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Conceito jurídico e categorias de lesão

3.2.1. Conceito jurídico de lesão

Não há conceito absoluto de lesão, tendo-se em consideração o fato da mesma poder ocorrer em situações e em virtude de negócios distintos, podendo-se pensar, de uma maneira geral, que a lesão “dá-se

quando entre as prestações das partes existir desproporção absurda, tornando claro que uma delas está lesando a outra.”169 As variações sobre

as modalidades de lesão existentes, bem como os diferentes requisitos jurídicos para a sua configuração determinam uma variabilidade de conceito. Além disto, a própria consideração da lesão como defeito do negócio jurídico, como causa da ilicitude do negócio, considerando a quebra da comutatividade contratual, como elemento caracterizador do negócio imoral, ou, ainda, como situação suficiente à rescindibilidade do negócio, permitem uma variabilidade doutrinária e legal na adoção de um conceito jurídico de lesão.

As referências doutrinárias sobre um conceito de lesão são muitas, variando de acordo com a adoção ou não do elemento subjetivo da lesão, seja por parte da parte lesada, seja em função da consideração do dolo de aproveitamento como elemento constitutivo da lesão.

Marcelo Guerra Martins, em sua monografia sobre o tema, lista uma série de definições de lesão, das quais destacamos a de Sílvio Rodrigues170, ao definir a lesão como “prejuízo que um contratante

experimenta quando, em contrato comutativo, não recebe da outra parte, valor igual ao da prestação que recebeu”; a de Darcy Bessone de Oliveira

Andrade171, afirmando ser a lesão “prejuízo que, nos contratos comutativos,

resulta da desproporção das prestações reciprocamente prometidas pelos contratantes.”

Arnaldo Rizzardo172, apesar de retratar o tema tanto na teoria contratual como na teoria geral dos negócios jurídicos, define a lesão como um negócio defeituoso em que uma das partes, abusando da inexperiência ou da premente necessidade da outra, obtém vantagem manifestamente desproporcional ao proveito resultante da prestação, ou exageradamente exorbitante dentro da normalidade. Também conceitua-se como todo o contrato em que não se observa o princípio da igualdade, pelo menos aproximada, na prestação e na contraprestação, e em que não há a intenção de se fazer uma liberalidade. Revelando a falta da eqüidade, ou a iniqüidade enorme, provoca um desequilíbrio nas relações contratuais.

Hélio Borghi173, em sua monografia a respeito da lesão, afirma ser a mesma a “proteção posta à disposição por estas legislações, no

sentido de ser considerado nulo, ou de ser anulado, um ato ou negócio jurídico, de caráter comutativo, em que as prestações devidas pelas partes, no momento da celebração da avenca, não sejam proporcionais em relação ao quanto que tais legislações fixem, ou ao arbitrado pelo juiz, e

170 Sílvio Rodrigues, Vícios do consentimento, p. 209, apud Marcelo Guerra Martins, Lesão, cit. p. 69. 171 Darcy Bessone de Oliveira Andrade, Do contrato: teoria geral, p. 265, apud Marcelo Guerra Martins,

Lesão, cit. p. 70.

172 Arnaldo Rizzardo, Da ineficácia dos negócios jurídicos, Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 69. 173 Hélio Borghi, A lesão, cit. p. 21-22.

que tal desproporção seja originada da inexperiência, leviandade ou estado de necessidade da parte lesada na avenca, podendo tal anulação ser evitada com a complementação do preço ao valor real, ou, se o lesado for o comprador que pagou mais pelo que valia menos (observando-se os mesmos pressupostos), a devolução, pela parte a quem aproveitou a desproporção, do equivalente ao excesso do justo preço, podendo tal complementação ou devolução ser diminuída ou acrescida de um décimo do valor.”

Resumidamente, e permitindo uma construção da análise de seus elementos, podemos adotar como síntese de todas as definições historicamente construídas a definição da lesão como “o prejuízo resultante

da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico, em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes.”174 Deve-se perceber, com base em tal

definição, que a lesão como desproporção das prestações de um negócio é um efeito e não o negócio em si ou a sua causa. Assim, considerando que as legislações modernas têm admitido a existência da lesão independentemente da existência do dolo de aproveitamento, há que se entender a lesão como um efeito de um contrato que não atende ao requisito da equivalência de prestação, tendo por causa um dos elementos subjetivos ligados à vítima da lesão.175

174 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, v. 1: parte geral, São

Paulo: Saraiva, 2002, p. 370. Heinrich Lehmann, Tratado, cit. p. 293. Eduardo A. Zannoni, Ineficacia, cit. p. 309. Jean Carbonnier, Derecho, cit. p. 211. Christian Larroumet, Droit civil, t. 3: les oblligations, le contract, 4ª ed., Paris: Economica, 1998, p. 377. Louis Josserand, Derecho civil; teoria general de las obligaciones, tradução de Santiago Cunchillos y Manterola, Buenos Aires: Bosch, 1950, p. 74. Georges Ripert; Jean Boulanger, Traité de droit civil, t. II, Paris: Librairie Générale de droit et de jurisprudence, 1988, p. 105.

Em função de tal definição, podemos perceber que a lesão ocorrerá sempre que tivermos presentes, de maneira geral, uma parte prejudicada, seja por sua condição econômica, seja por sua condição cultural, e uma parte beneficiada normalmente por sua uma vantagem de fato que desfruta ou, mais comumente, uma posição econômica diferenciadora, gerando, de forma deliberada ou não, uma quebra do princípio da comutatividade ou da equivalência de prestações da obrigação contratual. Resulta, portanto, o conceito de lesão da combinação de determinadas ocorrências contratuais que combinem a não ocorrência do “princípio da igualdade pelo menos aproximada, na prestação e na

contraprestação, e em que não há a intenção de se fazer uma liberalidade”, gerando um desequilíbrio contratual classificado pela

doutrina como “falta da eqüidade, ou a iniqüidade enorme.”176

Tal situação tem história no Estado brasileiro, a exemplo da situação dos imigrantes italianos do final do século XIX, que faziam negócios extremamente lesivos junto aos coronéis proprietários dos

armazéns das fazendas.177 Observa-se hoje os mesmos requisitos de

constituição da lesão nos negócios levadas a termo por produtores de certas mercadorias ou pelo mercado financeiro, que detém o monopólio da venda de capital, obrigando a parte mais fraca economicamente a realizar negócios descaradamente lesivos à parte mais fraca.

A construção legislativa que se seguiu da entrada em vigor do Código Civil de 1916, adotando, para determinadas situações, o princípio da lesão como causa de anulação do negócio, nos obriga a diferenciar, minimamente, três modalidades de lesão no direito brasileiro. A lesão

176 Arnaldo Rizzardo, Contratos, cit. p. 245.

ocorrida em função de negócios que atentam contra a econômica popular; a lesão nas relações de consumo e a lesão dos contratos em geral, esta renascida em função da nova codificação.