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5. LESÃO NO DIREITO COMPARADO 1 Direito alemão

5.4. Direito português

“A lesão, sob forma rigorosamente definida, já aparece nas Ordenações Afonsinas (1446), título XLV, Livro IV, adotando o

tarifamento em metade do valor do preço na compra e venda. O texto legal da época afirma que todos os contratos comutativos, que se designam as

avencas em que se dá ou deixa uma cois apor outra, segundo a expressão legal, podem ser rescindidos por lesão enorme.”378

As Ordenações Manuelinas (1521), Título XXX, Livro IV, mantiveram o instituto, apenas reduzindo o prazo prescricional da lesão de 30 para 15 anos, além de proibir a renúncia a tal direito. Posteriormente, as Ordenações Filipinas (1603), Título XIII, Livro IV, mantiveram o instituto com a mesma regulamentação.

Segundo citação feita por Wilson de Andrade Brandão, a existência dos dispositivos a respeito da lesão nas codificações citadas não indica a primeira incidência do instituto em terras portuguesas. Antes disto, outras legislações contribuíram para a formação e conformação da previsão

376 C. Massimo Bianca, Diritto, cit. p. 650. 377 C. Massimo Bianca, Diritto, cit. p. 650. 378 Wilson de Andrade Brandão, Lesão, cit. p. 130.

trazidas nas ordenações, através de leis gerais, desde Afonso II; o pronunciamento e decisões das Cortes, a partir de Afonso IV; as normas de direito romano aplicáveis; concordatas entre D. Dinis, D. Pedro, D. João I e os sumos pontífices e prelados do reino; o direito canônico; o Código das Sete Partidas, dentre outros.379

Em sua redação original, previa o Código Civil português a lesão com causa de nulidade relativa do negócio, assemelhando-se à figura da usura,380 podendo o lesado optar pela modificação por eqüidade da obrigação. Da mesma forma, se requerida a nulidade, poderá o beneficiado oferecer a redução da sua vantagem, mantendo-se o negócio de forma com o equilíbrio necessário.381

Verifica-se, de acordo com o texto original, que a exigia, para sua configuração a consciência de aproveitamento da situação peculiar do lesado, ou seja, o aproveitamente consciente deve ter sido a causa da desproporção observada no negócio.382 Ainda, exige que a desproporção seja qualificada, já que afirma que a mesma deve ser manifesta, ficando ao arbítrio do julgador decidir se a desproporção questionada é manifesta ou não.383

379 Wilson de Andrade Brandão, Lesão, cit. p. 131. 380 Art. 282° Código Civil português (negócios usurários)

1. É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, aproveitando conscientemente a situação de necessidade, inexperiência, dependência ou deficiência psíquica de outrem, obteve deste, para si ou para terceiro, a promessa ou concessão de benefícios manifestamente excessivos ou injustificados.

2. Fica ressalvado o regime especial estabelecido para o mútuo no artigo 1146º.

381 Mário Júlio de Almeida Costa, Direito, cit. p. 622.

Artigo 283º Código Civil português (Modificação dos negócios usurários)

1. Em lugar da anulação, o lesado pode requerer a modificação do negócio segundo juízos de eqüidade. 2. Requerida a anulação, a parte contrária tem a faculdade de opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do negócio nos termos do número anterior.

382 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado; vol. I (artigos 1° a 761°), 4ª ed. rev. e atual.

com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 259.

Posteriormente, a redação original do Código Civil português sofreu alteração, por força do Dec.-lei n° 262/83, de 16 de junho, sendo retirado o termo manifestamente, considerando que a simples existência da desproporção que atinja o equilíbrio natural do negócio seria suficiente à configuração da lesão. Da mesma forma, retira a expressão “aproveitando

conscientemente a situação de necessidade, dependência ou deficiência psíquica de outrem”, substituindo-o por “explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter de outrem”.

A modificação, segundo Pires de Lima e Antunes Varela384, foi meramente estética, já que “explorar e aproveitar conscientemente

certas situações são expressões de significação idêntica, não se vendo qualquer justificação para a alteração introduzida.”

Segundo o disposto no Código Civil português, os elementos constitutivos da lesão, como usualmente ocorre nos outros sistemas já analisados, serão: a) a situação de inferioridade do declarante; b) obtenção de benefícios excessivos ou injustificados; c) a intenção ou consciência do

usurário de explorar a referida situação de inferioridade.385 Como

conseqüência, haverá a anulabilidade do negócio lesivo, não sendo considerada causa de rescisão ou de invalidade absoluta do negócio.386

Prevê a possibilidade, desde que demonstrada a existência da desproporção das prestações, considerado o caso concreto, já que não há tarifamento por parte da legislação. Ainda, requer o dolo, exigindo o aproveitamento consciente da condição desvantajosa da outra parte

384 Pires de Lima e Antunes Varela, Código, cit. p. 261. 385 Mário Júlio de Almeida Costa, Direito, cit. p. 621. 386 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria, cit. p. 98.

contratante, semelhantemente ao dispositivo do art. 138 do Código Civil alemão. Sobre o dolo de aproveitamento, entende a doutrina portuguesa que “não constitui um pressuposto legal da usura que o usurário leve a

outra parte a praticar o negócio: basta aproveitar-se da disposição desta.”387

Adota amplamente o princípio da conservação do negócio jurídico, com a modificação eqüitativa do conteúdo da relação negocial, seja a pedido direto da parte lesada, seja como medida impeditiva da anulação do negócio alegada pela parte beneficiada pelo negócio lesivo.

Interessa notar que o art. 282, do Código Civil português, ao prever a anulabilidade do negócio pela existência da lesão, traz exceção quanto às situações especialmente regulamentada pelos artigos 559°-A e 1446°, citados na alínea 2.388 Segundo os dispositivos em questão, há um regime específico para a lesão (ou usura) nos casos de contratos de mútuo, tornando determinável a taxa de juros legais e, de forma diversa que a lesão em sentido estrito, tarifando o valor do excesso da contraprestação de juros caracterizador da usura.

387 Heinrich Ewald Hörster, A parte geral do Código Civil português: teoria geral do direito civil,

Almedina: Coimbra, p. 559.

388 Art. 559°-A (Taxa de juro), com a redação dada pelo Dec.-lei 220-C/80, de 34-6:

1. Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantidativos são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano.

2. A estipulação de juros de taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais.

Art. 1146° (Usura)

1. É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros superiores em 3% ou 5% aos juros legais, conforme exista ou não garantia real.

2. É havido também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do empréstimo, relativamente ao tempo da mora, mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima do juro legal, conforme exista ou não garantia real.

Nestes casos, aplicáveis somente no que diz respeito aos juros e cláusula penal em contratos de mútuo, não haverá liberdade do juiz para a verificação se a desproporção apresentada é ou não caracterizador da lesão usurária, havendo claro tarifamento no que diz respeito aos juros em si e à cláusula penal estabelecida em tais negócios.