesmo como parte integrante dela. Ainda segundo Pino, a abordagem histórico-cultural pretende estudar a

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social, diz ele, devemos perguntar como o meio social age na criança para criar nela as

funções superiores de origem e natureza sociais”. (Vygotsky 1989, p.15).

As funções psicológicas superiores, tais como pensamento, linguagem, formação de conceitos, memória, potencial criador, são os aspectos essenciais que distinguem o ser humano de outras espécies. Esses processos apresentam um caráter social que se desenvolve apenas se o sujeito estiver inserido em situações sociais. Já os processos psicológicos elementares são de origem filogenética, não sendo aspectos determinantes para o surgimento e transformações das funções psicológicas superiores.

Essa lei genética do desenvolvimento é a mesma tanto para as crianças normais quanto para aquelas que apresentam algum comprometimento intelectual. O ciclo da lei fundamental da psicologia apresenta processos de transição do percurso interpsicológico para o intrapsicológico. Para exemplificar o processo de internalização, Vigotski (1997) estudou o desenvolvimento da criança no caminho da linguagem exterior a interior como forma fundamental de conduta coletiva, de colaboração social com os outros que se converte em forma interior de atividade psicológica da própria personalidade.

Entretanto, esse processo ocorre de uma maneira peculiar nas crianças com deficiência intelectual, nas quais o defeito e a incapacidade do desenvolvimento das funções superiores se encontram em uma relação distinta do defeito do desenvolvimento insuficiente das funções elementares. Essa diferença é o ponto principal para que se possa compreender o desenvolvimento das crianças com deficiência intelectual. Segundo Vigotski (1997), pode-se vislumbrar essa idéia na qual o desenvolvimento incompleto do pensamento gera um atraso intelectual na criança.

O desenvolvimento incompleto das funções psicológicas superiores nas crianças com deficiência intelectual configura-se como fator secundário que não deriva do próprio defeito orgânico, mas sim de seus sintomas originários. Sendo assim, Vigotski (1997) se propõe a estudar por que as funções superiores se desenvolvem de maneira incompleta em crianças com atraso mental. O desenvolvimento incompleto das funções superiores é uma subestrutura secundária sobre o defeito, que apresenta um funcionamento particular que transcorre da seguinte maneira:

Imagem

Fig. 1. Modelo de sistema de apoio para pessoa com deficiência intelectual (AAMR, 2006, p.143)
Figura 1: Gênese de uma capacidade de desempenho: avanços para além da zona de desenvolvimento proximal
Figura 2 - unfossilized

Referências

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