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4.2 Definindo a Responsabilidade Social Empresarial

4.2.1 Conceitos

O conceito de Responsabilidade Social Empresarial ou Corporativa é ainda um conceito em construção. Em materiais de divulgação das empresas (ver figuras

ao longo do texto e apêndices VI e VII), assim como na mídia falada e escrita, é possível ver uma profusão de definições quanto ao que se entende e pratica como sendo Responsabilidade Corporativa. Esta coexistência aparentemente harmônica parece, no entanto, desvelar um cenário que nem mesmo as empresas que se denominam “cidadãs” conseguem desembaraçar.

Um estudo realizado no Estado da Bahia, recentemente, propõe que o conceito de RSC tenha como premissa comportar apenas as ações de Responsabilidade Social que ultrapassam as exigências legais, criticando as concepções que consideram como sendo responsabilidade social corporativa as práticas estritamente empresarias que cumprem as obrigações exigidas pela legislação (FRANÇA, 2005).

Em seu modelo de análise quanto à conceituação na literatura sobre RSE, França (2005) traz a discussão de teóricos como Toldo, que consideram filantropia também como responsabilidade social. Entretanto, no presente estudo, esta conceituação é entendida parcialmente como exposto por Toldo (apud FRANÇA, 2005), no ponto em que diferencia os dois fenômenos, pelo aspecto motivacional de ordem moral, já que o foco na filantropia seria na ajuda ao social, desvinculada das demandas sociais.

Entretanto, esta análise de Toldo traz embutida a premissa da ausência de débito ambiental e social (para com a comunidade e trabalhadores) por parte das empresas, haja vista que o ato de ajudar implica a não responsabilização do filantropo no infortúnio do ajudado.

Ainda nesta perspectiva, as organizações não teriam participação na construção do cenário de empobrecimento das nações em desenvolvimento e do Terceiro Mundo, decorrentes da elevadíssima concentração de renda das nações do Primeiro Mundo.

Voltando ao estudo de França (2005), encontra-se um significativo levantamento das concepções existentes quanto ao que entende e pratica como sendo Responsabilidade Social Empresarial. Segundo ele, há duas vertentes principais quanto à RSC, sendo uma Instrumental e outra que chamou de Moral. Ele apresenta o quadro de modelos de RSE adotado em seu estudo, que foram desenvolvidos por Cheibub e Locke, conforme pode ser visto na tabela a seguir.

Tabela II – Tipologia da Responsabilidade Social Empresarial por Cheibub e Locke

Fonte: CHEIBUB E LOCKE apud FRANÇA, 2005.

Na primeira coluna, estes autores situam as ações de RSE de acordo com os beneficiários das ações. E, na primeira linha, os tipos de acordo com os aspectos motivacionais. Assim, a segunda coluna apresenta as concepções de responsabilidade social de acordo com um cruzamento entre fatores motivacionais e os beneficiários, sendo encontrados os tipos descritos na tabela abaixo (CHEIBUB e LOCKE apud FRANÇA, 2005), a qual é uma tentativa de descrever resumidamente o significado de cada cruzamento, tendo sido criada a partir da exposição de França (2005) quanto aos quatro modelos.

Tabela III – Descrição da Tipologia de RSE proposta por Cheibub e Locke

Modelos Instrumentais Modelos Morais

Produtivismo - Vê como beneficiários apenas donos e acionistas. Na literatura não é entendido como RSE legítima, mas com objetivos de ganhos para a empresa.

Filantropia - Ações de ordem moral / valorativa. Empresa como ator social. Atuação social é possível, mas ação é opção individual.

Motivação Beneficiários

Instrumental Moral

Acionistas / Donos Produtivismo Filantropia

Progressista - RSC como instrumento gerencial de ganho de competitividade, focado em interesses da empresa, mas envolve toda a cadeia produtiva como beneficiários.

Idealismo ético - Empresa como ator social e que deve assumir responsabilidades sociais, inclui todos os stakeholders como beneficiários das ações de RSC.

Fonte do Conteúdo: CHEIBUB E LOCKE apud FRANÇA, 2005.

Para França (2005), estes são os quatro modelos básicos do que é praticado como RSC e quais são as noções inerentes a tais práticas. Em seu estudo, a idéia de que as práticas sociais corporativas se dividem em duas dimensões principais (a moral e a instrumental), encontra suporte também nos trabalhos de Ashley e outros, cuja produção foi, por sua vez, influenciada por Carrol, Donaldson e Dundee, Frederick e Wood (FRANÇA, 2005).

Entretanto, estes autores sustentam que a concepção ética da RSE deve estar apoiada em “princípios religiosos ou normas sociais, sugerindo que as empresas devem se comportar de maneira nacionalmente responsável, independente do benefício” (ASHLEY e outros apud FRANÇA, 2005, p. 31) que possa advir disto.

Por sua vez, a linha instrumental sustenta que as ações de RSE devem estar associadas à melhoria do aspecto econômico para a empresa ou ampliar sua competitividade.

Ainda segundo França (2005), há a proposta de Keith Davis, que mistura as dimensões moral e instrumental de Cheibub e Locke, incorporando em seu discurso a idéia de RSE como resgate do débito social quanto ao impacto causado pela empresa à sociedade e ao ambiente por suas atividades, mas cujos custos devem ser repassados aos produtos.

Esta proposta de Davis soa como uma verdadeira recusa por agir socialmente, haja vista a idéia explicitada de que a empresa não deve arcar com o custo das ações sociais que realiza e, que caso fosse, poderiam ser pensadas como sendo uma divisão (distribuição) dos lucros da empresa para com a sociedade.

Segundo Cappelin apud França (2005), há diferentes posturas das empresas quanto ao interesse pela Responsabilidade Social, podendo ser resumidas nos tipos a seguir: Total desinteresse; Consideração de que a responsabilidade social é

pertinente e disposição de “alocar recursos (financeiros e técnicos) nesta área”; Além de alocar recursos, empenham-se por ampliar a gama de atores envolvidos.

Assim, França apresenta uma tipologia quanto às percepções e ações das corporações no âmbito do social, classificadas em sete níveis diferentes, e que no presente trabalho foram sistematizadas na tabela V.

Tabela IV – Modelos de RSE quanto às Percepções e Ações das Empresas por Cappellin

Modelo de RSE Lógica Foco

Desenvolver Cooperação - A “percepção dos problemas

sociais e de sua pertinência às atividades (incentivando) as empresas a criarem ações cooperativas com organismos estatais ou privados” objetiva resolver problemas sociais que as afetam.

Instrumental Empresa

Conjugar Ética e Economia - “Reconhecimento da função

social da empresa”, incentivando-a a ter princípios éticos e morais. Reconhece a RSE como vantajosa para a empresa.

Instrumental + Moral

Empresa + Sociedade

Prioridade Econômica – Prioriza metas econômicas. Ações

sociais têm custos e podem ser evitadas ou adiadas em situações de dificuldade. “Mais próxima das concepções contrárias à RSE”

Instrumental Empresa

Opção Pessoal “Reconhece importância da responsabilidade social empresarial, mas não assume envolvimento direto da empresa. Participação individual de membros da organização pela filantropia.”

Instrumental Empresa

sExternalidades Positivas – Função da empresa é de

“promoção econômica”. Ações para o social é função do Estado. RSE somente se houver vantagens para a empresa.

Instrumental Empresa

Segurança Pública – Ações somente quanto ao aspecto da

segurança pública, por considerar este ponto como ameaça à empresa

Instrumental Empresa

Métodos de Médio e Longo Alcance – “Percebe a

gravidade e os impactos dos problemas sociais, também (ligados) às empresas (...) as empresas estariam envolvidas (...) mudando sua postura e cultura. (...) expectativa de transformação profunda e ampla (...) da RSE.”

Moral Sociedade

França refere que Ashley apresenta “a dimensão das relações político - sociais” das organizações, a partir de parâmetros com “o Estado, a sociedade e a sociedade civil” (FRANÇA, 2005, p.35).

Em sua discussão conceitual, França traz ainda as concepções inerentes a RSE do Instituto Observatório Social (IOS), as quais dizem respeito ao que esse instituto entende como sendo funções das empresas, expostas na tabela a seguir:

Tabela V – Concepções de RSE do Instituto Observatório Social

Funções Sociais da Empresa

Significado

Responsabilidade econômica “Produzir bens e serviços”

Responsabilidade Legal “Ressalta respeito à lei”

Responsabilidade Ética “Comportamento ético esperado pela sociedade”

Responsabilidade Filantrópica

“Quando as empresas assumem ações sociais de forma voluntária e sem expectativa por parte da

sociedade” (grifo nosso)

Fonte do Conteúdo: IOS apud FRANÇA, 2005, p. 36.

A responsabilidade é vista ainda como suporte à sobrevivência da empresa ao melhorar a relação desta com os demais atores sociais, não sendo, portanto, movimento no sentido de transformação social. Assim, para o IOS, as ações de RSE são “estratégia de manutenção do mercado e sobrevivência para as empresas em longo prazo” (FRANÇA, 2005, p.36).

Considerando o que, no presente estudo, se entende por RSE, das funções descritas pelo IOS nenhuma diz respeito à Responsabilidade corporativa legítima, haja vista que compromisso ético deveria ser pressuposto como uma obrigação de todos os atores sociais, a função econômica é o principal interesse do setor privado e a função legal é entendida como cumprimento de obrigações mínimas das

empresas que visam à sua viabilidade e sobrevivência, logo não seriam RSE. Por fim, a filantropia não é considerada neste estudo como sendo prática de responsabilidade social corporativa.

França salienta, portanto, que a visão liberal se opõe às práticas de RSE pelo setor privado, do mesmo modo que alas mais conservadoras de países ricos, como Inglaterra e EUA, se opuseram ao Welfare State (KING, 1988). Assim, o IOS utiliza um referencial totalmente voltado aos interesses econômicos e dentro de uma lógica de mercado.