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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.6 Leitura: concepções e dificuldades

3.6.1 Concepções de Leitura

Durante muito tempo, acreditou-se que ler era extrair significado do texto. Nessa perspectiva, o leitor comportava-se como um agente passivo que precisava perceber as informações presentes no texto, sem participar do processo de geração de significados. Esse tipo de leitura caracterizava-se como ascendente, pois a informação partia do texto para o leitor através da decodificação, exigindo a habilidade da memorização, o que muitas vezes contribuía para dificultar o processo. Leffa (1996, p. 12) caracterizou a leitura, nessa perspectiva, como um “processo linear que se desenvolve palavra por palavra.” Assim, “O

significado é extraído ⎯ vai-se acumulando ⎯ à medida em que essas palavras vão sendo processadas.”.

Segundo o autor, essa concepção não reflete o que realmente acontece na leitura, pois o leitor não retira o conteúdo do texto assim como o conteúdo não se transfere do texto para o leitor. Na verdade, para Leffa (1996, p. 13) o conteúdo “se reproduz no leitor, sem deixar de permanecer no texto”. É o leitor, com sua visão de mundo, que constrói os sentidos do texto a partir da intersecção dos elementos linguísticos e não linguísticos e da reflexão que é feita a partir da análise desses elementos. Muitos autores compartilharam a visão de leitura como processo ascendente.

Chamamos de linguístico a esse modelo de leitura que considera a linguagem como um sistema fechado e autônomo em que o significado, no momento da leitura, é deixado em segundo plano, uma vez que a preocupação maior é com a forma, com a decodificação de letras, palavras e frases. Esse modelo de leitura tem como base a psicologia behaviorista ou comportamentalista de Skinner e o estruturalismo americano de Bloomfield (1933, 1942), que considera que a palavra está diretamente ligada ao que ela remete.

Nessa perspectiva, o significado encontra-se no texto e o leitor não participa do processo de construção de sentidos, uma vez que o modelo linguístico desconsidera a possibilidade de que o aluno já chegue na escola com um repertório sociocultural construído e que possa utilizar esse conhecimento para construir sentido para o texto (LEURQUIN, 2001). No final do século XX, entretanto, os avanços nas pesquisas sobre leitura passaram a revelar a presença de outros fatores tão relevantes para o processo quanto as informações verbais: as informações não-visuais, segundo Smith (2003), constituem o conhecimento prévio do leitor ou o significado do próprio texto. Desse modo, influenciado pelos estudos de Chomsky (1965), surgiu o modelo psicolinguístico de leitura, que defende a existência de um falante/ouvinte ideal, pertencente a uma comunidade linguística homogênea, mas que desconsidera a natureza variacional da língua.

Segundo esse modelo de leitura, a aprendizagem resulta de uma interação entre o ambiente e as estruturas cognitivas que já existem no indivíduo, sendo que a leitura é apresentada como uma atividade que se constrói de maneira criativa e que apresenta quatro características fundamentais: é objetiva, seletiva, antecipatória e baseada na compreensão de temas que o leitor já deve ter um domínio prévio (SMITH, 1989). Nesse sentido, a leitura é tida como um processo de busca por significados e que o leitor se apresenta como um participante ativo desse processo.

Dois importantes pesquisadores defenderam esse modelo de leitura: Goodman (1973) e Smith (1982). De acordo com os apontamentos de Leurquin (2001), para Goodman (1973 apud LEURQUIN, 2001), a compreensão de um texto está relacionada ao processamento das informações e das estratégias utilizadas para que essa compreensão aconteça. Ainda segundo a autora, Smith (1982 apud LEURQUIN, 2001), afirma a compreensão acontece quando o leitor consegue formular questionamentos ao texto e esses questionamentos conseguem ser respondidos ao longo da leitura. Nessa perspectiva, o ato de ler é visto como um processo cognitivo em que o leitor é considerado como um participante ideal que se mantém isolado da sociedade (LEURQUIN, 2001).

Em vista dessa característica, esse modelo de leitura ainda se apresenta como insuficiente, uma vez que apresenta ênfase no componente sintático e que a atribuição de significado acontece de maneira unidirecional: do sujeito para o texto, sem que haja uma troca ou compartilhamento de conhecimentos entre o autor e o leitor.

Diferente do modelo psicolinguístico de leitura, que considera o leitor como um agente ideal, surge, na segunda metade do século XX, o modelo interacionista de leitura I, que concebe o leitor como agente real, capaz de interagir com o texto, levando em consideração o contexto social, as comunidades heterogêneas e as culturas diversificadas. Nessa visão, valoriza-se as funções desempenhadas pela linguagem, a existência de um falante/ouvinte real e a variação linguística (LEURQUIN, 2001).

Os pesquisadores que mais contribuíram com estudos acerca desse modelo de leitura, de acordo com Leurquin (2001), foram Beaugrande e Dressler (1983 apud LEURQUIN, 2001) que afirmam que um texto é uma ocorrência comunicativa que apresenta sete padrões de textualidade: a coesão, a coerência, a intencionalidade, a aceitabilidade, a informatividade, a situacionalidade e a intertextualidade; Searle (1965), que, por sua vez, afirmou que, no processo comunicacional, existe uma intenção por parte do falante e que é essa intenção que define a finalidade de um texto; Labov (1966), que através de uma pesquisa realizada com o inglês falado por pescadores da faixa etária de 31 a 45 anos, contribuiu significativamente com conhecimentos acerca da existência da variação linguística; Dell Hymes (1967) que, baseado nos estudos de Chomsky, afirma que a competência comunicativa não se resume apenas em conhecer o sistema linguístico, mas em como saber utilizá-lo em situações diversas de comunicação; e Halliday (1969), que constatou que a criança, antes de chegar à escola, adquire funções linguísticas que se desenvolvem na seguinte ordem: instrumental, regulatória, interacional, pessoal, heurística, imaginária e informacional.

Assim, a partir da contribuição desses autores, passou-se a conceber que a construção de significados para o texto acontece de maneira bilateral: do texto para o leitor e do leitor para o teto, num processo que é ascendente e descendente simultaneamente, caracterizando a leitura como uma atividade complexa e interativa que acontece por meio da conjugação dos conhecimentos previamente adquiridos pelo leitor com as informações apresentadas no texto (LEURQUIN, 2001).

Dando continuidade aos estudos realizados acerca do modelo de leitura interacional I, os irmãos Goodman (1976), influenciados pelas pesquisas de Halliday (1969), defendem que a leitura constitui um processo de busca de significados orientado pela necessidade de comunicação do ser humano. Assim, ao propor o modelo interacionista de leitura II, eles procuraram se aprofundar mais no estudo das funções da linguagem e propõem sugestões para os professores viabilizarem em sala de aula, tornando a palavra interação ainda mais importante no ato de ler (LEURQUIN, 2001).

Para que a leitura aconteça, segundo esse modelo, é preciso que aconteça o momento da predição, da confirmação e da correção das ideias, de modo a garantir, de modo efetivo, a interação do texto com o leitor, considerando-o como um ser social que não necessariamente faz parte do mesmo grupo social do autor ou que apresenta a mesma compreensão de quem produziu o texto (LEURQUIN, 2001), mas que é capaz de construir significados através da troca de informações entre seus conhecimentos e as informações apresentadas no texto.

O quinto o último modelo de leitura, segundo Leurquin (2001), considera que o leitor, através do contato que estabelece com o texto e da troca de informações estabelecidas com esse contato, acabam se transformando, uma vez que se considera, no ato de ler, um indivíduo e um texto particular, num momento específico em um contexto social e cultural também específico como parte da vida do indivíduo e do grupo, conforme os apontamentos de Rosenblat (1978). Esse modelo de leitura ficou conhecido como sociopsicolinguístico.

Assim, a leitura é vista como uma atividade social, cultural, pessoal e histórica, uma vez que o leitor constrói o texto considerando não apenas o contexto de sua realização, mas também a intenção dos participantes (LEURQUIN, 2001). Porém, vale ressaltar que esse modelo apresenta limites pois, segundo Braggio (1992), parece faltar uma dimensão que dê conta do leitor que, ao se apropriar da linguagem, consiga refletir criticamente acerca da realidade.

Nessa perspectiva, Bakhtin (1992), afirma que a leitura acontece somente quando o leitor estabelece uma relação com o texto e com o autor, numa atitude de responsabilidade

que o possibilita refletir e reavaliar o que leu. Ao chamar a atenção para a importância da relação autor-leitor no momento da leitura, o autor nos mostra que o objetivo da prática de leitura em sala de aula tem um fito bem mais amplo do que desenvolver a competência linguística do leitor, requer um trabalho que leve o aluno a refletir acerca do que está lendo e a formular ideias que sejam ou não consonantes com a do autor, formando, dessa maneira, leitores críticos e autônomos.

Tal ideia decorre do fato de a leitura consistir num árduo processo que envolve mecanismos cognitivos e que tem por objetivo a geração de significados por parte do leitor, exigindo a reunião de fatores múltiplos capazes de contribuir para o desenvolvimento da habilidade de ler, como bem afirma Kleiman (2011, p. 15):

O processo de ler é complexo. Como em outras tarefas cognitivas, como resolver problemas, trazer à mente uma informação necessária, aplicar algum conhecimento a uma situação nova, o engajamento de muitos fatores (percepção, atenção, memória) é essencial se queremos fazer sentido do texto.

Podemos perceber, a partir dessa definição, que o ato de ler vai para além do processo de decodificação, pois envolve elementos extralinguísticos que, segundo a autora, são essenciais para o processo de construção de sentidos. Nessa abordagem, percebemos a relevância que têm os conhecimentos prévios que o aluno apresenta acerca do assunto tratado e da necessidade de se fazer uma relação entre esses conhecimentos e as informações apresentadas no texto a fim de que se ocorra uma efetiva compreensão.

Desse modo, a leitura passa a ser encarada como uma porta de entrada para a geração de conhecimentos e para a aprendizagem do leitor como um todo, ampliando sua relevância e abrangência e fazendo com que sirva de instrumento de inserção do educando na sociedade. Para Silva (1998, p. 56), “em certo sentido, a leitura de textos se coloca como uma janela para o mundo”, sendo, por isso mesmo, importante “que essa janela fique sempre aberta, possibilitando desafios cada vez maiores para a compreensão e decisão do leitor”.

Assim, podemos afirmar que esse processo precisa ser muito bem trabalhado pela escola, que assume o papel de mediadora na inserção do educando na sociedade como um cidadão crítico e participativo. Por isso, faz-se necessário conhecer esse processo, a fim de se trabalhar, de maneira qualitativa, a leitura na escola, de modo a conhecer as habilidades mínimas desenvolvidas por um leitor considerado proficiente e detectar os alunos que apresentam dificuldades na execução dessa capacidade para, desse modo, elaborar estratégias que visem à superação dessas dificuldades.

Em nossa pesquisa, tendo em vista que defendemos o ensino de leitura sob a perspectiva da interação autor-texto-leitor, considerando as informações apresentadas pelo autor, através do texto, e os conhecimentos prévios do leitor, em um dado contexto de produção e de comunicação, nos baseamos nos modelos interacionistas e sociopsicolinguístico de leitura para o direcionamento de nossas aulas, de modo a possibilitar a participação dos alunos na construção de significados para os textos analisados e a mediação do professor nesse processo.

No tópico seguinte, abordaremos a respeito das principais dificuldades encontradas pelos leitores ao tentar construir significados para um texto e falaremos sobre o que pode ser feito para superar essas dificuldades em sala de aula.