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4. MODALIDES DA LESÃO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

4.2. Lesão usurária

A primeira manifestação moderna da lesão no ordenamento jurídico brasileiro, após a edição do Código Civil brasileiro de 1916, foi a Lei n. 1.521, de 26.12.1951, conhecida como Lei de Crimes contra a Economia Popular, que substituiu o Decreto-lei n. 869, de 18.11.1938.

267 Alguns afirmam a existência ainda da lesão nos casos previstos na Medida Provisória n° 2.172-32, de

23.08.2001, afirmando a nulidade dos negócios jurídicos que contenham disposições usurárias e que gerem excessivas vantagens a uma das partes. Entretanto, considerando-se o texto do art. 2°, da Emenda Constitucional n° 32, e o fato do Código Civil ter regulamentado em seu todo os negócios lesivos, seja por usura, seja pelas vantagens excessivas, haveria que se entender pela revogação dos dispositivos de tal medida provisória que tratem sobre a lesão.

Tal norma, de intuito punitivo, visando evitar a exploração econômica por parte de pessoas que detivessem influência na formação do mercado de consumo, estabeleceu uma mistura de aspectos de ordem exclusivamente penal e efeitos civis-contratuais.

Em sua construção, houve a combinação de elementos objetivos e subjetivos, já que previa a exploração constituinte da lesão como conduta criminosa, apesar de construir um conceito de lesão, pelo menos quanto aos elementos constitutivos, similar ao conceito de usura trazido pelo art. 138 do Código Civil alemão (BGB).

Em sendo uma conduta criminosa e, nos termos dos princípios de direito penal vigentes, não se poderia permitir a ocorrência da mesma de forma culposa, exigindo-se, ante a ausência daquela previsão, a demonstração da intenção, do dolo na realização da exploração, para a configuração da usura. Assim, para a doutrina e em decorrência da natureza da lei, a lesão ocorre quando o crime se configura, exigindo-se a demonstração do dolo de aproveitamento, além dos elementos subjetivos ligados ao lesado: necessidade, inexperiência e leviandade.

O texto legal estabelece um limite para os lucros a serem obtidos em negócios jurídicos, considerando o desrespeito a tais limites, configurado pela exigência de valores superiores aos valores de mercado, atingida uma determinada taxa, usura pecuniária, suficiente à contaminação do negócio. Fixa como limite o índice de um quinto do valor corrente ou justo para a prestação correspondente do objeto do negócio.268

268 Wilson de Andrade Brandão (Lesão, cit. p. 196-197), afirma que a natureza jurídica do art. 4°, da Lei

n. 1.521/51, tem uma dupla entidade jurídica: primariamente é de ordem pública, punindo a lesão com o intutio de prover serventia social e prática; secundariamente dirige-se às relações privadas, quando se manifesta a respeito dos efeitos do negócio entabulado entre as partes.

Ao se considerar a estrutura de tal norma, prevendo a usura como conduta criminosa, percebe-se que houve o direcionamento da proteção contra os negócios lesivos ao próprio interesse público, suficiente a exigir a intervenção do Estado. Tal previsão, ainda que genérica e voltada para a punição de delito criminal, nos serve de base para visualizar a mudança de posicionamento do legislador, deixando de lado o liberalismo explícito e sem limites (pacta sunt servanda), passando a intervir nas cláusulas contratadas pelas partes. Dispõe o art. 4º, b, da referida lei:

“Art. 4º Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:

(omissis)

b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.”

Em que pese tratar-se de legislação tipicamente penal, podemos perceber a existência dos elementos caracterizadores da lesão em geral, ou seja, a vantagem exacerbada conseguida à custa da inexperiência ou necessidade da outra parte. No caso, a proporção do direito romano e das Ordenações que exigiam uma diferença de metade do valor real do negócio obtido por usura, aqui fica reduzida ao lucro que exceder a 1/5 o valor corrente do negócio.

Sendo tal objeto de negócio (negócio usurário) caracterizados de conduta criminosa, não se pode deixar de pensar que a causa do mesmo foi a existência de um contrato que envolva um objeto ilícito, tendo, como

decorrência natural, a nulidade absoluta do mesmo, por aplicação expressa do art. 166, II, do Código Civil brasileiro.269

Embora tal seja o raciocínio mais lógico, dentro da teoria da nulidade absoluta prevista na teoria geral do direito civil, tem-se que, por expressa disposição legal da Lei n. 1.521/51, poderá o juiz manter os efeitos do negócio, porém adequando o seu conteúdo às determinações legais.270

Ora, se a cláusula é nula, não se admitiria a sua convalidação, nem por ato do juiz, nem a pedido das partes, nos termos dos arts. 168, parágrafo único, e 169, do Código Civil brasileiro.271 No caso, o que se percebe é que houve um distanciamento, elogiável, dos efeitos da nulidade absoluta como regra geral e a possibilidade de convalidação do negócio atingido pela lesão nos termos da legislação citada.

Haveria, ante a autorização para a readequação do negócio, não nulidade absoluta, mas sim ordem legal expressa de revisão judicial da cláusula, com a manutenção do negócio, adontando-se o princípio da

269 Art. 166, Código Civil brasileiro. É nulo o negócio jurídico quando:

I – omissis;

II – for ilícito, impossível ou indeterminado o seu objeto;

Omissis.

270 Dispõe o §3°, do art. 4°, da Lei n. 1521/51: “A estipulação de juros ou lucros usurários será nula,

devendo o juiz ajustá-los à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os juros legais a contar da data do pagamento indevido.”

271 Art. 168, Código Civil brasileiro. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por

qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las ainda que a requerimento das partes.

Art. 169. O negócio jurídico nulo nãoé suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

conservação do negotium juris272, não mantendo, mas adequando o

negócios às regras legais aplicáveis.

O instituto, de uma maneira geral, teve pouca aplicação prática no âmbito privado já que, com a necessidade de se demonstrar o dolo de aproveitamento, dificultou-se a comprovação de um de seus pressupostos subjetivos.