• Nenhum resultado encontrado

Neste momento, parece interessante elaborar alguns comentários quanto à relação do trabalho da consciência de si para a efetivação do Espírito verdadeiro, da Eticidade imediata do mundo grego. Tal relação inicia a ser destacada já nas páginas finais da seção anterior, dedicada à Razão.

Primeiramente, conforme já elucidado em outras ocasiões, a diferença principal entre os capítulos da primeira parte da Fenomenologia, Consciência, Consciência-de-si e Razão, e os da segunda, através do percorrer do Espírito na sexta seção é que, no primeiro caso, trabalha-se a figura da consciência singular, em seu desenvolvimento espiritual ao longo das experiências teóricas e práticas, retiradas de análises espaço-temporais, enquanto que no segundo caso, passa-se a conceber a consciência como consciência universal, como espírito de um povo, e portanto, uma manifestação histórica.

Nesse sentido, Hegel delineia o início dessas observações:

A consciência-de-si ética faz imediatamente um só com a essência por meio da universalidade do seu Si; a fé, ao contrário, principia de uma consciência singular: é o movimento dessa consciência tendendo sempre rumo a essa unidade, sem atingir a presença de sua essência. A consciência ética, ao contrário, se suprassumiu enquanto singular, levou a cabo essa mediação; e somente porque a levou a cabo, é consciência-de-si imediata da substância ética.166

A consciência de si tornou-se consciência de si universal, porque através da razão elevou-se de sua simples singularidade, passando a conter em si a substância ética imediata. Tal processo foi possível porque a consciência alcançou a universalidade do seu Si, ou seja,

165 O Reino Ético da FE, é, na verdade, uma análise conceitual da sociedade grega clássica, resultado de

diversos estudos juvenis. Hegel penetrou profundamente as idéias platônicas e aristotélicas, além de leituras inovadoras dos clássicos literários, como as obras de Ésquilo e Sófocles. As contribuições de Schelling, em sua linha de pensamento mais voltada à uma filosofia da religião, e de Hölderling, como poeta e estudioso da poesia, com ainda maior afinco na Grécia clássica. Para informações mais detalhadas, cf. STENZEL, Julius.

Hegel e la filosofia greca. In: SCHIROLLO, Livio (org.). Differenze: studi di J. Stenzel e A. Kojève. Urbino: Argalìa Editore, 1965.

166 “Das sittliche Selbstbewußtsein ist durch die Allgemeinheit seines Selbsts unmittelbar mit dem Wesen eins;

der Glaube hingegen fängt von dem einzelnen Bewußtsein an, er ist die Bewegung desselben, immer dieser Einheit zuzugehen, ohne die Gegenwart seines Wesens zu erreichen. – Jenes Bewußtsein hingegen hat sich als einzelnes aufgehoben, diese Vermittlung ist vollbracht, und nur dadurch, daß sie vollbracht ist, ist es unmittelbares Selbstbewußtsein der sittlichen Substanz”. FE, A razão examinando as leis, HW 3, p. 321.

o povo como totalidade mediou a vontade posta. O desenvolvimento da substância ética imediata é conteúdo de discussão justamente da seção seguinte, a do Espírito.

A relação para com o mundo grego do Espírito verdadeiro procede nas linhas seguintes, onde Hegel enfatiza a presença puramente imediata da consciência de si nesse período, em sua relação harmônica com as leis. Para os gregos, as leis são, e nada mais, ou seja, não há juízos de valor impregnados aqui, para o cidadão da polis, participar ativamente dessa vida política e jurídica é já um momento da felicidade, por isso não há ainda o questionamento da validade destas leis.

As leis são. Se indago seu nascimento, e as limito ao ponto de sua origem, já passei além delas: pois então sou eu o universal, e elas, o condicionado e o limitado. Se devem legitimar-se dos olhos de minha inteligência, já pus em movimento seu ser-em-si, inabalável, e as considero como algo que para mim talvez seja verdadeiro, talvez não seja. Ora, a disposição ética consiste precisamente em ater-se firmemente ao que é justo, e em abster-se de tudo o que possa mover, abalar e desviar o justo.167

O juízo subjetivo, capaz de confrontar as leis existentes, julgando-as em suas próprias determinações, isto é, não somente um juízo que permita dizer que as leis são, mas analisar seus conteúdos, se são justos ou injustos, terá verdadeira efetividade somente na Filosofia do Direito, na seção da Moralidade, onde o indivíduo passa a agir conforme a sua consciência, e não de acordo com o que a lei o vincula. Contudo, o momento aqui limita-se à discussão da eticidade grega, e da sua relação com a verdade da certeza de si mesma da consciência de si. Observa-se o último parágrafo da Razão, já na transição para a seção do Espírito:

Entretanto é determinado, em si e para si, se é esta determinação ou a oposta que é o justo. Eu poderia erigir para mim a lei que quisesse, ou então nenhuma; mas quando começo a examinar, já estou num caminho não ético. Quando para mim o justo é em si e para si, então estou dentro da substância ética, que é assim a essência da consciência-de-si; mas essa é sua efetividade e seu ser-aí; seu Si e sua vontade.168

167 “Sie sind. Wenn ich nach ihrer Entstehung frage und sie auf den Punkt ihres Ursprungs einenge, so bin ich

darüber hinausgegangen; denn ich bin nunmehr das Allgemeine, sie aber das Bedingte und Beschränkte. Wenn sie sich meiner Einsicht legitimieren sollen, so habe ich schon ihr unwankendes Ansichsein bewegt und betrachte sie als etwas, das vielleicht wahr, vielleicht auch nicht wahr für mich sei. Die sittliche Gesinnung besteht eben darin, unverrückt in dem fest zu beharren, was das Rechte ist, und sich alles Bewegens, Rütelns und Zurückführens desselben zu enthalten”. FE, A razão examinando as leis, HW 3, p. 322.

168 “Sondern ob diese oder die entgegegesetzte Bestimmung das Rechte sei, ist an und für sich bestimmt; ich für

mich könnte, welche ich wollte, und ebensogut keine zum Gesetze machen und bin, indem ich zu prüfen anfange, schon auf unsittlichem Wege. Daß das Rechte mir an und für sich ist, dadurch bin ich inder sittlichen Substanz; so ist sie das Wesen des SelbstebewuBtseins; dieses aber ist ihre Wirklichkeit und Dasein, ihr Selbst und Willen”. FE, A razão examinando as leis, HW 3, p. 323.

Na substância ética, então, a consciência de si compreende que o justo já é em si e para si, ou seja, já foi realizado conforme sua própria vontade, e nesta idéia de justo encontra-se intrínseca também a validade de seu Si. Dessa forma, não há a contraposição entre as leis e a consciência de si porque aquelas são justamente elaborações da última, resultando que a substância ética é a essência da consciência de si. A substância ética, assim, é efetividade e ser-aí da consciência de si, ou seja, vontade posta que se faz realidade no mundo dado.

A razão é o espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à verdade, e [quando] é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como de si mesma. O vir-a-ser do espírito, mostrou o movimento imediatamente anterior, no qual o objeto da consciência – a categoria pura – se elevou ao conceito da razão.169

Se no Capítulo IV a consciência de si era a figura que elevava a realidade à sua verdade, à verdade da consciência de si, onde subsistia a verdade da certeza de si mesma, aqui ocorre o mesmo movimento, também realizado pela consciência de si, mas não a singular, mas sim a consciência de si universal. Na eticidade, a consciência de si universal eleva a certeza de ser de toda a realidade do seu mundo à verdade, porque é manifestação histórica e espiritual, trabalho de um povo.

Sua essência espiritual já foi designada como substância ética; o espírito, porém, é a efetividade ética. O espírito é o Si da consciência efetiva, à qual o espírito se contrapõe – ou melhor, que se contrapõe a si mesma – como mundo efetivo objetivo. Mas esse mundo perdeu também para o Si toda a significação de algo estranho, assim como o Si perdeu toda a significação de um ser-para-si separado do mundo, - fosse dependente ou independente dele. O espírito é a substância e a essência universal, igual a si mesma e permanente: o inabalável e irredutível fundamento e ponto de partida do agir de todos, seu fim e sua meta, como [também] o Em-si pensado de toda a consciência-de- si.170

169 “Die Vernunft ist Geist, indem die Gewißheit, alle Realität zu sein, zur Warhreit erhoben und sie sich ihrer

selbst als ihrer Welt und der Welt als ihrer selbst bewußt ist. – Das Werden des Geistes zeigte die unmittelbar vorhergehende Bewegung auf, worin der Gegenstand des Bewußtseins, die reine Kategorie, zum Begriffe der Vernunft sich erhob”. FE, O espírito, HW 3, p. 324.

170170 “Sein geistiges Wesen it schon als die sittliche Substanz bezeichnet worden; der Geist aber ist die sittliche Wirklichkeit. Er ist das Selbst des wirklichen Bewußtseins, dem er oder vielmehr das sich als gegenständliche wirkliche Welt gegenübertritt, welche aber ebenso für das Selbst alle Bedeutung eines von ihr getrennten, abhängigen oder unbhängigen Fürsichseins verloren hat”. FE, O espírito, HW 3, p. 325.

Entre a substância ética e o Si não há nada de estranho, pois a primeira é justamente efetivação da vontade pensada pela consciência de si, seu fundamento de agir. Nesse sentido, Hegel considera ainda o espírito como o Si da consciência efetiva, pois é na atividade que a consciência passa a fazer realidade sua vontade, ou seja, é na transformação do mundo dado que o espírito passa a refletir a vontade da consciência de si, de forma que a certeza do mundo seja também a sua verdade. Esse agir é um agir de todos, não da consciência de si singular, por isso sua substância ética deve refletir uma vontade universal. “Essa substância é igualmente a obra universal que, mediante o agir de todos e de cada um, se engendra como sua unidade e igualdade, pois ela é o ser-para-si, o Si, o agir”171

No início do Capítulo IV, a consciência de si concebe sua verdade porque nela encontra ela mesma, e não o Outro, da mesma forma que no espírito verdadeiro, a eticidade, a consciência de si universal encontra na formação política da Cidade antiga, nas suas leis eternas e imutáveis, também a sua certeza elevada à forma da verdade. Asssim como pela vivência prática a consciência de si não encontra a verdade num objeto externo, mas nela mesma, a eticidade dos gregos era para seu cidadão não um dever exterior, mas uma honra interna, a substância ética de seu pensar e agir.

A consciência-de-si não foi uma figura que surgiu de forma imediata, ou seja, já concebida em-si e para-si, mas sim resultado de um processo espiritual. Para se acompanhar este percurso é necessário também compreender a manifestação atuante do próprio Espírito, emanado através da história não como individualidades ou consciências singulares, mas sim como a própria consciência em geral, através do conhecimento das regras, e participação nas instituições e comunidades.

Na Filosofia do Direito, Hegel estrutura a sociedade segundo um plano ético, produzido pelo próprio tipo humano, no sentido de apresentar as seguidas reflexões da consciência de si no processo de realização da Liberdade. A eticidade representa a união entre particular e universal, cidadão e Estado, público e privado, não propicia o livre pensamento liberal, porque situa a consciência-de-si como elemento integrante do Todo, e por outro lado também não defende o totalitarismo ou o despotismo, porque não centralizam todo o poder político na figura do Estado, já que as leis são criadas pelo trabalho comum de todos os cidadãos. A segunda natureza, o plano ético, situa-se após o percurso da consciência-de-si em toda a história, porém tem seu ápice após os fatídicos momentos da

171 “Diese Substanz ist ebenso das allgemeine Werk, das sich durch das Tun Aller und Jeder als ihre Einheit und

Revolução Francesa.172 Porém, o pensamento hegeliano é voltado em uma visão dialética, de suprassunções e reflexões, de forma que este sistema representa em grande parte um retorno aos moldes da sociedade pagã na Grécia antiga, antes do domínio cristão. A eticidade helênica é discutida por Hegel na Fenomenologia do Espírito, em sua sexta parte. É preciso entendê-la adequadamente, seu funcionamento e conseqüente declínio, para então compreender como o Espírito alcançou o plano ético em séculos posteriores.

O mundo antigo é analisado na primeira parte do sexto capítulo da Fenomenologia. A sociedade pagã na Grécia era essencialmente livre, sustentada principalmente no equilíbrio entre particular e universal, simbolizados por duas leis, a divina e a humana. O cidadão grego era ao mesmo tempo um indivíduo singular (Einzeln) e membro efetivo da polis. No primeiro caso temos a lei humana, estruturada na figura da família, o segundo, no próprio reino ético, como participante das leis municipais. O grande questionamento de Hegel nessa situação é como uma sociedade livre e organizada, equilibrada em todos os lados, pôde sucumbir a uma nova etapa, dominada pelo pensamento cristão, reverenciando a submissão e a escravatura. Para o homem antigo não havia o pensamento divisor de singularidades, ele se dedicava vivamente ao Estado, como explica Hyppolite.

Para o jovem Hegel, a liberdade de que se trata exprime somente a relação harmoniosa entre o indivíduo e a cidade. O cidadão, na medida em que a vontade do Estado não era distinta de sua vontade própria. Ignorava ,então, tanto o limite de sua individualidade como a coerção externa de um Estado dominador. [...] Ali havia uma totalidade viva, e a religião pagã só era a expressão dessa bela individualidade. O cidadão antigo punha a parte eterna de si mesmo em sua cidade.173

O cidadão grego vivia numa dualidade de leis, em sua família obedecia as divinas, resguardadas pelos Penates, seus antepassados, que por seu caráter exclusivo causava a singularização das famílias, já que cada lar teria suas próprias divindades. Não obstante, o pagão antigo também seguia as leis éticas, emergidas no plano do Estado, onde todos os

172 “Hegel, filósofo da Revolução francesa, então? Sem nenhuma dúvida! Mas a condição de dissipar também

cedo o mal entendido que uma tal designação poderia fazer nascer. Hegel não é um revolucionário, no sentido onde este prepara ou cumpre uma revolução. Ele adota uma atitude original. Aceitando e admirando, de um outro local com reservas pontuais, o desenvolvimento da Revolução na França, ele se esforça à dissuadir seus compatriotas de imitar ou de continuar esta revolução na Alemanha. Em geral, ele aprova as revoluções passadas, e estrangeiras; ele teme as revoluções futuras e indígenas”. D’HONDT, Jacques. Hegel et les

Français. New York: Olms, 1998. p. 140

homens obedeciam firmemente, não havia o sentimento de revolução e questionamento, o público dizia respeito a todos eles, não lhes cabia qualquer objeção.

Nota-se que em ambos os casos existe uma união, ainda que a família particularize alguns seres, ela mesma convive num aspecto múltiplo, pois é composta pela relação entre homem-mulher, pais-filhos, e irmão-irmã.

O mundo grego antigo erguia-se como um harmônico sistema surgido da cisão da substância ética, que ao contrapor-se à consciência-de-si, originou duas leis completamente distintas, mas conciliáveis: a lei divina e a lei humana. Hegel apresenta logo no início do capítulo a diferenciação fundamental entre as duas leis.

Esse espírito pode chamar-se a lei humana, por ser essencialmente na forma da efetividade consciente dela mesma. Na forma da universalidade, é a lei

conhecida e o costume corrente. Na forma da singularidade, é a certeza efetiva de si mesmo no indivíduo em geral. A certeza de si, como

individualidade simples, é o espírito como governo. Sua verdade é a

vigência manifesta, exposta à luz do dia – uma existência que para a certeza imediata emerge na forma do ser-aí deixado em liberdade. [...] Contudo, uma outra potência se contrapõe a essa potência ética e [essa] manifestabilidade: [é] a lei divina. Com efeito, o poder ético do Estado tem, como movimento do agir consciente de si, sua oposição na essência simples e imediata da eticidade. Como universalidade efetiva, o poder do Estado é uma força [voltada] contra o ser-para-si individual; e como efetividade em geral, encontra um outro que ele [mesmo] na essência interior.174

A comunidade representa a certeza do mundo ético, é o direito conhecido por todos os indivíduos aplicado à luz dos costumes, é a lei humana. Por outro lado temos o direito imediato, a lei divina, oposta ao agir efetivo da consciência na lei humana, já que surge de forma imediata, natural (natürliche). Este poder contrário ao mundo ético sedimenta-se na instituição da família.

A família, como o conceito carente-de-consciência, e ainda interior, se contrapõe à efetividade consciente de si; como o elemento da efetividade do

174 “Dieser Geist kann das menschliche Gesetz genannt werden, weil er wesentlich in der Form der ihrer selbst bewußten Wirklichkeit ist. Er ist in der Form der Allgemeinheit das bekannte Gesetz und die vorhandene Sitte; in der Form der Einzellheit ist er die wirkliche Gewißheit seiner in dem Individuum überhaupt, und die Gewißheit seiner als einfacher Individualität ist er als Regierung; seine Wahrheit ist die offene, an dem Tage liegende Gültigkeit; eine Existenz, welche für die unmittelbare Gewißheit in die Form des frei intlassen Daseins tritt. Dieser sittlichen Macht und Offenbarkeit tritt aber eine andere Macht, das göttliche Gesetz, gegenüber. Denn die sittliche Staatsmacht hat als die Bewegung des sich bewußten Tuns an dem einfachen und

unmittelbaren Wesen der Sittlichkeit ihren Gegensatz; als wirkliche Allgemeinheit ist sie eine Gewalt gegen das individuelle fürsichsein; und als Wirklichkeit überhaupt hat sie an dem inneren Wesen noch ein Anders, als sie ist”. FE, A lei humana e a lei divina; o homem e a mulher, HW 3, p. 329-330.

povo, se contrapõe ao povo mesmo; como ser ético imediato se contrapõe à eticidade que se forma e se sustém mediante o trabalho em prol do universal: os Penates se contrapõem ao espírito universal.175

Enquanto a comunidade funciona tendo os interesses coletivos como fins supremos176, a família busca efetivar a singularização na sociedade, pois toda ação produzida neste meio, ainda que pelo labor, é realizada tendo como objetivo o enriquecimento próprio familiar. Trata-se de um ambiente particular, que por um lado, é separado do mundo externo, o dominado pelas leis éticas efetivas. Entretanto, apesar desta visão singularizada, a família tem um fim positivo, que é a educação e preparação do singular (Einzeln), o indivíduo, para o universal. Nessa educação pela virtude ao jovem consiste a finalidade que relaciona a família à comunidade. A família precisa tomar o singular (Einzeln) em sua universalidade, como um ser pertencente à sociedade.

Porém, não é ao enviar cidadãos ao universal que consiste a existência familiar. O singular (Einzeln) que exprime os motivos da família não é o vivo, já retirado ou por retirar- se do convívio, mas o morto, somente ele retorna ao terreno do Penates. De certa forma, ele torna-se um ser-para-si, porque completou seu ciclo biológico com a consumação e fim do trabalho, executado em prol do universal. Contudo, a existência do indivíduo não foi realizada de uma forma que elevasse sua existência a uma consciência-de-si, pois a ausência do agir (handeln) impediu essa reconciliação do universal com o singular. O cidadão foi criado dentro das leis divinas, mas terminou em serviço às leis humanas. Sendo assim, é necessária uma força externa que procure reatar os dois mundos, através da figura do parente consangüíneo.

O processo de retirar o morto da simples posição de ser vazio e colocá-lo como ser divino significa a própria divinização do poder familiar, uma

175 “Sie steht als der bewußtlose noch innere Begriff, seiner sich bewußten Wirklichkeit, als das Element der

Wirklichkeit des Volks, dem Volke selbst, als unnmittelbares sittliches Sein, - der durch die Arbeit für das Allgemenine sich bildendenund und erhaltenden Sittlichkeit, die Penaten dem allgemeinen Geiste gegenüber”. FE, A lei humana e a lei divina; o homem e a mulher, HW 3, p. 330.

176 Como adendo, é interessante citar a obra “Lezioni su Platone”, do próprio Hegel, onde o autor analisa