• Nenhum resultado encontrado

A dimensão simbólica a que se refere este estudo diz respeito à condição humana de representar toda a realidade a partir de códigos e signos. Em outras palavras, diz respeito à idéia de que o homem é um ser de linguagem, a qual viabiliza não apenas a sua comunicação, mas a organização dos agrupamentos sociais com as construções culturais que as caracterizam.

Simbolizar é significar, dar sentido, transformar em palavras enigmáticas as vivências concretas do real. Real do corpo, do mundo, da própria realidade. Significar é dar sentido ao que se apresenta cru, é buscar o sentido em uma dimensão invisível, não palpável.

Isso se explica ao se analisar o texto do cotidiano, onde as frases não têm em si um significado imediato. O sentido circula entre o emissor e o receptor da mensagem e está no que é suposto que a frase pode ter de significação. Suposto este que ambos pressupõem, mas que não é dado a priori. Ou seja, ao ler ou ouvir uma frase, seu sentido só pode ser captado ou capturado ao final e dentro de um círculo onde há outras frases, inclusive não ditas, outros fatos, passados e presentes, que colaboram para que um sentido se instale, deixando espaço sempre, no entanto, para mais de um sentido e interpretação. Este espaço é permitido pelo fato de que o sentido se instala, mas não cola e não rivaliza necessariamente com outros sentidos.

O simbólico é, pois, o que se encontra nas entrelinhas, é fluído, comporta o infinito da significação. Neste sentido, um texto pode dizer várias coisas, se oferece à multiplicidade da interpretação e, sem excluir nenhuma, o sentido escorrega, permite várias verdades e se presta ao psiquismo humano para metaforização da realidade.

É a dimensão simbólica que sustenta a linguagem, seus recursos de metáfora e metonímia, a qual, por sua vez sustenta as relações humanas em sua característica mais peculiar: a vinculação com outros seres e espécies independente de tempo, espaço, semelhanças ou diferenças. Esta vinculação se processa por identificações, projeções, transferências e uma série de outros fenômenos característicos das relações humanas.

É o simbólico que faz os homens diferentes dos gorilas. Se a ciência fala que estes primatas vivem em famílias, com certeza tais famílias, onde as relações de poder estão rigidamente estabelecidas, são compostas de forma diferente da família do homem, a qual é permeada, ou melhor, atravessada, por uma rede de significação simbólica construída individual e coletivamente, ao longo da história da humanidade.

Neste sentido, qualquer família de gorilas tem (e terá) sempre a mesma estruturação hierárquica (macho dominante, fêmeas e filhotes), ao passo que as famílias humanas, ou qualquer outro grupo social, têm traços de vinculação com possibilidades infinitas de organizar-se quanto às relações de poder, aos vínculos afetivos, às identificações, etc.

Neste estudo, que pretende alcançar a rede de significações dos trabalhadores de uma empresa privada, é imprescindível compreender o homem a partir desta dimensão simbólica que entrelaça, de forma aparentemente caótica, signos, significações e significados. E, para isso, considerou-se que uma abordagem, baseada na teoria das Representações Sociais, forneceria o aporte teórico para realizar a investigação e a análise dos discursos apresentados pelos sujeitos.

Os conceitos de dimensão simbólica e de representação social são entendidos aqui como entrelaçados, por ser entendido que “o processo de elaboração de uma representação implica uma reconstrução do objeto em contexto de valores, noções e regras” (OLIVEIRA, 2004, p.48), onde o próprio objeto só

ganha existência se representado pelo psiquismo humano, que se esforça em apreendê-lo.

Toda representação social é, portanto, simbólica e construída a partir dos processos característicos da linguagem nos quais o sujeito está inserido. Assim, quando o psiquismo tenta apreender um objeto, “a linguagem aproveita-se disso para circunscrevê-lo, para arrastá-lo no fluxo das suas associações, para impregná- lo de suas metáforas e projetá-lo em seu verdadeiro espaço, que é simbólico” (MOSCOVICI apud OLIVEIRA, 2004, p.26).

Esta submissão do homem à dimensão simbólica explica o fato de a representação social ter componentes conscientes e inconscientes, já que parte do que é apreendido pelo psiquismo ocorre à revelia da vontade humana; são os conteúdos que estão, de certo modo, atrelados às representações apresentadas pela coletividade em que o sujeito está inserido, e que participam da reconstrução feita por este sujeito em seu esforço de interpretar as representações sociais na sua coletividade. Esta “parcela” (não entendida aqui de forma quantitativa) inconsciente da representação comporta ideologias7, preconceitos, valores e outros aspectos nem sempre explicitados, de forma imediata, àquele que tenta apropriar-se das representações sociais. Isto se explica inclusive pelo fato de que, seja de um indivíduo ou de sua coletividade, as representações não são independentes, estando relacionadas aos vários sistemas sociais e sendo expressão do discurso de uma sociedade inteira.

Retomando a discussão da dimensão simbólica, é possível então dizer que o indivíduo é submetido a esta dimensão, o que implica que a linguagem o constitui, enquanto sujeito, ou seja, o sujeito é constituído pelas significações socioculturais, e é, ao mesmo tempo, constituinte destas significações. E é então o processo de representar que permite a comunicação entre as pessoas.

7

Segundo Oliveira (2004), uma representação “tende a impor a apreensão da ordem estabelecida como natural e governada por leis impessoais” (OLIVEIRA, 2004, p.54), porque comporta a ideologia, termo proposto por Marx que diz respeito às idéias e teorias que são socialmente determinadas pelas relações de dominação entre as classes e que determinam tais relações, conceito que “desmistifica a ingenuidade do processo cognitivo, colocando-o como mediação nas relações sócio-econômicas (...)” (BOBBIO apud OLIVEIRA, 2004, p. 55). Assim, se processa uma disseminação da visão de mundo da classe dominante que a torna ponto de vista de toda a sociedade. Este conteúdo ideológico impregna as representações, não sendo passível de identificação imediata pelos grupos sociais que a apreendem.

Entendidas desta forma as representações sociais, explicita-se que são os símbolos que materializam o objeto representado e constroem uma realidade psíquica frente à realidade empírica. Ou seja, o objeto não existe em si, mas “para um indivíduo ou grupo e em relação a eles” (OLIVEIRA, 2004, p.49). Segundo este autor, tal proposição é ratificada por Birman (1991) quando este coloca a linguagem como a matriz onde se constroem os conceitos da realidade social e psíquica, a partir do simbólico. Em outras palavras, a realidade só se constitui como realidade psíquica quando mediada pela dimensão simbólica, que fornece a fluência de significações e interpretações a ser compartilhada por uma coletividade. Nas palavras de Birman (1991):

[...] Isto implica que a realidade é uma constituição eminentemente intersubjetiva e simbólica, não existindo, pois, fora dos sujeitos coletivos e históricos, que são, ao mesmo tempo, os seus artífices, os seus suportes e os mediadores para sua transmissão [...] (BIRMAM apud OLIVEIRA, 2004, p.48).

A partir do exposto, ressalta-se que o entendimento do conceito de representação social deve ser precedido de uma compreensão da dimensão simbólica, enquanto sustentáculo do processo psíquico do ser humano de construção de qualquer representação social.

III A RELAÇÃO ENTRE O MERCADO, O ESTADO E O SOCIAL

3.1 Associação entre o declínio do Estado de Bem-Estar Social e o fenômeno