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5.2 Teoria da vontade

5.2.1 Conceito de vontade

Portanto, resta claro que a vontade livre não pode ser concebida como pura (rein) indeterminação, isto é, como encerrada e reclusa em sua própria interioridade. Não se descura, no entanto, que a vontade livre possui um elemento de pura indeterminidade (Unbestimmtheit) (diferente de indeterminação) ou da pura reflexão do eu em si mesmo. Neste elemento de pura indeterminidade a vontade já desponta como disposição aberta ao movimento que vai da sua interioridade à exterioridade e vice-versa, o que não se verifica na indeterminação. No seu elemento da pura indeterminidade a vontade livre está em si (an sich), isto é, em potência de efetuação. Em si, a vontade livre possui apenas a determinidade da não-determinação, abstraindo-se de todo conteúdo e de toda restrição. Disso resulta a necessidade de trabalhar a formação do indivíduo, que significará o desenvolvimento da vontade livre, deixando de ser somente em si para se tornar uma vontade livre em e para si. O indivíduo não pode possuir uma vontade livre apenas com a determinidade da não- determinação, pois isso resultaria na própria impossibilidade de se percorrer um caminho histórico e evolutivo do Espírito. A Filosofia do Direito possui teor essencialmente ético- político, por isso, não se pode restringir a uma vontade livre limitada à própria consciência, mas sim permitir expandi-la ao contato das demais consciências de si. Portanto, surge a necessidade de se acompanhar o desenvolvimento da vontade livre, em seus vários estágios, que ilustrarão com maior perspicácia o trabalho transformador do mundo pela consciência de si. Deste modo, há o que designa Hegel como “liberdade negativa” ou “liberdade do intelecto” (die negative oder die Freiheit des Verstandes).270

Nessa instância, a vontade livre é a identidade que abstrai toda particularidade. Sem reduzi-la a uma faculdade (Vermögen) particular e singularizada, Hegel recua ao grau zero da vontade livre, a um querer que quer a si mesmo, afastando todas as determinações.271

270 FD, Introdução, § 5º, HW 7, p. 50.

271 RAMOS, César Augusto. Liberdade subjetiva e Estado na filosofia política de Hegel. Curitiba: Ed. Da

Agora, ponderando os fenômenos históricos da liberdade negativa, onde a vontade entra no processo de dissolução iniciado pela atividade negativa da razão, há o risco da vontade se fixar, isto é, não retornar a si mesma, separando-se da totalidade a que integra, tornando-se determinação do entendimento. O movimento é interrompido, cinde-se com a “negação reflexiva” para se tornar “negação imediata”, restando fixada a negatividade da razão, isto é, a destruição de toda ordem. Neste contexto, uma tal vontade, como afirma Hegel “É a liberdade do vazio.” (die Freiheit der Leere)272. No âmbito dos acontecimentos históricos, tem-se como exemplo, segundo o próprio Hegel273, a ditadura jacobina e o fanatismo religioso.

A diferenciação é a determinação de uma determinidade (Bestimmtheit), característica do devir do ser. A vontade, nesta passagem da indeterminidade indiferenciada à diferenciação, preserva em si seu movimento de autodeterminação, cumprindo sua tarefa histórica, o ato da consciência de si se produzindo na história.

Da pura reflexão do eu em si mesmo (primeiro elemento), há a passagem à finitude do Eu e à particularização do Eu -a diferenciação do ser-aí- (segundo elemento), sendo que a partir destes dois elementos se alcança, finalmente, o conceito de vontade livre, “A vontade é a unidade destes dois elementos: é a particularidade refletida sobre si (in sich) e que assim se ergue ao universal: é a singularidade.”274 A singularidade (Einzelheit), sendo a unidade dos dois elementos que compõem a vontade livre, apresenta um movimento responsável por fazer com que a particularidade (Besonderheit) se reconduza a uma universalidade, através de uma reflexão sobre si. Deste modo, a vontade livre, em cada uma de suas determinidades (Bestimmtheit), sai de si e se põe em uma novidade e, em seguida, volta a si, expressando o exercício de sua atividade reflexiva. O ato de sair de si e voltar a si é dado primordial do movimento da consciência de si, que para reconhecer o outro e ser reconhecido teve que sair de si e se ver no outro, para então retornar a si. Esta atitude permeia os movimentos da consciência de si em seu envolvimento com o mundo, bem como desenvolve nela a capacidade de superar a si mesma, renovando-se. É a atitude consciente de si, de ter a si mesma como objeto a ser superado que permite o desenvolvimento espiritual da consciência

272 FD, Introdução, § 5º, HW 7, p. 50. 273 FD, Introdução, § 5º, HW 7, p. 50.

274 “Der Wille ist die Einheit dieser beiden Momente; - die in sich reflektierte und dadurch zur Allgemeinheit

de si, e, posteriormente, da vontade livre. Então, a vontade livre não deve ter um enfoque distante do movimento histórico, figurativo, que conduziu à formação da vontade. Decorre uma relação reflexiva entre o mesmo e o outro, entre a interioridade e a exterioridade (Äusserlichkeit).

Uma substancialidade que é nada mais do que o movimento de fazer e de refazer constantemente este processo de dissolução e de produção de si em cada uma e no conjunto das ‘determinidades’ assim produzidas. [...] Se o fim é começo, ele o é porque ambos possuem um mesmo fundamento.275

A singularidade, então, resulta do movimento pelo qual o conceito da vontade se realiza, em que há a imediação mediada, bem como a mediação que se torna imediata, e que se transmudam a um novo início de uma ação que se interioriza e que nunca alcança seu termo, justamente por ser o labor da liberdade. A consciência de si, em seu processo de mediação de si mesma, exterioriza-se, num processo que medeia a singularidade na universalidade. Tal momento se dá com o reconhecimento entre as consciências de si desejantes.

Interessando, nesta etapa do estudo, a vontade individual, neste tanto, a definição de vontade livre significa que a vontade natural e a vontade do livre-arbítrio, ambas caracterizadas pela unilateralidade (Eisentigkeit), são suprimidas desta característica, tornando-se presentes na interioridade da vontade livre, o que ocorre através de um movimento histórico, figurativo, em que o conceito da vontade se efetua. Então, o conceito da vontade possui um desenvolvimento temporal que expõe um movimento de figuração onde cada determinação do conceito expressa o retorno a si da vontade, de modo que esta passa a se reconhecer como uma vontade “que se põe” em cada uma de suas figuras, engendrando um movimento de atualização do conceito. Esta é a vontade livre em sua substancialidade. Cumpre analisar mais detalhadamente estas considerações pela análise da vontade natural e da vontade do livre-arbítrio, e o papel destas para a verificação da vontade livre.