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3. ENSINO DE GEOMETRIA: TRAJETÓRIA, CONCEITOS E POSSIBILIDADES

3.3 Uma abordagem diferente

Como dissemos antes, propor um entrelaçamento entre as temáticas história- arte-geometria requer mais ambição por parte do professor, ou seja, é preciso enxergar que essa é uma oportunidade carregada de potencial.

Para perceber essa potencialidade, apoiamo-nos na TO como a teoria de aprendizagem capaz de proporcionar um outro olhar para a matemática, olhar esse que propõe expandir as fronteiras das possibilidades conhecidas.

A TO, como dito em outro capítulo, apresenta uma visão epistemológica diferente de outras teorias50 e defende o saber matemático como sendo um sistema de ações constituídas historicamente e culturalmente. Dessa forma, somos

impulsionados, por essa teoria, a observar outros aspectos diante de um conhecimento matemático que foi produzido dessa maneira. Somado a isso, incluímos o modo como Saito (2016) explica a recorrência da história no ensino. No capítulo seguinte, iremos discutir mais sobre as ideias desse autor. Contudo, adiantamos que seu trabalho faz uma discussão a favor de que, quando se pretende recorrer à HM em detrimento às ações pedagógicas, o foco do estudo poderia ser melhor explorado se fosse levado em consideração o processo pelo qual o conceito matemático em questão foi mobilizado. Isso implica em valorizar os contextos.

Esses dois pensamentos teóricos citados, a nosso ver, conectam-se, ou seja, um conceito matemático pensado como uma produção cultural, ao longo do tempo, pode ser explorado historicamente, de modo que seja valorizado o contexto que o mobilizou. Vale ressaltar que conforme a TO defende, estamos concebendo o ensino e a aprendizagem com um processo único. Portanto, esta abordagem diferente que colocamos aqui está atrelada à busca de ações pedagógicas que potencializem a aprendizagem.

Então, se retomarmos os ornamentos islâmicos medievais, tendo como apoio essas ideias, passamos a enxergar outros objetos além dos matemáticos e geométricos.

Dessa forma, os conceitos geométricos, que queremos explorar, farão parte de um esforço muito maior, ou seja, com eles, teremos a oportunidade de formular outros objetivos que estarão ligados a compreender, por exemplo: a cultura islâmica no seu estilo de vida medieval; perceber outras formas de lidar com a matemática e/ou com a geometria; ver as características de um estudioso daquela época, no nosso caso, Abu’l-Wafa (940-998); estudar a produção artística, assim como reconhecer os valores estéticos, religiosos e políticos que fizeram os islâmicos escolherem os padrões geométricos como um de seus principais tipos de ornamentação.

Um dos olhares, já citados, que poderia ser bem explorado no contexto dos ornamentos do mundo islâmico, seria o senso estético. Se esse conceito é colocado, aqui, sob uma perspectiva histórico-cultural, ou seja, como sendo a relação estabelecida do homem com a realidade, no sentido da produção humana de sentidos, temos que a expressão artística dos islâmicos são potencialmente reveladoras no tocante a ser possível extrair os traços estéticos firmados entre o homem islâmico e os ornamentos produzidos por ele. Essa civilização, como vimos antes, deposita, por exemplo, muitos significados, sobretudo, espirituais nessas obras.

Outro olhar poderia ser dado à compreensão do papel das cores em um mosaico. Nesse sentido, indagamo-nos: como é possível considerar as cores se elas não são atributos geométricos? Fonseca (2013) e Mendes (2008) apontam para uma sistematização das formas e das cores para definir a estrutura do mosaico. Logo, conjecturamos que as cores fazem parte de atributos não geométricos, os quais se incorporam nas figuras geométricas para ajudar a identificar, diferenciar e embelezar os padrões presentes em um mosaico.

Posto isso, o fato é que, quando enxergamos ou tomamos o nosso estudo conforme a base teórica citada, estamos admitindo a existência de uma matemática mais humana e mais presente na cultura.

Então, seria um desperdício realizar uma viagem no tempo de quase mil anos atrás e direcionar o olhar apenas para a história do conceito geométrico em si. Concebemos que é bem mais instigante e emocionante esmiuçar o processo que faz com que os conceitos matemáticos sejam percebidos entrelaçados no processo de produção cultural de uma civilização pertencente a uma época e região.

Por fim, pretendemos, aqui, potencializar a aprendizagem de geometria concebendo que todos os conhecimentos envolvidos no entrelaçamento, que propomos, sejam resultado de um conjunto de ações desenvolvidas culturalmente e historicamente. Sendo assim, a investigação de todo o processo, que envolve esses conhecimentos seria capaz de proporcionar aos professores a possibilidade de formular mais objetivos e, consequentemente, estender as dimensões de aprendizagem.

Para encerrar este capítulo, recapitulamos, cronologicamente, algumas ideias apresentadas. No início, expomos, brevemente, uma revisão da trajetória do ensino de geometria nas escolas de ensino básico no Brasil. Desde o início, fomos conhecendo as mudanças que os movimentos, reformas, documentos oficiais, poder público, assim como a comunidade de pesquisadores e matemáticos, ofereceram à geometria. Nesse percurso, foi perceptível ver que as mudanças sociais e políticas exercem um certo poder para influenciar e interferir nos rumos pelos quais a educação caminha.

Pedagogicamente, a geometria, nesse cenário, foi discutida nas escolas assumindo abordagens ora intuitiva e experimental, ora mais axiomática e rigorosa. Um dia baseando-se nos métodos euclidianos, outro dia repelindo-se deles. De certo, é que, com a chegada do MMM, na década de 1960, ao Brasil, foi proposta a

implementação de uma nova matemática, pautada nas evoluções matemáticas desenvolvidas, principalmente, no século anterior. Apesar desse movimento ter sido de mobilização mundial e, consequentemente, de muita importância, os efeitos provocados por ele, para o ensino de geometria, não foram os melhores, como apontaram Pavanello (1989), Lorenzatto (1995) e outros.

Segundo esses autores, os professores da época não estavam preparados para lidar com a proposta curricular trazida pelo MMM, a qual orientava o estudo de transformações geométricas e vetores. A falta de formação continuada, para todos, fez persistir o despreparo dos professores e, quando o movimento sucumbiu, o abandono da geometria se tornou inevitável. Isso porque não se sabia mais o que ensinar em geometria, já que a grande massa de professores não dominava o conteúdo como proposto pelo MMM e nem queriam voltar a ensinar a geometria tradicional das décadas de 1940 e 1950.

Diante desse diagnóstico de abandono, o resgate da geometria foi sendo pensado e começou a engatinhar. Porém, isso não se confirmou, pelo menos, até o final do século passado (SOARES, 2012). Os primeiros 14 anos do novo milênio se caracterizaram pela realização de várias pesquisas, em que se constatou uma busca por novas abordagens para o desenvolvimento da aprendizagem em geometria. Nesse cenário, cresceu o interesse em se trabalhar a geometria por um viés empírico- ativista, utilizando, principalmente, materiais manipuláveis, além disso, este século vem apresentando inovações tecnológicas e, desse modo, pudemos conhecer alguns softwares de geometria dinâmica, que estão ajudando os professores que têm acesso a planejarem suas aulas, utilizando essas ferramentas digitais.

Posta essa primeira parte do capítulo, julgamos ter sido de suma importância estudar e descrever sobre cada aspecto citado. Isso nos ajudou a compreender um pouco sobre como e por que ensinamos matemática da forma que ensinamos.

Em seguida, debruçamo-nos em apresentar a parte da geometria que escolhemos estudar. E, como posto, dialogamos sobre os conceitos geométricos que podem ser incorporados nos ornamentos geométricos do islã medieval, como são muitos, resolvemos tratar apenas de simetria. Sobre ela, discutimos sobre sua importância, presença nos documentos oficiais e a sua eminente recorrência em alguns livros didáticos atuais, apresentamos, também, como o seu conceito recebeu diferentes interpretações até chegar em uma definição puramente matemática. Além

disso, ainda, constatamos, por meio de exemplos, a presença de simetria nos ornamentos históricos tratados na nossa pesquisa.

Apesar de termos direcionado o estudo de simetria até sua formalização axiomática, não significa que o último formato representa a definição definitiva. Pelo contrário, nossas pretensões são de levantar diversas possibilidades, para que o professor ou o pesquisador, que ler esta dissertação, possa refletir e escolher o melhor caminho. Então, o que fizemos foi apresentar possibilidades. Posto isso, encerramos o capítulo, apresentando nossa visão fundamentada pela TO e pelos estudos de Saito (2015;2016), os quais nos ajudaram a compreender que, para fazer o entrelaçamento que escolhemos, seria mais desafiador e promissor conceber os saberes matemáticos como sistemas de ações constituídas histórica e culturalmente. No que se refere a recorrer à HM no ensino, sugerimos que o foco seja destinado a investigar o processo pelo qual o conceito está sendo mobilizado.

No próximo capítulo, iremos descrever o produto educacional que elaboramos e que está acoplado no apêndice desta dissertação. Apresentaremos a sua base teórica e suas ideias, além disso, damos detalhes sobre seu formato, estrutura, público-alvo, ações, tarefas, recomendações didático-pedagógicas ao professor e, por fim, fazemos um relato sobre uma experiência na SEMAT-UFRN, apresentando a metodologia, resultados e conclusões.

4 PRODUTO EDUCACIONAL

O Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECNM), stricto sensu, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, está organizado no nível de Mestrado, na modalidade profissional e é destinado a professores em exercício, que atuam na educação básica ou superior, de preferência, na rede pública de ensino. Dentre os objetivos expressos no artigo 2º de seu regimento, destacamos um, que trata de: propiciar a produção e divulgação de

produtos desenvolvidos a partir das dissertações, para sua utilização na educação básica e/ou superior na área de ensino de ciências e matemática.

Portanto, uma parte desta dissertação é dedicada a discutir sobre estudos, ações e reflexões que constituem o processo de elaboração de um produto educacional.

Posto isso, este capítulo trata, de forma específica, do produto educacional, descrevendo sobre as ações e reflexões que ajudaram a construi-lo, assim como as evidências que encontramos de contribuição à formação de professores da educação básica. Para tanto, o capítulo é dividido em duas partes, uma que trata da elaboração da ação pedagógica e outra que apresenta uma análise sobre a aplicação do produto em uma versão piloto.