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concentração não aconteceu em outros ramos da sociedade”.

No documento Impressos / Caderno temático (páginas 39-41)

C A DERNOS T E M áT iC OS CRP SP Psicologia do Esport e: C ontribuições para a a tuação profissional

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onatos internacionais, fundamentalmente as ligas

norte-americanas que são modeladas do ponto de vista de negócio há muito mais tempo do que nós. Essa demanda estava reprimida, quando houve o estouro dessa bolha e, de novo, eu faculto isso fundamentalmente à entrada da televisão no jogo, foi na década de 1990. A nossa geração, vocês de- vem lembrar, não tinha jogo na televisão, era só no sábado à tarde, domingo era no rádio, quarta-feira não tinha futebol, era um jogo por semana; hoje em dia, a qualquer hora do dia você tem jogo acon- tecendo em algum campeonato do mundo. E isso evidentemente que, a partir do momento em que você tem essa superexposição da entrada da tele- visão, além dos recursos da própria televisão, você alavanca a cadeia toda. Em termos de patrocínios, em termos de propriedades comerciais e assim por diante, então essa alavancagem produziu essa si- tuação de, não vou dizer enriquecimento, mas de fato uma alocação de recursos desproporcionado ao crescimento dos demais setores da sociedade. Como eu disse, acho que há inúmeras explicações, mas acho que esse é um fator que para mim é fun- damental. Não sei se respondi a sua pergunta, mas para mim é uma explicação real.

F: Professor Flávio, podemos deslocar um pouqui-

nho para a Sociologia ou você fica desconfortável? Tive uma disciplina no mestrado, Sociologia do Es- porte, com a professora Heloísa. Discuti com ela seis meses dizendo que eu não achava que está- vamos caminhando para um processo civilizatório. Por conta da sofisticação, da violência, da mídia e tudo mais que me parece que muitas vezes faz um contrassenso com relação ao processo civilizatório, não que eu ache que muito antes, quando se solta- vam leões e pessoas para duelarem, era uma coisa muito linda, não. Mas me parece que era menos hi- pócrita. Então, assim, será que daria para você dar alguma contribuição para o incremento dessa refle- xão? Talvez para uma paz de espírito minha e nossa.

Flávio de Campos: Bom, o que você traz é uma dis-

cussão central na Sociologia, e na obra do Norbert Elias e do Eric Dane, que é a ideia de que você tem uma mudança no século XiX entre as modalidades lúdicas praticadas até então, que vêm desde a an- tiguidade, e o processo de “esportivização”, que é uma categoria conceitual que está associada à emergência da sociedade industrial. Então, esse é o ponto de partida do Norbert Elias. Quando ele pensa essa questão do processo civilizatório, ele está pensando junto com Freud, essa ideia de uma sociedade; você tem um caminho civilizatório

que implica na contenção de impulsos. Você tem que permitir, não é? O Norbert Elias tem uma tra- dução muito ruim; o processo civilizador em dois volumes tem uma edição muito ruim, muito mal- cuidada, mas é o que a gente tem circulando no Brasil. Quando ele pensa isso, compara o grau de violência de modalidades lúdicas anteriores ao sé- culo XiX ao processo de emergência dos esportes na sociedade tecnológica. E aí, de fato, você tem alguns elementos que organizam as modalidades esportivas, de acordo com as regras da sociedade burguesa. Por exemplo, igualdade de oportunidade. Tem uma cena (você falou dos leões) de o Gladiador que todos vocês devem ter assistido: o imperador desce na arena para enfrentar o herói da trama. Evidentemente na lógica lúdica, são mais rituais, são mais cerimônias do que esporte, pois o impe- rador não vai disputar uma competição em igual- dade de condições. A igualdade não se coloca, o conceito de igualdade é histórico, nós construímos historicamente o conceito de igualdade, definimos o conceito de igualdade a partir do final do século XViii, comecinho do século XiX como elemento que deve normatizar as nossas relações, mas isso é historicamente localizado, você não pode imputar a igualdade às modalidades lúdicas anteriores. En- tão, a questão da violência também há no século XiX, com a emergência dos esportes, uma atenua- ção, não uma eliminação, assim os esportes terão manifestações de violência. Nas partidas a gente vai observar o enfrentamento físico, nas diversas modalidades esportivas, inclusive no jogo de xa- drez. Lembro a vocês as competições de xadrez, durante a Guerra Fria, entre o Bobby Fischer e o Karpov: a mesa era vedada, porque eles se chuta- vam, então se você não fecha a mesa aqui, o outro vai chutar e ninguém está vendo! Então, a questão da violência vai aparecer, e o que acontece no es- porte? Você tem que atenuar. Você normatiza, você regulamenta, e você cria, pelo menos em tese, a igualdade de oportunidades para a disputa. Então terão que jogar onze de cada lado. Uma equipe não pode entrar com doze e outra com dez, que é dife- rente dos nossos acordos. Os nossos jogos, que não são esportes, que não são regulamentados em escala mundial, então se a gente for fazer uma partida aqui, ao final do encontro, mista, a gente já está subvertendo tudo. Vamos fazer uma partida mista, homens e mulheres jogando, e nós vamos fazer o quê? Vamos ver que uma equipe está fican- do mais forte, percebemos que uma equipe está ficando muito mais forte, então mudamos, altera- mos os jogadores, colocamos mais jogadores de um lado e menos jogadores de outro. Essa é uma

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lógica das modalidades lúdicas, não é a lógica da

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