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percussões nas condições de pobreza e segurança alimentar e nu tricional das famílias

4.2 Acesso à alimentação 1 Introdução

4.3.2. Mudanças no consumo alimentar a partir do Programa Bolsa Família

Os dados qualitativos indicaram possíveis mudanças no perfi l de consumo alimentar das famílias a partir do aporte de recursos proporcionado pelo progra- ma. Eles apontam para maior estabilidade no acesso à alimentação diante da possibilidade de contar com um recurso fi xo todo mês.

Você já organiza, você pode comprar alguma coisa que a criança nunca co- meu, cada mês você compra uma coisa diferente, você pode proporcionar uma coisa um pouco melhor pra ela, pode contar com aquilo (Grupo Focal,

Rio de Janeiro – RJ).

Em localidades onde as difi culdades de acesso aos alimentos são mais se- veras, o aporte de recursos possibilita a aquisição dos alimentos básicos, como arroz e trigo, que não são produzidos, mesmo na agricultura de subsistência. Isso pode ser observado em municípios rurais como Doutor Ulysses (PR) e Manari (PE), onde houve relatos de escassez alimentar severa. Os recursos do programa foram, então, direcionados para a compra de produtos não-plantados pelas famí- lias, como arroz e açúcar. Em Mato Grosso do Sul, foi citado, principalmente, o

aumento na compra de leite, arroz, feijão, óleo, sal, açúcar, café e verduras. Na aldeia indígena, esses alimentos já eram parte do consumo regular das famílias por serem provenientes da cesta básica de alimentos entregue mensalmente pelo programa de segurança alimentar do governo estadual.

Nas situações em que a alimentação básica vinha sendo, de certa forma, suprida, foi citada a possibilidade de compra de outros produtos de demanda reprimida. A carne, por exemplo, que embora fosse considerada essencial não era consumida com a regularidade desejada por causa da falta de renda, passa a ser adquirida com mais facilidade pelas famílias.

- O que mudou na alimentação com os recursos do programa?

- Mudou bastante coisa. Porque meus fi lhos não tinham carne todo dia, en- tão comiam arroz com ovo. Era sempre uma sopinha à noite. Então, hoje em dia, pra mim, melhorou muito, porque todo dia tem carne... Desse dinheiro que eu apanho, já ajuda a comprar a carnezinha pra eles comerem (Grupo

Focal, São Sebastião do Alto – RJ).

Aí, quando entra um biscoito lá em casa parece, assim, sabe... Tadinhos, eles atacam no mesmo dia, parecem uns bichinhos. Ontem mesmo, foi uma briga porque queriam biscoito e não tinha. Fazer o quê? Eu não vou roubar, vai ter que esperar o Bolsa (Grupo Focal, Rio de Janeiro – RJ).

As frutas também foram citadas, em alguns casos, como alimentos que passam a ser mais adquiridos com os recursos do programa.

Às vezes, quando eu vou receber e não tem muita coisa pra comprar, eu com- pro bastante fruta, porque na fruta tem a vitamina. Aí, eu compro, com R$ 20, fruta, iogurte, e assim tem que ser, né? Às vezes, a gente acostuma só na farinha, café, açúcar, arroz e não sei o quê, e quando a criança vai comer outra coisa na escola tem até medo de fazer mal (Grupo Focal, Recife – PE).

Alguns alimentos industrializados, que também se enquadram no conjunto de alimentos considerados “supérfl uos”, especialmente iogurte, refrigerante, bis- coito, bebidas achocolatadas e macarrão instantâneo, também se tornam mais acessíveis diante do aporte de recursos propiciado pelo programa. Iogurte e bis- coitos foram citados no Rio Janeiro, no Paraná, no Pará e em Mato Grosso do Sul. Parte desses produtos corresponde à demanda de consumo das crianças. Por vezes, o critério de decisão nas compras foi relacionado diretamente à prefe- rência ou ao gosto da criança, como citado em alguns relatos.

Eles sabem. Dia 7 já vou pegar e eles já sabem: ‘Vó, tu já vai comprar o Danone? Já (risos), vou receber o dinheiro (Grupo Focal, Belém – PA). Ele (fi lho) vai lá e mostra o pacotinho do Miojo® que ele quer que eu com-

pre. Miojo®, né? E daí eu trago, né? E ele come bastante (Grupo Focal,

Curitiba – PR).

Além dessas mudanças, foram citados o aumento no número de refeições e o aumento na quantidade de alimentos consumidos.

Aí, que deu pra comprar dois pacotes [leite em pó], antes era só um

(Grupo Focal, Belém – PA).

Agora, lá em casa, a gente compra mais, né, o que a gente não conseguia comprar. No meu caso, é isso (Grupo Focal, Doutor Ulysses – PR).

Os dados quantitativos, que serão descritos a seguir, complementam a aná- lise qualitativa das mudanças na alimentação a partir do PBF.

Com relação ao perfi l de consumo das crianças, os relatos dos grupos focais indicam diferenciações. Em algumas famílias, a alimentação infantil é distinta tanto com relação ao número de refeições quanto ao tipo de alimento consumi- do. Nesses casos, a mãe prefere que a criança coma a todo o momento, prática associada ao consumo de lanches rápidos ou guloseimas (iogurtes, bolachas, bebidas achocolatadas) que, a partir do recebimento do recurso do programa, passam a ser mais acessíveis. Em contrapartida, em outros relatos, percebe-se que não há diferenciação e que a criança apresenta o mesmo perfi l de consumo da família.

Mudanças no consumo por grupos de alimentos

Para fi ns de análise, os alimentos foram agrupados em 12 grupos, de acordo com a tabela abaixo.

Tabela 11 – Descrição dos grupos de alimentos

Grupo 1

arroz, farinha de mandioca, farinha de milho (fubá ou farinha de pipoca), creme de arroz (amido de milho e outros), pão (ou farinha de trigo), cuscuz (pão de milho), tapioca e macarrão

Grupo 2 biscoitos, bolachas ou bolos

Grupo 3 leite e derivados do leite (queijos, iogurte, coalha-

da) e achocolatados preparados com leite

Grupo 4 ovos

Grupo 5 frutas e sucos naturais

Grupo 6 verduras e legumes

Grupo 7 feijão, outras leguminosas e milho

Grupo 8 carne vermelha, frango, pescados, carne de porco,

cabrito, carne de bode, carne de caça

Grupo 9 margarina, manteiga e óleos

Grupo 10

embutidos, bebidas alcoólicas, café (chimarrão, chá), produtos enlatados e prontos para o consumo (sucos industrializados, macarrão instantâneo etc.) e salgadinhos

Grupo 11 tubérculos e raízes (mandioca/macaxeira, batata,

batata-doce, cará, inhame)

Grupo 12

açúcar, mel, melado de cana, rapadura, doces, geléias, sorvetes, gelatina, balas, bombons e refrigerantes

A fi gura 49 apresenta as modifi cações no consumo dos grupos de alimentos a partir do recebimento do PBF.

Os resultados encontrados revelam que o PBF possibilitou maior consumo de um ou mais tipo de cereais (76,1% – grupo 1) e de feijões (58,7% – grupo 7); maior consumo de fontes protéicas de origem animal, como as carnes (60,9% – grupo 8), o leite e os derivados do leite (68,2% – grupo 3) e os ovos (46,2% – grupo 4); maior consumo de alimentos essencialmente calóricos, como os bis- coitos (62,2% – grupo 2), os óleos e as gorduras animal e vegetal (55,5% – grupo 9), além do açúcar, dos doces e dos refrigerantes (78,3% – grupo 12); e, em menor proporção, o aumento no consumo de frutas (54,7% – grupo 5), verduras e legumes (39,9% – grupo 6). 58,8 41,3 37,5 54,4 21,7 G10 – Industrializados G11 – Raízes G12 – Açúcares

Aumentou Diminuiu Não houve alteração

78,3 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 42,7 62,2 43,2 G9 – Óleos 55,5 36,2 G8 – Carnes 60,9 G7 – Feijões 58,7 G6 – Vegetais 39,9 43,1 G5 – Frutas 54,7 51,8 G4 – Ovos 46,2 30,7 G3 – Leite 68,2 34,8 G2 – Biscoitos 62,2 23,9 G1 – Arroz e Cereais 76,1

Figura 49 – Modifi cações no consumo dos grupos de alimentos a partir do recebi- mento do PBF

Esses resultados corroboram a percepção das famílias sobre o aumento na quantidade e na qualidade da alimentação descrita anteriormente, principalmen- te com relação à possibilidade de “comprar mais os alimentos que as crianças gostam”, revelado por cerca de 6 milhões e 950 mil famílias benefi ciadas pelo programa, uma vez que se observou aumento expressivo no consumo de leite e seus derivados (grupo 3) e de biscoitos (grupo 2).