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percussões nas condições de pobreza e segurança alimentar e nu tricional das famílias

SAN IA LEVE IA MODERADA IA GRAVE

3 As considerações fi nais referentes a este capítulo não incluem o modelo de análise, ainda em fase

4.6 Pobreza, direitos e programas complementares: a percepção dos(as) titulares do Programa

4.6.1. Concepção de pobreza

As famílias benefi ciadas pelo Programa Bolsa Família percebem a situação de pobreza de forma bastante ampla, que vai além dos condicionantes mais es- pecifi camente monetários normalmente utilizados como indicadores de pobreza. A concepção de pobreza que se expressa nas falas é marcada por um conjunto amplo de necessidades, entre bens e serviços, não-supridas e por um sentido relativo dessa condição, formado a partir da comparação a outros segmentos da mesma sociedade.

As famílias indicam vários fatores que determinam as múltiplas condições de vulnerabilidade para além da própria renda, dentre eles destacam-se: proble- mas de saúde, falência nas condições para estar empregado(a), baixa escolari- dade, composição e chefi a familiar, localidade de residência que, por sua vez, relaciona-se diretamente ao acesso a bens e serviços públicos. Nesse sentido, não há como falar de um perfi l de pobreza, mas de múltiplos perfi s, nos quais as vulnerabilidades interagem, se potencializam ou, em alguns casos, são ameni- zadas por fatores que constituem suporte social para as famílias e redes sociais de apoio.

Como já referido, este estudo parte dos pressupostos de Amarthya Sen de que o debate sobre pobreza deve privilegiar as habilidades e capacidades das pessoas, ou a “capacidade de funcionar”, e não apenas a posse de renda ou de bens. Em vez de determinar níveis de renda para reconhecer os grupos em desvantagem, devem ser consideradas as diferentes combinações de estados e atividades dos indivíduos. Tanto aspectos objetivos como subjetivos podem ser incorporados, fugindo do que Amarthya Sen chama de “métrica dos bens primá- rios”, na qual as comparações entre as pessoas só se baseiam em quanto cada um possui (Sen, 1991).

O estudo da pobreza também envolve imagens, idéias e representações que a sociedade compartilha sobre quem são e como vivem os pobres (Escorel, 1999). Essa subjetividade, sem dúvida, determina, em grande medida, o comportamento da sociedade face ao problema, marcando também a própria identidade dos grupos sociais mais vulneráveis. Uma percepção ampliada remete à diferenciação entre a

concepção de pobreza absoluta – defi nição de um padrão mínimo de subsistência com relação a alguns bens considerados básicos – e pobreza relativa – comparação da situação que o indivíduo ocupa com relação aos demais (Sen, 1981). Portanto, na análise da pobreza relativa, é fundamental que seja considerado o estilo de vida legitimado em cada sociedade, envolvendo também o comportamento alimentar.

O foco fundamental da abordagem ampliada da pobreza é a capacidade dos indivíduos para “funcionarem” (estarem bem nutridos, vestidos, dentre outros), e não os “funcionamentos” em si, compreendidos como o que cada indivíduo efetivamente alcança. Como discutido anteriormente, as relações entre renda e capacidades são fortemente afetadas pela idade (necessidades especiais), lo- calização (que determina vulnerabilidades específi cas, como acesso a bens e serviços básicos), situação epidemiológica (vulnerabilidade a doenças endêmicas e crônicas), dentre outros aspectos (Sen, 1991).

Como pôde ser observado na fase quantitativa da pesquisa, a maior par- te dos recursos do programa é utilizada para suprir necessidades básicas das famílias. Porém, é a partir de uma concepção ampla e relativa de pobreza que será defi nida a forma de utilização dos recursos, com base no que cada uma das famílias defi ne como necessidades. Essas necessidades incluem, além da alimentação, gastos com educação, vestuário, compra de remédios e material escolar, sapatos, lanche escolar, crediários para bens específi cos, como eletrodo- mésticos, mobílias, pagamentos de contas de luz, gás, assim como outros tipos de investimento em pequenos negócios e na produção agrícola.

A análise das percepções das famílias nos grupos focais indica que ocorrem escolhas cotidianas de consumo pautadas por diferentes exigências e necessi- dades. Como é possível observar, as decisões efetivas sobre a aquisição de bens nem sempre são pautadas pela ótica da sobrevivência.

Eu acho que não deveria ser miserável para receber o PBF, porque se fos- sem na minha casa não me dariam o PBF, porque tenho TV que comprei de crediário, ar condicionado usado, e eu também acho que se a pessoa tiver condições de tirar R$ 10,00 daquele dinheiro todo mês pra comprar um ventilador pra fi lha dela, eu acho que ela pode fazer isso. Eu não acho certo ela não poder ter um ventilador, nem uma panela de pressão dentro de casa. Eu não acho que não é digno ela comprar um tênis pra o fi lho. Se ela tem condições de organizar esse dinheiro e comprar um tênis pro fi lho dela, eu acho que ela está mais do que certa. A gente não precisa chorar miséria, mostrar que a gente é morta de fome, não. Porque a dignidade a gente tem que continuar tendo (Grupo Focal, Rio de Janeiro – RJ). Minha fi lha, mês passado, fez 14 anos e pediu roupa da C&A, porque sabe como é adolescente. Então, eu dividi em dois meses. Então, tem dois me- ses que eles não mexem no dinheiro porque tem que pagar a prestação da C&A. Quando for agora, que vai acabar em agosto, vai ser pro menino. Então, eu vou lá, compro e divido em três vezes, e assim eu vou fazendo

(Grupo Focal, Rio de Janeiro – RJ).

De acordo com os dados obtidos na etapa qualitativa, para além do incre- mento da renda, o que por si só amplia a capacidade de consumo das famílias, o Bolsa Família também possibilita que as famílias planejem gastos e ampliem as compras a crédito. Segundo relatos, o cartão do programa é tido como uma garantia para que as lojas aceitem fazer crediários e, também, uma segurança

para a família, que passa a se sentir confi ante para comprar a prazo. Essa nova possibilidade que se abre é fundamental para se compreender as formas de uti- lização do recurso.

No meu caso, consegui dividir o dinheiro. Eu ganho R$ 95,00 e consegui comprar um beliche, porque eu tenho um fi lho especial e ele, em crise, quebrou a minha cama. Então, como eu tenho muitos fi lhos, um beliche pra mim é o necessário, porque eu ponho dois em cima, dois em baixo e os maiores dormem no chão. Então, eu consigo pagar um beliche por R$ 39,00 todo mês (Grupo Focal, São João de Meriti – RJ).

Foi possível perceber, em diferentes falas, tantos nos grupos focais quanto nas entrevistas com gestores, que existem algumas formas de utilização dos recursos que são aceitas e outras não. As avaliações são fortemente infl uencia- das por pressupostos do que seria moralmente correto e por orientações rece- bidas dos gestores públicos. Ainda que os(as) titulares não concordem, ocorre- ram indicações de que determinados(as) gestores locais, além dos próprios(as) vizinhos(as) ou conhecidos(as), disciplinaram a forma de utilização dos recursos do programa. Em um dos municípios estudados, gestores chegaram a, até mes- mo, exigir que titulares prestassem contas dos gastos, de acordo com itens pre- defi nidos.

Diversos fatores podem estar relacionados a esse fato. Por um lado, pode- se perceber, tanto na fala de gestores quanto na de algumas pessoas benefi ci- árias, e que também se manifesta na opinião pública, uma possível expectativa sobre como os recursos do programa devem ser utilizados pelas famílias.

Pode-se considerar, ainda, possíveis diferenças de percepção sobre a pró- pria condição de pobreza. Como visto, as famílias benefi ciárias percebem sua condição de pobreza de forma ampliada e relativa e, portanto, utilizam os recur- sos do programa para suprir diferentes tipos de necessidades que consideram legítimas. No entanto, a fala de alguns gestores locais refl ete uma concepção absoluta de pobreza, que pode marcar a atuação das prefeituras com relação ao programa, seja no tratamento e na orientação dados aos(às) titulares no mo- mento do cadastramento, seja nos programas complementares que deveriam ser implementados por esse nível de governo e, principalmente, nas práticas de controle social desta política.

Outro aspecto que se destaca nas falas dos diferentes grupos focais com relação à concepção de pobreza é que ela varia entre dois extremos, distinguindo aqueles que visualizam essa condição como temporária, passível de superação, e os que indicam tratar-se de uma situação mais permanente, difi cilmente rever- tida. Vários sentidos sobre o programa puderam ser identifi cados com base nas falas dos(as) titulares, sejam aqueles mais próximos à concepção do programa como um paliativo e um instrumento de alívio à situação de pobreza temporária ou como única alternativa de sobrevivência em casos de escassez estrutural de oportunidades de emprego e geração de renda.

Essa visão vai se diferenciar de acordo com o contexto de onde os(as) titula- res. Nos grupos focais, foi possível observar que, as pessoas que encaram a po- breza como condição permanente, normalmente, residem em municípios onde não há muitas alternativas de inserção no mercado de trabalho. Nesses casos, os(as) titulares manifestam o desejo de recebimento permanente do recurso, tipo de visão que se mostrou mais recorrente em pequenos municípios, como São Sebastião do Alto, Manarí e Soure.

Eu acho que tinha logo é que aposentar todo mundo, essas pessoas mais carentes, né? (Grupo Focal, Soure – PA).

Já em grandes cidades, como Rio de Janeiro, Curitiba e Recife, prevaleceu um olhar de pobreza como condição passível de ser alterada, o que se explica pela maior intensidade da dinâmica socioeconômica dos grandes centros urba- nos. Nesses casos, os(as) titulares consideram que o programa deve estar dis- ponível até que a condição de pobreza seja superada, o que normalmente está relacionado à inserção no mercado de trabalho ou à independência fi nanceira de fi lhos e fi lhas. As expectativas dos(as) titulares com relação aos governos, a serem exploradas mais adiante, também serão fortemente marcadas pelas dife- rentes percepções sobre a capacidade de superação da pobreza.

Na fase quantitativa da pesquisa, foi possível observar a opinião das pesso- as benefi ciárias sobre até quando deveriam receber o benefício, o que pode ser conferido na fi gura abaixo.

Figura 92 – Opinião dos(as) titulares sobre até quando acham que deveriam receber o PBF

ATÉ QUANDO NECESSITARMOS ATÉ QUE OS FILHOS ESTEJAM INSERIDOS NO MERCADO DE TRABALHO

PARA SEMPRE ENQUANTO FILHOS(AS) ESTIVEREM NA ESCOLA ATÉ QUE CHEFES DE FAMÍLIA POSSAM SE ESTABILIZAR EM EMPREGO

10% 20% 30% 27,4

NS/NR ATÉ CRIANÇAS COMPLETAREM MAIORIDADE OUTROS 22,3 19,0 12,6 7,9 6,7 3,3 0,8

Figura 93 – Opinião dos(as) titulares sobre até quando acham que deveriam receber o PBF por área

ATÉ QUE OS FILHOS ESTEJAM NO MERCADO DE TRABALHO

Rural

10% 20% 30% 40% 2,5

ATÉ QUE OS CHEFES SE ESTABILIZEM NO EMPREGO

ENQUANTO FILHOS ESTIVEREM NA ESCOLA ATÉ CRIANÇAS COMPLETAREM MAIORIDADE

PARA SEMPRE

ATÉ QUANDO NECESSITARMOS

3,4 27,3 16,6 27,3 27,4 18,1 23,4 6,1 8,3 10,0 13,3 Urbano

A maior parte dos(as) titulares (74,3%) reconhece o Bolsa Família como um programa temporário, sendo que em 38,2% dos casos as saídas indicadas estão relacionadas a aspectos referentes às possibilidades de emancipação dos(as) fi lhos(as), enquanto 7,9 % associam a saída à estabilidade empregatícia dos che- fes de família. Ainda assim, é signifi cante o percentual de famílias que manifes- tam o desejo de receber o Bolsa Família para sempre (19,0%), principalmente na área rural, onde esse percentual chega a 27,3%.