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5. LESÃO NO DIREITO COMPARADO 1 Direito alemão

5.5. Direito argentino

A redação original do atual Código Civil argentino não pevia a lesão como causa de nulidade, anulação ou rescisão do negócio jurídico. Tal prerrogativa não foi aceita por Vélez Sarsfield, conforme comentário ao art. 943 do Código Civil argentino, aceitando como causa de anulação do negócio jurídico somente os vícios clássicos: erro, dolo, fraude e simulação.389 Cifuentes, em sua obra sobre o negócio jurídico, afirma que Vélez entendia que somente os pressupostos dos vícios originariamente previstos no Código Civil argentino “poderiam dar por resultado que as

partes questinassem a plena vigência do acordado, eximindo-se de seu estrito cumprimento.”390

Em momento posterior à entrada em vigor do Código Civil argentino, a jurisprudência passou a admiti-la em alguns casos, sendo, posteriormente, expressamente prevista pela Lei n° 17.711, alterando a redação do art. 954, acrescentando-lhe um parágrafo segundo,391 ficando assim redigido:

“Art. 954.

389 Santos Cifuentes, Negócio, cit. p. 467. 390 Santos Cifuentes, Negócio, cit. p. 467.

§2°. También podrá demandarse la nulidad o la modificación de los actos jurídicos cuando una de las partes explotando la necesidad, ligeireza o inexperiencia de la otra, obteviera por medio de ellos una ventaja patrimonial evidentemente desproporcionada y sin justificación. Se presume, salvo prueba em contrario, que existe tal explotación en caso de notable desproporción de las prestaciones. Los cálculos deberán hacerse según valores al tiempo del acto y la desproporción deberá subsistir en el momento de la demanda. Sólo el lesionado o sus herederos podrán yercer la acción cuya prescripción se operará a los cinco años de otorgado el acto. El accionante tiene opción para demandar la nulidad o un reajuste equitativo del convenio, pero la primera de estas acciones se transformará en acción de reajuste si éste fuera ofrecido por el demandado al contestar a demanda.”392

Percebe-se que o instituto, com a redação determinada pelo citado Decreto-lei, trouxe, segundo Ghersi, alterações de ordem sociológica e de ordem econômica ao ordenamento jurídico argentino. Para referido autor, sociologicamente, a lesão reconhece e permite a existência de desiguais semque haja um desequilíbrio nas relações jurídicas daí decorrentes.393 No sentido econômico, houve a inclusão de um elemento ético á busca das vantagens econômicas garantida pelo sistema capitalista constitucionalmente adotado. No dizer do autor, “houve a incorporação à

regra da vantagem econômica do capitalismo de um sentido ético, social ou, sem conclusão, de teleologia social.”394

392 Art. 954, §2°, Código Civil argentino. Também se poderá demandar a nulidade da modificação dos

atos jurídicos quando uma das partes, explorando a necessidade, leviandade ou inexperiência da outra, obteve por meio destes uma vantagem patrimonial evidentemente desproporcional e sem justificação. Se presume, salvo prova em contrário, que existe tal exploração em caso de notável desproporção das prestações. Os cálculos deverão fazer-se segundo os valores ao tempo do ato e a desproporção deverá subsistir no momento da demanda. Somente o lesionado ou seus herdeiros poderão exercer a ação cuja prescrição ocorrerá no prazo de cinco anos da realização do ato. O acionante tem opção para demandar a nulidade ou um reajuste eqüitativo do acordo, mas a primeira destas ações se transformará em ação de reajuste se este for oferecido pelo demandado ao contestar a demanda.

393 Carlos Alberto Ghersi, Derecho, cit. p. 430. 394 Carlos Alberto Ghersi, Derecho, cit. p. 431.

Para Cifuentes, a lesão trazida pela reforma do Código Civil argentino é a subjetiva-objetiva, com a necessidade de combinação da condição pessoal de necessidade e inexperiência do lesado, com a

vantagem desproporcional por parte do beneficiado.395 Tal

desproporcionalidade não pode ser simples, mas evidentemente desproporcional, demonstrando que a vantagem econômica havida é grotesca e manifestamente excessiva, sendo a origem da tal desquilíbrio a existência de algum dos elementos subjetivos da lesão.396

O dolo de aproveitamento é resultado da exploração, sendo exercido como conseqüência do conhecimento ou possível conhecimento por uma das partes da condição deficitária da outra.397 A própria redação do dispositivo cria uma presunção de existência do dolo de aproveitamento, ao afirmar que a existência do elemento subjetivo por parte do beneficiado é presumida pela manifesta desproporção.398

Tem a natureza jurídica de vício do consentimento.399 Os elementos subjetivos e objetivos são iguais aos de outros sistemas, com a previção da desproporção evidente como elemento objetivo, e a existência da exploração da necessidade, inexperiência ou leviandade como elementos subjetivos.400 A desproporção deverá ser aferida com base nos valores do momento de realização do negócio, através de manifestação do juiz, já que não há tarifamente legal.401

395 Santos Cifuentes, Negócio, cit. p. 468. 396 Carlos Alberto Ghersi, Derecho, cit. p. 432. 397 Santos Cifuentes, Negócio, cit. p. 473. 398 Eduardo A. Zannoni, ineficacia, cit. p. 330. 399 Santos Cifuentes, Negócio, cit. p. 473. 400 Santos Cifuentes, Negócio, cit. p. 478-480

O parágrafo terceiro do art. 954, do Código Civil argentino, repete a presunção já enunciada no parágrafo segundo, ao prever a presunção da exploração quando há notável desproporção das prestações.402 Trata-se de caso de dolo in re ipsa.

Cifuentes entende que a presunção determinada no dispositivo recai somente sobre o dolo de aproveitamento ou exploração da condição inferior da outra parte, não dispensando-se que o lesado demonstre um dos três elementos subjetivos a ele ligados, ou seja, a necessidade, inexperiência ou leviandade, embora afirme a existência de oponiões no sentido de que a demonstração da desproporção maifesta indica, de forma conexa, a existência do elemento subjetivo ligado ao lesado.403

Como conseqüência, prevê-se a nulidade relativa do ato,404 mas sempre será possível a manutenção do negócio, com a sua integração de acordo com os ditâmes da eqüidade. No caso, tanto o lesado poderá optar pela ação de adequação, como o beneficiado poderá, em contestação, oferecer-se à complementação do preço ou devolução do excesso, mantendo-se a eficácia patrimonial perfeito do ato.405

O exercício da ação, de acordo com o dispositivo legal, somente é deferido ao próprio lesado ou a seus herdeiros, havendo obrigatoriamente que se demonstrar a continuidade da lesão no momento do início da demanda.406 Ghersi discorda do posicionamento legal quando à necessidade de permanência da lesão no momento de ingresso com a ação,

402 Art. 954, §3°, Código Civil argentino. Se presume, salvo prueba en contrario, que existe tal

explotación en caso de notable desproporción de las prestaciones. (Se presume, salvo prova em

contrário, que existe tal exploração em caso de notável desproporção de tais prestações.

403 Carlos Alberto Ghersi, Dercho, cit. p. 435. Santos Cifuentes, Negócio, cit. p. 484. 404 Santos Cifuentes, Negócio, cit. p. 490.

405 Carlos Alberto Ghersi, Derecho, cit. p. 436. 406 Eduardo A. Zannoni, Ineficacia, cit. p. 322.

entendendo que há situações em que já findou o negócio, mas permanece presente o dano causado pela desproporcionalidade. Não se poderia, em tais casos, impedir a ação de lesão, pois, caso contrário, haveria uma quebra da teleologia esperada pela própria natureza da norma.407

5.6. Análise comparativa do instituto no sistema brasileiro e outros