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A união homoafetiva, assim como a união estável, pode se revestir dos requisitos da afetividade, como fundamento e finalidade da entidade, com desconsideração da variável econômica; da estabilidade, excluindo-se os relacionamentos casuais, episódicos ou descomprometidos, sem comunhão de vida; e da ostensibilidade, o que pressupõe uma unidade familiar que assim se apresente publicamente (LÔBO, 2002).

Todavia, o tema homossexualidade é um tema gerador de grande polêmica, uma vez que desperta acalorados debates e diferentes opiniões na sociedade. Muito embora sua existência remonte à Grécia antiga e ao Império Romano, os entendimentos acerca do assunto não parecem estar perto de se construir um posicionamento unânime.

Conforme ensinamento de Dias (2009, p. 46), o vocábulo homossexualidade foi introduzido na literatura técnica no ano de 1869 pelo médico húngaro Karoly Benkert. O

termo é formado pela raiz da palavra homo, que quer dizer “semelhante”, e pela palavra latina sexus, passando a significar “sexualidade semelhante”. Exprime “ideia de semelhança, igual, análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter”, bem como significa a sexualidade exercida com pessoa do mesmo sexo.

Na Idade Média, “em face da influência das concepções religiosas, a Medicina considerava o ‘homossexualismo’ uma doença, enfermidade que acarretava a diminuição das faculdades mentais, mal contagioso decorrente de um defeito genético” (DIAS, 2009, p. 52).

A Classificação Internacional de Doenças (CID) identificava o homossexualismo como um desvio ou transtorno sexual. Em 1974, a homossexualidade foi retirada da lista de doenças mentais, sendo renomeada como desordem mental pelo Manual de Diagnóstico e Estatísticas dos Distúrbios Mentais (DSM). Em 1993, A Organização Mundial da Saúde inseriu-a no capítulo “Dos Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais”, sendo que mais tarde o sufixo “ismo”, que designa doença, foi substituído pelo sufixo “dade”, que significa modo de ser, deixando a homossexualidade, finalmente, de ser considerada uma doença (DIAS, 2009, p. 52-53). Dessa forma, embora lentamente, a homossexualidade deixou de ser tratada como doença pela medicina e pela psicologia.

Quanto ao vocábulo a ser utilizado, em inovadora criação, com posicionamento vanguardista, Dias (2009, p. 48) utilizou o neologismo homoafetividade que, com grande sensatez, deu verdadeiro significado às relações entre pessoas de mesmo sexo:

A conotação depreciativa de todas as expressões que identificam as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo é que me levou, na primeira edição desta obra, no ano de 2000, a criar o neologismo homoafetividade, buscando evidenciar que as uniões de pessoas do mesmo sexo nada mais são do que vínculos de afetividade. (Grifo da autora)

Dias (2009, p. 48-49) ressalta que a adoção de novas terminologias tem por escopo subtrair a conotação discriminatória de que as uniões entre iguais são alvo. Ao longo da história, conforme Dias (2010, p. 197), as uniões de pessoas do mesmo sexo receberam várias rotulações pejorativas e discriminatórias, em face do repúdio social, fruto da rejeição de origem religiosa. Em que pese os estereótipos, “essa é uma realidade que não se pode mais fazer de conta que não existe”.

Em referência ao direito das famílias, Dias (2009, p. 7) dá preferência pela utilização da expressão “direito das famílias” (no plural), expressão também adotada no presente trabalho. A autora explica que foi a forma que encontrou para, justamente, “evidenciar que as uniões homoafetivas estão compreendidas no conceito de entidade familiar e, como tal, são merecedoras da especial proteção do Estado”.

Nas duas grandes civilizações antigas, Grécia e Roma, cujo pensamento embasou a cultura ocidental, a homossexualidade era comum e amplamente aceita na sociedade (DIAS, 2009, p. 34-35).

Lisboa (2009, p. 183) lembra que apesar de o relato bíblico existente no Antigo Testamento demonstrar que os hebreus repudiavam a homossexualidade, “os gregos e os romanos a admitiam, porém não conferiam qualquer regime jurídico a tal situação”.

Segundo Dias (2009, p. 35), na Grécia:

[...] o livre exercício da sexualidade fazia parte do cotidiano de deuses, reis e heróis. [...] A bissexualidade estava inserida no contexto social, e a heterossexualidade aparecia como preferência de certo modo inferior e reservada à procriação. Vista como uma necessidade natural, a homossexualidade restringia-se a ambientes cultos, como manifestação legítima da libido, verdadeiro privilégio dos bens nascidos. Não era considerada uma degradação moral, um acidente ou um vício. Todo indivíduo poderia ser ora homossexual ora heterossexual, dois termos, por sinal, desconhecidos na língua grega.

Nas Olimpíadas, era comum os atletas competirem nus, exibindo sua beleza física. As mulheres não podiam entrar nas arenas por não terem capacidade para apreciar o belo. Homens travestidos ou usando máscaras desempenhavam os papéis femininos nas apresentações teatrais (DIAS, 2009, p. 35).

Na cidade-Estado de Esparta, estimulava-se o amor entre homens dentro do exército com o objetivo de torná-lo ainda mais eficiente. Isso porque “quando o soldado ia para a guerra, não estaria lutando apenas por sua cidade-Estado; lutava também para proteger a vida do seu amado, aumentando, obviamente, o grau de dedicação e empenho do combatente” (DIAS, 2009, p. 36).

Ainda, de acordo com Dias (2009, p. 37), aceitava-se a homossexualidade masculina. Para um jovem, era uma honra ser escolhido por um “preceptor” – um homem mais velho, modelo de sabedoria e geralmente um guerreiro – que se dispunha a transmitir-lhe seus conhecimentos. Não só na Grécia, mas em várias culturas, a homossexualidade era aceita e ritualizada. Antes de ser reconhecido como adulto, “para se relacionar com o sexo oposto, o jovem devia incursionar em seu próprio gênero. A relação tinha caráter iniciatório e se restringia à ligação entre o homem mais velho e o menino ainda impúbere”.

Em Roma, a prática homossexual também não se ocultava; ao contrário, era tida como de procedência natural, ou seja, “no mesmo nível das relações entre casais, entre amantes ou de senhor e escravo”. De outra parte, conquanto aceitassem o amor entre homens, havia preconceito contra quem assumia a condição de passividade, pois esta era associada à impotência política, à debilidade de caráter. Como quem assumia o papel passivo geralmente

“eram rapazes, mulheres e escravos – todos excluídos da estrutura do poder –, clara a relação entre masculinidade-poder-político e passividade-feminilidade-carência de poder” (DIAS, 2009, p. 37).

Verifica-se que havia uma diferença fundamental entre gregos e romanos, pois:

[...] os homens gregos cortejavam os meninos de seu interesse, com agrados que visavam persuadi-los a reconhecer sua honra e suas boas intenções; entre os romanos, o amor por meninos livres era proibido, uma vez que a sexualidade desse povo estava intimamente ligada à dominação. Assim, era-lhes permitido apenas o amor por jovens escravos (DIAS, 2009. p. 37).

A sacralização da união heterossexual ocorreu na Idade Média. O casamento foi transformado em sacramento. Somente as uniões “abençoadas pela Igreja eram válidas, firmes e indissolúveis”. Reduziu-se o ato sexual a fonte de pecado, devendo ser evitado, exceto no matrimônio e, ainda assim, restringia-se a condições de máximo recato (DIAS, 2009, p. 39).

As religiões sempre influenciaram na formação da opinião a respeito dos homossexuais. Segundo Dias (2009, p. 38-39), a Igreja Católica – que até a República imperou no Brasil como religião oficial – aprova apenas as relações heterossexuais dentro do matrimônio, considerando a contracepção, o amor livre e a homossexualidade como condutas moralmente inaceitáveis. As relações de pessoas do mesmo sexo são vistas como verdadeira perversão e aberração da natureza, haja vista que segundo a Bíblia (Levítico, 18:22), “com o homem não te deitarás como se fosse mulher, é abominação”.

Não somente a união entre pessoas do mesmo sexo, mas também a masturbação e o sexo infértil são alvos de recriminação, por serem considerados antinaturais. “Qualquer relação sexual prazerosa é vista como transgressão à ordem natural”, já que a igreja condena sua pratica se não com o intuito de procriação (DIAS, 2009, p. 39-40).

Com o passar do tempo, houve o afastamento entre o Estado e a Igreja, o que contribuiu para cessar o “condicionamento a uma estrita obediência às normas ditadas pela religião” (DIAS, 2009, p. 41). Assim, as mudanças sociais aos poucos foram construindo uma sociedade menos homofóbica, afastando a discriminação e o pré-conceito.

De acordo com Dias (2009, p. 41), diversos fatores contribuíram para essa mudança, tais como o declínio da influência da Igreja, que fez diminuir o sentimento de culpa, deixando o prazer sexual de ser criminoso; o Estado deixou de considerar o casamento como algo sagrado, emergindo novas estruturas de convívio; houve maior valoração do afeto; e a orientação sexual passou a ser vista como uma opção e, mais do que isso, um direito, que pode ser exercido de forma livre. A autora ressalta ainda que:

No século XX, o poder heterossexual e machista deu lugar à família que se tornou um espaço onde se deve assegurar a preservação da dignidade. É de todos o compromisso de respeitar a identidade de cada um. No mundo pós-moderno, em nome do respeito à diferença, está sendo construído um conceito plural de família; daí o direito das famílias.

Aflora como fundamental o direito à felicidade. Na era dos direitos humanos, não pode o Estado deixar de cumprir sua real finalidade, fazer com que a família exerça o seu papel de garantir a cada um de seus membros o direito de ser feliz. Um Estado que não garanta tal promessa a todos deixa de cumprir uma obrigação ética. (DIAS, 2009, p. 41-42).

Estende-se a todos os países do mundo a polêmica que envolve o reconhecimento da homossexualidade. Estudos demonstram que “os países que alcançam um mais alto nível socioeconômico-cultural promovem a integração de suas minorias” e favorecem o desenvolvimento da identidade desses grupos. Em vários países já há legislação que inserem as uniões homoafetivas no âmbito do conceito de família, quer admitindo o casamento, quer as nominando de outra forma (DIAS, 2009, p. 62).

Em Estados culturalmente mais desenvolvidos, tais como Holanda, Bélgica, Espanha e Canadá, já existem legislações que não diferenciam uniões entre pessoas do mesmo ou de sexo diferente.

A propósito, a Holanda foi o primeiro país a autorizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Desde abril de 2001 vigora lei que confere “iguais direitos e deveres, e idênticas consequências jurídicas do casamento heterossexual”. Além disso, é assegurada a possibilidade de adoção pelos cônjuges (DIAS, 2009, p. 67).

A Bélgica autorizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em fevereiro de 2003, mas apenas em 2005 permitiu-se a adoção. Em abril de 2005, a Espanha aprovou o casamento, bem como a adoção por homossexuais e, em julho do mesmo ano, foi a vez do Canadá acolher o casamento entre homossexuais com os mesmos direitos do casamento heterossexual, inclusive a possibilidade de adoção (DIAS, 2009, p. 67-68).

3.3 DECISÕES JUDICIAIS PÁTRIAS EM MATÉRIA RELATIVA ÀS UNIÕES

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