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3. ENSINO DE GEOMETRIA: TRAJETÓRIA, CONCEITOS E POSSIBILIDADES

3.2 Conceitos e habilidades geométricas em ornamentos do islã medieval

3.2.2 Conceito moderno de simetria

Esse conceito tem sua origem, no século XVIII, com o matemático francês Adrien-Marie Legendre (1752-1833), que teria sido o primeiro a formular uma definição precisa de simetria. Vale ressaltar que os estudos foram sendo aprimorados até associar, atualmente, o conceito de simetria a uma função ou transformação.

Desse modo, utilizamos a definição matemática de simetria dada em Pasquini e Bortolossi (2015). Os autores indicam a existência de três pilares para formular o conceito, são eles: transformações (funções), isometria e invariância. Posto isso, vejamos como se deu a definição.

Seja X um subconjunto não vazio no plano euclidiano ℝ². Dizemos que uma função F: ℝ² → ℝ² é uma simetria do conjunto X se F satisfaz as duas condições seguintes:

1. F é uma isometria, isto é, F preserva distâncias. Mais precisamente, quaisquer que sejam os pontos P e Q em ℝ², a distância de P e Q (no domínio de F) é sempre igual à distância de F(P) e F(Q) (no contradomínio de F).

2.

F(X) = X, isto é, X é invariante por F (a imagem do conjunto X pela função

F é igual ao próprio conjunto X).

Em relação à primeira condição, apoiamo-nos na definição de isometria dada por Lima (1996), envolvendo retas e planos:

• Uma isometria da reta r na reta s é uma função 𝑇: r→ s, que preserva a distância entre pontos. Mais precisamente, se dois pontos quaisquer 𝑋, 𝑌 ∈ r são formados por 𝑇 nos pontos 𝑋′= 𝑇(𝑋) e 𝑌′= 𝑇(𝑌) em s, então, o

comprimento do segmento de reta 𝑋̅̅̅̅̅̅̅ que liga os pontos X‘ e Y‘, é 𝑌, igual ao comprimento do segmento de reta 𝑋𝑌̅̅̅̅, que liga os pontos 𝑋 e 𝑌.

• Uma isometria entre os planos 𝛱 e 𝛱′ é uma função 𝑇: 𝛱 → 𝛱′, que preserva distâncias. Isso significa que, para quaisquer pontos 𝑋, 𝑌 ∈ 𝛱, pondo 𝑋 ′ = 𝑇(𝑋) e 𝑌 ′ = 𝑇(𝑌), tem-se 𝑑 (𝑋 ′, 𝑌 ′) = 𝑑 (𝑋, 𝑌).

Em caráter de esclarecimento sobre como se percebe a isometria, preparamos um exemplo construído por meio do software Geogebra. Na figura 23, percebemos que o segmento de reta 𝐴𝐵̅̅̅̅ foi transladado de acordo com o vetor 𝑟⃗ (2

2) e se localizou na posição do segmento de reta 𝐴′𝐵′̅̅̅̅̅̅. Nesse cenário, a distância entre o ponto A para o ponto B do segmento 𝐴𝐵,̅̅̅̅̅ que é de três unidades, é exatamente igual à distância do ponto A’ para o ponto B’ do segmento 𝐴𝐵̅̅̅̅. Isso implica que, apesar de transladado, o objeto preservou as distâncias. Por consequência, tal evento se caracteriza como sendo uma isometria. Portanto, uma isometria é uma transformação em que as distâncias são preservadas.

Figura 23: Exemplo de isometria

Fonte: Elaboração do autor (Geogebra)

Para exemplificar a segunda condição, ou seja, a de invariância do objeto, apresentamos, também, uma construção feita no Geogebra.

Então, dado o quadrado ABCD expresso na figura, temos que ele sofre uma translação em consequência do vetor 𝑢⃗⃗ (2

2), tendo como imagem o quadrado A’B’C’D’. Observemos que os pontos que formam os vértices do quadrado ABCD, quando foram transladados para o A’B’C’D’, obedeceram, exatamente, a lei estabelecida pelo vetor u. Posto isso, acrescentamos a ocorrência de isometria, o que aponta que as distâncias entre os vértices foram preservadas no objeto transladado.

Por fim, tomamos o ponto E no centro do quadrado ABCD e o E’ no centro do quadrado A’B’C’D’, percebemos que o E’ é o resultado da transformação de E e, desse modo, conjecturamos que todos os pontos internos do quadrado ABCD são, igualmente, transladados para o quadrado A’B’C’D’, conservando, assim, a estrutura do objeto. Nesse sentido, concluímos que a transformação é invariante. Isso quer dizer que, quando o quadrado ABCD sofreu a transformação, ele continuou sendo um quadrado, em que as distâncias entre seus vértices e área inicial foram preservadas. Diante disso, constatamos que a invariância se constitui na permanência de todos os grupos estruturais que compõem o objeto.

Figura 24: Exemplo de invariância

Fonte: Elaboração do autor (Geogebra)

Tipos de isometrias

Retomando as ideias postas, temos, em resumo, que a isometria é um tipo de transformação no plano e a simetria é consequência de uma isometria.

De um modo mais explicativo e didático, a isometria se trata de transformações geométricas no plano, que ocorrem por meio de um movimento rígido, que se

configura como sendo toda maneira de mover todos os pontos do plano, de modo que a distância relativa entre pontos e a sua posição relativa permaneçam as mesmas. Assim, por uma isometria, a figura geométrica é deslocada, mantendo-se sua forma e tamanho, o que caracteriza a ocorrência de simetria entre a figura inicial e a que foi originada pelo movimento (FARMER, 1999).

A seguir, definimos três tipos de isometrias, são elas: translação, rotação e reflexão. Vale dizer que existem outros tipos, porém, dentro do nosso contexto de abordagem, resolvemos nos ater somente a esses.

Reflexão (em torno de uma reta)

Conforme Lima (1996, p. 18), definimos reflexão em torno de uma reta assim: “seja r uma reta no plano 𝛱. A reflexão em torno da reta r é a função 𝑅𝑟: 𝛱→ 𝛱, assim definida: 𝑅𝑟 (X) = X para todo X ∈ r e, para X ∉ r, 𝑅𝑟 (X) = X’ é tal que a mediatriz do segmento XX’ é a reta r”.

Para ilustrarmos a definição, construímos um exemplo representado pela figura 25. O triângulo ABC faz uma reflexão em torno da reta s (eixo de simetria), gerando o triângulo A’B’C’. Sendo que M é ponto médio do segmento 𝐴𝐴′̅̅̅̅̅, M’ é ponto médio 𝐶𝐶′̅̅̅̅̅ e M’’ é ponto médio de 𝐵𝐵′̅̅̅̅̅.

Figura 25: Reflexão do triângulo ABC em torno de uma reta

Para que essa reflexão seja uma isometria e, por consequência, traduza-se uma simetria, é necessário que as distâncias (𝑑), entre os determinados seguimentos, sejam iguais: 𝑑 𝐴𝐵̅̅̅̅̅ = 𝑑 𝐴′𝐵′̅̅̅̅̅̅̅ ; 𝑑 𝐴𝐶̅̅̅̅̅ = 𝑑 𝐴′𝐶′̅̅̅̅̅̅̅ ; 𝑑 𝐵𝐶̅̅̅̅̅ = 𝑑 𝐵′𝐶′̅̅̅̅̅̅̅ .

Translação

Segue a definição de translação no plano:

Dado um segmento orientado 𝐴𝐵 e o ponto 𝑃 no plano 𝛱, existe um único ponto 𝑄 ∈ 𝛱 tal que os segmentos orientados 𝐴𝐵 e 𝑃𝑄 são equipolentes, isto é 𝑃𝑄⃗⃗⃗⃗⃗⃗ = 𝐴𝐵⃗⃗⃗⃗⃗⃗= 𝑣. 𝑄 é o quarto vértice do paralelogramo que tem 𝐴𝐵 e 𝐵𝑃 como lados. Escreve-se 𝑄 = 𝑃 + 𝑣 e se diz que o vetor 𝑣 = 𝐴𝐵⃗⃗⃗⃗⃗⃗ transportou o ponto 𝑃 para a posição 𝑄. 𝑄 = 𝑇𝐴𝐵 (𝑃) = 𝑇𝑣 (𝑃) (LIMA,1996, p. 20-21).

Na figura 26, elaboramos um exemplo de translação, em que o triângulo ABC é transladado ao longo do vetor 𝑢⃗⃗. A imagem, no plano do objeto inicial, é o triângulo A’B’C’.

Figura 26: Translação do triângulo ABC ao longo do vetor 𝑢⃗⃗

Considerando que todos os pontos que constituem o triângulo ABC foram transladados, simultaneamente, pelo vetor 𝑢⃗⃗, formando o triângulo A’B’C e que, por isso, 𝐴𝐵̅̅̅̅ = 𝐴′𝐵′̅̅̅̅̅̅; 𝐴𝐶̅̅̅̅ = 𝐴′𝐶′̅̅̅̅̅ e 𝐵𝐶̅̅̅̅ = 𝐵̅̅̅̅̅̅, dizemos que ocorreu isometria.′𝐶′

Rotação

Lima (1996, p. 21-22) define a rotação da seguinte forma:

Seja O um ponto dado no plano 𝛱 e 𝛼 = 𝐴Ô𝐵 um ângulo de vértice 𝑂. A rotação de 𝛼 em torno do ponto 𝑂 é a função 𝜌𝑂,𝛼: 𝛱 → 𝛱, assim definida: ρ𝑂,𝛼 (𝑂) = 𝑂 e, para todo ponto 𝑋 ≠ 𝑂 em 𝛱, ρ𝑂,𝛼 (𝑋) = 𝑋′ é o ponto do plano 𝛱 tal que 𝑑(𝑋,𝑂) = 𝑑(𝑋 ′ ,𝑂) e 𝑋Ô𝑋 ′ = 𝛼 (o sentido de rotação de 𝐴 para 𝐵 é o mesmo de 𝑋 para 𝑋′).

Na figura 27, o triângulo ABC é rotacionado em torno do ponto A no sentido horário e em 𝛽 =180º. O triângulo A’B’C’ preserva todas as propriedades e medidas do triângulo de origem e, assim, configura-se em uma isometria.

Figura 27: Rotação de 180º do triângulo ABC em torno do ponto A no sentido horário

No quadro 3, fizemos alguns comentários sobre os conceitos de transformação, isometria e simetria. O intuito é proporcionar uma compreensão geral e intuitiva desses conceitos.

Quadro 3: Comentários sobre transformações

Fonte: Adaptação do autor com base em Farmer (1999)

Conceitos Comentários

Transformação Geométrica

A transformação seria um movimento realizado por um objeto A (figura geométrica) no plano ou em planos diferentes, que gera outro objeto A’ e que este último preserva a estrutura do primeiro. Destacamos dois tipos de transformações geométricas, são elas: isometria (congruência) e homotetia (semelhança). Porém damos ênfase, em nossos estudos, apenas à isometria.

Transformação isométrica

Um tipo de transformação em que as distâncias são preservadas. Há vários tipos de isometrias, mas, aqui, consideramos três, são elas: reflexão em relação a uma reta, translação e rotação em torno de um ponto.

Simetria A simetria seria uma transformação isométrica, que preserva TODA a estrutura do objeto, ou seja, ângulos, distâncias, tamanho e formas. Isso implica que o objeto gerado é “exatamente” igual ao objeto de origem.

Nessa mesma direção, construímos o quadro, a seguir, com algumas ilustrações e percepções sobre os três tipos de isometrias.

Quadro 4: Ilustrações e observações sobre algumas isometrias

Tipos de isometrias Representação Pontos fixos Sentido

Reflexão com relação a uma reta (efeito de espelho)

Infinitos É invertido

Translação

Nenhum Permanece

Rotação em torno de um ponto no sentido horário

Um Permanece

Fonte: Elaboração do autor

Nesta seção, dedicamo-nos a falar um pouco sobre simetria. Vimos que, ao longo da história, sobretudo, na época antiga e medieval, o seu conceito foi atrelado a diferentes percepções, tendo representação nas artes e na arquitetura e, além disso, também, desempenhou papéis estéticos e espirituais. Contudo, sua relação com a matemática é de milênios e, como vimos, foi associada a temas como regularidade, proporcionalidade, comensurabilidade, entre outros. No entanto, é, na era moderna, que matemáticos começam a pensar na simetria como uma transformação de objetos no plano ou entre planos e, assim, iniciam um processo de construção de seu conceito, baseando-se na formalidade e no rigor matemático. Isso fez com que a simetria passasse a ganhar uma definição puramente matemática e possibilitou que ela fosse definida estabelecendo relação com a teoria dos números, com grupos e, consequentemente, com o estudo de funções ou transformações, conforme apresentamos.