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Toda lei nova surge em face de um conjunto jurídico pré-existente com o qual tem de se relacionar.

Há todo um sistema institucional, relacionado às atividades jurídicas, políticas e sociais que precisa preparar-se para acolher e implementar o novo input legislativo, mas que, ao recebê-lo, modifica-se para implementá-lo e também acaba por modificá-lo em uma espiral hermenêutica inter-relacional entre o subsistema valorativo, que é a lei, e os operadores dos subsistemas institucionais, responsáveis pelo enforcement legal. (PORTO, 2007, p. 10).

Ao definir a entidade familiar, a Lei nº 11.340/06 ampliou seu conceito para além do que já era previsto pela Constituição Federal, bem como pelo Código Civil vigente. Sabe- se que a Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher é infraconstitucional, todavia, o conceito de família, descrito em seu artigo 5º, muito se adequa à realidade atual, uma vez que engloba de forma mais ampla os tipos de entidades familiares existentes atualmente.

Como exposto, hodiernamente, há diversas relações familiares que não são previstas juridicamente de forma expressa. Entretanto, as transformações ocorridas no âmbito social desencadeiam um processo de transformação dos conceitos jurídicos. A estrutura jurídica de uma sociedade não é estática, uma vez que o Direito é uma realidade histórico- cultural, constituído pelo fato, valor e norma, elementos dinâmicos, que se amoldam ao contexto social ao qual estão inseridos.

A Lei nº 11.340/06, ao tempo em que preconiza formas de proteção à violência doméstica e familiar contra a mulher, alarga o conceito valorativo de família, considerando a afetividade o elemento suficiente para caracterizar a entidade familiar.

Embora tal dispositivo seja pouco esclarecedor, doutrinadores têm afirmado que a Lei nº 11.340/06 reconhece as relações homoafetivas como abrangidas no conceito lato de família, merecendo, portanto, proteção legal (PORTO, 2007, p. 35; DIAS, 2007, p. 35). Como, a partir desta lei, está assegurada a proteção a fatos que ocorrem no ambiente doméstico, as uniões de pessoas do mesmo sexo são consideradas entidades familiares (DIAS, 2007, p. 35).

Registre-se, contudo, que não obstante tal conceito se adeque ao moderno conceito de família, a Constituição Federal prevê, em seu artigo 226, apenas a família oriunda do casamento, da união estável e da entidade monoparental, não havendo previsão legal para qualquer outra forma de constituição familiar.

Nesse sentido, o direito das famílias estuda, segundo Venosa (2006, p. 1-2):

[...] em síntese, as relações das pessoas unidas pelo matrimônio, bem como daqueles que convivem em uniões sem casamento; dos filhos e das relações destes com os

pais, da sua proteção por meio da tutela e da proteção dos incapazes por meio da curatela. [...] O casamento ainda é o centro gravitador do direito de família, embora as uniões sem casamento tenham recebido parcela importante dos julgados nos tribunais, nas últimas décadas, o que se refletiu decididamente na legislação. Ainda, ensina o mesmo doutrinador que o “Código Civil de 2002 procura fornecer uma nova compreensão da família, adaptada ao novo século, embora tenha ainda com passos tímidos nesse sentido.” (VENOSA, 2006, p. 11).

Mas lembra o autor que “importa considerar a família em conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar” (VENOSA, 2006, p. 2).

No conceito pluralista de família do artigo 226 da Constituição, estariam implicitamente incluídas a união de parentes e pessoas que convivem em interdependência afetiva, sem pai ou mãe que a chefie, como no caso de grupo de irmãos, após falecimento ou abandono dos pais, entre outros exemplos; as pessoas sem laços de parentesco que passam a conviver em caráter permanente, com laços de afetividade e de ajuda mútua, sem finalidade sexual ou econômica; as uniões homossexuais, de caráter afetivo e sexual; as uniões concubinárias, quando houver impedimento para casar de um ou de ambos companheiros, com ou sem filhos; a comunidade afetiva formada com “filhos de criação”, sem laços de filiação natural ou adotiva regular (LÔBO, 2002).

Em todos os casos, há características comuns, sem as quais não configuram entidades familiares, quais sejam: a afetividade, como fundamento e finalidade da entidade, com desconsideração da variável econômica; a estabilidade, excluindo-se os relacionamentos casuais, episódicos ou descomprometidos, sem comunhão de vida; e a ostensibilidade, o que pressupõe uma unidade familiar que assim se apresente publicamente (LÔBO, 2002).

No tocante às uniões homoafetivas, estas podem apresentar referidas características da mesma forma que as uniões heterossexuais. O casal pode conjugar o mesmo afeto, ter interesses e planos comuns da mesma forma que um casal heterossexual. Como demonstrado, se a Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher realmente ampliou a definição de entidade familiar, como defendem alguns doutrinadores, alcançou as uniões de pessoas do mesmo sexo, uma vez que também estão presentes nestas o elemento afeto. Ademais, constata-se que as uniões homoafetivas são constituídas por vontade expressa, o que as inclui na previsão legal do artigo 5º, II, da Lei nº 11.340/06, retro transcrito.

A Lei nº 11.340/06 surgiu com a finalidade de proteger a mulher da violência doméstica e familiar. Ao trazer, em seu artigo 5º, o conceito de família, enlaça as uniões homoafetivas.

Ainda, seu artigo 2º preconiza que está sob seu abrigo a mulher, independente de sua orientação sexual, assegurando proteção a qualquer relacionamento entre pessoas marcado pelo elemento afeto. E, se a lei considera família a união entre duas mulheres, “[...] igualmente é família a união entre dois homens. Ainda que eles não se encontrem ao abrigo da Lei Maria da Penha, para todos os outros fins, impõem-se o reconhecimento de que se trata de uma família” (DIAS, 2009, p. 143).

Porto (2007, p. 35), ao comentar acerca do parágrafo único do artigo 5º da lei sob análise, afirma que “Tal assertiva, embora pouco esclarecedora, tem sido suficiente a afirmar- se que a Lei 11.340/06 está reconhecendo as relações homoafetivas como abrangidas no conceito lato de família, a merecer, destarte, a proteção legal”.

A união afetiva das pessoas do mesmo sexo é um fato que se impõe e não pode ser negado, porém, ainda não mereceu a atenção do legislador pátrio:

O moderno enfoque dado à família volta-se muito mais à identificação do vínculo afetivo que aproxima seus integrantes do que à identidade sexual de seus membros. Admitir a existência de comunidades familiares que não se caracterizam pelo vínculo matrimonial é respeitar os valores constitucionais da democracia e a eficácia dos direitos fundamentais, pena de a Constituição ser concretizada de forma discriminatória e ofensiva a esses postulados. Ainda que tenha se omitido o legislador de referir às uniões homoafetivas não há como deixá-las fora do atual conceito de família. A diversidade de sexo e a capacidade procriativa não são elementos essenciais para reconhecer a entidade familiar como merecedora da especial tutela do Estado (DIAS, 2009, p. 96)

Percebe-se, ao longo da história, que o conceito de grupo familiar vem sendo alterado, tendo em vista a adequação do ser humano à realidade da sociedade. Todavia, ainda não há normas suficientes que prevejam todas as situações, sendo de fundamental importância leis que tutelem as diversas espécies de entidade familiar existentes.

Nesta esteira, com fundamento na dignidade da pessoa humana, princípio supremo do qual advém todos os direitos fundamentais do homem, as uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo merecem regulamentação, já que:

[...] existem e continuarão a existir, independentemente do reconhecimento positivo do Estado. E, se o direito se mantém indiferente, de tal atitude emergirá indesejada situação de insegurança. Mais do que isso, a indiferença do Estado é apenas aparente e revela, na verdade, um juízo de desvalor. Na medida em que o relacionamento íntimo entre duas pessoas do mesmo sexo pode ter efeitos jurídicos relevantes, é mais razoável que se faça uma abordagem jurídica e técnica da questão, e não uma análise moral, porque esta última, além de ser excessivamente subjetiva, concluirá pela negativa de qualquer efeito útil (DIAS, 2009, p. 133).

O reconhecimento da união homoafetiva é decorrência direta da dignidade da pessoa humana. Acerca do tema, Dias (2009, p. 103) afirma que:

A relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem depender da orientação sexual, é previsto no art. 1º, III, da Constituição, e o Estado Democrático de Direito promete aos indivíduos muito mais que a abstenção de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais; promete a promoção positiva de suas liberdades. A orientação que alguém imprime na esfera de sua vida privada não admite quaisquer restrições. Há de se reconhecer a dignidade existente na união homoafetiva. O valor da pessoa humana assegura o poder de cada uma exercer livremente sua personalidade, segundo seus desejos de foro íntimo. A sexualidade está dentro do campo da subjetividade. Representa fundamental perspectiva do livre desenvolvimento da personalidade, e partilhar a cotidianidade da vida em parcerias estáveis e duradouras parece ser um aspecto primordial da existência humana.

Dias (2009, p. 142) ainda acrescenta que no momento em que essas uniões “são tuteladas na lei de combate à violência doméstica, isso significa que são reconhecidas como família, encontrando-se sob a égide do direito das famílias”.

A partir da nova definição trazida pela Lei nº 11.340/06, não há mais motivos para questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo sexo. “Ninguém pode continuar sustentando que, em face da omissão legislativa, não é possível emprestar-lhes efeitos jurídicos. Há um novo conceito de família” (DIAS, 2009, p. 141-142). Em decorrência dessa normatização levada a efeito, a autora sustenta ainda que:

[...] restam completamente esvaziados todos os projetos de lei em tramitação que visam a regulamentar a união civil ou a parceria civil registrada. Esses projetos perderam o objeto, uma vez que há lei que conceitua entidade familiar, não importando a orientação sexual de seus partícipes (DIAS, 2009, p. 142).

Verifica-se que essa nova definição de entidade familiar pode ser recepcionada pelo ordenamento jurídico uma vez que a Constituição Federal, conquanto não reconheça expressamente a união entre pessoas do mesmo sexo, não a proíbe.

Sobre a interpretação conferida ao artigo 226 da Constituição, Lôbo (2008, p. 58) afirma que a maioria dos civilistas o toma como numerus clausus, ou seja, defende que a Constituição não admite outros tipos de entidades familiares além das previstas no aludido artigo. Desse entendimento, resultam duas teses: a primeira é a de que há primazia do casamento, concebido como modelo de família, devendo as demais (união estável e entidade monoparental) receber tutela jurídica limitada; a segunda é de que há igualdade entre os três tipos, uma vez que a Constituição assegura liberdade de escolha das relações que previu com idêntica dignidade.

Segundo o mesmo autor, a primeira tese encontra respaldo no enunciado final do §3º do artigo 226, no que se refere à união estável – “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” –, uma vez que se houvesse igualdade entre o casamento e a união estável não seria necessária a conversão.

Todavia, aponta Lôbo (2008, p. 58-59) que não deve haver um isolamento de expressões ao se interpretar as normas constitucionais, impondo-se a “harmonização da regra com o conjunto de princípios e regras em que ela se insere”.

Ademais, o §3º do artigo 226 não contém requisito que subordine a validade ou a eficácia da união estável à sua conversão em casamento. Pelo contrário, apenas facilitou a aludida conversão, dispensando a solenidade da celebração, conforme estabeleceu o artigo 1.726 do Código Civil “A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”. Lôbo (2008, p. 59) assevera, ainda, que:

[...] para os que desejarem permanecer em união estável, a tutela constitucional é completa, segundo o princípio da igualdade que se conferiu a todas as entidades familiares. Não pode o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldades ou requisitos onerosos para ser constituída ou mantida a união estável, pois facilitar uma situação não significa dificultar outra.

Quanto à segunda tese, ensina Lôbo (2008, p. 59), está embasada no princípio da igualdade das entidades familiares, decorrente do pluralismo reconhecido pela Constituição, bem como no princípio de escolha, este como forma de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, segundo este entendimento, o artigo 226 da Constituição aliado aos princípios supracitados conferem a todas as pessoas “a liberdade de escolher e constituir a entidade familiar que melhor corresponda à sua realização existencial. Não pode o legislador definir qual a melhor e mais adequada”. A liberdade do núcleo familiar, de acordo com Bianca (1989, p. 15 apud LÔBO, 2008, p. 59), deve ser entendida como a “liberdade do sujeito de constituir a família segundo a própria escolha e como liberdade de nela desenvolver a própria personalidade”.

Lôbo (2008, p. 59-60) defende que a segunda tese, em que pese estar mais adequada aos princípios constitucionais, é insuficiente, já que importa identificar se os demais tipos de entidades familiares estão ou não excluídos do conceito trazido pelo artigo 226 da Constituição. Segundo o autor, “a exclusão não está na Constituição, mas na interpretação que se lhe dá”, concluindo que:

A análise detida da dimensão e do alcance das normas e princípios contidos no art. 226 da Constituição, em face dos critérios de interpretação constitucional –

notadamente do princípio da concretização constitucional –, leva ao convencimento da superação do numerus clausus das entidades familiares (LOBO, 2008, p. 59). Esse entendimento é explicado pelo fato de o caput do artigo 226 da Constituição ter suprimido a expressão “constituída pelo casamento” presente na maioria das constituições anteriores. Dessa forma, as entidades familiares previstas nos parágrafos do aludido artigo são meramente exemplificativas, uma vez que são as mais comuns e, por essa razão, mereceram referência expressa (DIAS, 2010, p. 41; LÔBO, 2008, p. 60-61).

Dias (2010, p. 169) afirma, ainda, que a Constituição citou algumas entidades familiares por serem as mais frequentes, mas não as desigualou. O fato da Constituição “mencionar primeiro o casamento, depois a união estável e, por último, a família monoparental não significa qualquer preferência nem revela escala de prioridade entre eles”, isso porque as entidades familiares foram equiparadas, todas merecendo a mesma proteção. Ademais, ao elevar as uniões constituídas pelo vínculo de afetividade à categoria de entidade familiar, a Constituição acabou por reconhecer juridicidade ao afeto.

Por conseguinte, não se torna admissível, para Lôbo (2008, p. 61), a exclusão de qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e publicidade, uma vez que “são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família, indicado no caput”. Segundo o autor, o caput do artigo 226 seria, portanto, uma “cláusula geral de inclusão”, integrando-se a ela o §4º do mesmo artigo, ao utilizar o termo “também”, no sentido de incluir fato sem excluir outros.

Na mesma acepção, Dias (2010, p. 41-42), ao tratar do conceito atual de família, considera o pluralismo das relações familiares um dos vértices da nova ordem jurídica. Com a supremacia da dignidade da pessoa humana, lastreada no princípio da igualdade e da liberdade, as pessoas têm buscado mais identidade de projetos de vida, propósitos comuns e suporte emocional. Atualmente, o que identifica a família é a presença de um vínculo afetivo. “É necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade [...].”

Destarte, conclui-se que a Lei nº 11.340, promulgada em 07 de agosto de 2006 – Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ampliou o conceito de entidade familiar, bem como se vislumbra possível referido conceito permear o ordenamento jurídico pátrio e este, por sua vez, reconhecer a união homoafetiva como entidade familiar, tendo em vista os princípios constitucionais anteriormente expostos, a divergência encontrada da jurisprudência no tocante ao reconhecimento da união homoafetiva e aos seus efeitos, bem

como a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho monográfico buscou analisar a nova definição de entidade familiar trazida pela Lei nº 11.340/06 – Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, bem como a possibilidade do referido conceito permear o ordenamento jurídico brasileiro e este, por sua vez, reconhecer a união homoafetiva como entidade familiar.

Iniciou-se com uma breve digressão histórica do conceito de família no Brasil que, como visto, sofreu forte influência da família romana e canônica, sociedades nas quais predominava o sistema patriarcal e a sacramentalização do casamento.

Revelados aspectos essenciais de seu arcabouço histórico-conceitual, passou-se à abordagem cronológica da entidade familiar sob a ótica do sistema jurídico pátrio. Na sequência, foram abordados alguns princípios considerados norteadores do direito das famílias e consagrados pela Magna Carta.

No capítulo seguinte, foram apresentados os novos conceitos de família na sociedade brasileira contemporânea, advindos com a Constituição Federal de 1988, que reconheceu as uniões extramatrimoniais, até então marginalizadas pela lei, em especial a união estável, instituto cujas características mais se assemelham à união homoafetiva. Em seguida, abordou-se a união homoafetiva, bem como foram colacionadas algumas decisões judiciais pátrias relativas ao reconhecimento destas e seus efeitos.

Abordaram-se, ainda, os projetos de lei em tramitação no Brasil destinados a regulamentar as uniões homoafetivas, bem como o reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal.

Por fim, foram apresentadas breves noções sobre a Lei nº 11.340/06, o conceito de entidade familiar presente nesta, bem como o conceito hodierno de família, no tocante à ampliação da definição de entidade familiar e ao reconhecimento da homoafetividade como núcleo familiar.

Depreende-se que a família, em termos de organismo social, é o mais antigo dos institutos e, por estar constantemente interagindo com a sociedade, passa por um processo ininterrupto de transformações durante sua evolução. Gradativamente, essas mudanças também são verificadas na legislação, que procura se adaptar à realidade social. Assim ocorreu com as constituições brasileiras, com os códigos civis e demais leis esparsas.

O direito é um fenômeno social, e como tal, deve adequar-se aos novos paradigmas axiológicos, sob pena de, obsoleto, tornar-se conteúdo vazio e perder credibilidade junto aos atores sociais.

Como visto, a família brasileira sofreu significativa influência das sociedades romana e canônica. No Brasil, os códigos começaram a dedicar normas relativas à família a partir do século XIX. A sociedade era rural e patriarcal, o homem era considerado o chefe e representante da sociedade conjugal e a mulher se dedicava aos afazeres domésticos. A família era constituída unicamente pelo instituto do matrimônio, por força da influência religiosa e por conservar muitas características do direito canônico.

O Código Civil de 1916, reconhecendo juridicamente apenas o relacionamento matrimonial, afastava qualquer outra forma de relação afetiva e não reservava direitos às uniões que não fossem formadas pelo casamento, como a união estável. O afeto nas relações familiares tinha pouca relevância jurídica.

Lentamente, a legislação foi sendo adequada às transformações sociais, culminando com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que, como visto, representou um marco na história do direito das famílias, ao consagrar proteção à família, esta compreendendo tanto a família oriunda do casamento, como as uniões extramatrimoniais. O elemento afeto, em que pese não tenha recebido valor jurídico, foi reconhecido como fundamental na entidade familiar e esta passou a ser plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição.

A Carta Constitucional de 1988 reconheceu, além do casamento, a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, bem como a família monoparental. Embora já existissem há muitos anos, o Estado brasileiro resistiu para reconhecer as uniões afetivas não oriundas do casamento.

Verificou-se que a união homoafetiva, assim como a união estável, pode se revestir dos mesmos requisitos da afetividade, estabilidade, e ostensibilidade. Todavia, como não há legislação específica, doutrina e jurisprudência controvertem acerca da concessão de direitos dela decorrentes. Há alguns projetos de lei em tramitação, mas aguardam há anos para serem colocadas na pauta.

A Lei nº 11.340/06, que surgiu com o escopo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, acabou por definir, nos seus artigos 2º e 5º, a entidade familiar, trazendo-lhe conceito mais abrangente e adequado às composições familiares atualmente existentes. A lei em comento considerou a afetividade o elemento suficiente para caracterizar

a entidade familiar. Neste diapasão, as relações homoafetivas estão abrangidas no conceito de família.

A Constituição Federal, embora tenha buscado fornecer uma nova compreensão

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