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O Cordel em sala de aula e Bráulio Bessa como uma opção

2 O CORDEL EM SALA DE AULA

2.4 O Cordel em sala de aula e Bráulio Bessa como uma opção

Se, por um lado, de acordo com Campos (1977, p. 67), “os folhetos populares obedecendo a inteligente orientação didática, poderiam se tornar veículo de inestimável valor para levar ao trabalhador ensinamentos”, de modo a orientá-los acerca de sua rotina diária, por outro lado, eles também podem servir de instrumento para o desenvolvimento do senso crítico dos educandos, uma vez que a diversidade de assuntos abordados abrange desde os fatos históricos e as lendas populares, até os acontecimentos que permeiam a sociedade e ainda oferece um aparato de possibilidades para discussão em sala de aula, o que diminui a disparidade existente entre o conhecimento prévio do aluno e as novas informações a eles apresentadas.

Nessa perspectiva, Pinheiro e Lúcio (2001, p. 56) fazem a seguinte observação acerca das intencionalidades de escrita de cordéis:

A Literatura de Cordel, ao longo de sua história, tem sido instrumento de lazer, de informação, de reivindicações de cunho social, realizadas, muitas vezes, sem uma intencionalidade clara. Mais recentemente, podemos apontar no cordel uma acentuação do caráter de denúncia de injustiças sociais que há séculos estão presentes em nossa sociedade.

Essa diversidade de temas e de intenções que permeiam os cordéis, permitem-nos desenvolver, em sala de aula, estratégias de leitura que visam ao aprimoramento do senso crítico dos alunos, dada a facilidade que eles apresentam de se identificar com os temas propostos, uma vez que foram coletados do cotidiano da nossa sociedade.

Além da abordagem de temáticas sociais, o cordel também traz, em seus textos, assuntos relativos à cultura de um modo geral, seja ela popular, através da narração das espertezas e malandragens de personagens como João Grilo e Pedro Malasartes, por exemplo, e de acontecimentos fantásticos como a viagem de São Saruê, de Manuel Camilo dos Santos; ou históricos, como os folhetos que narram o percurso de personalidades como Padre Cícero, Antônio Conselheiro e Tancredo Neves, possibilitando ao aluno um diálogo com outras disciplinas e o acesso à história do local em que vive. Sobre essa característica, Curran (1998) afirma que o cordel mistura fato e ficção e que, por isso, entre outras características, contribui para informar, divertir e ensinar, o que facilita o processo de apreensão de significados e de compreensão.

Em relação ao trabalho com o cordel em sala de aula, Pinheiro e Lúcio (2001, p.81) declaram que “qualquer sugestão metodológica no campo do trabalho com a literatura de cordel pressupõe este envolvimento afetivo com a cultura popular”, o que significa dizer que a metodologia utilizada precisa favorecer o diálogo com a cultura da qual o cordel é originário, pautada numa experiência que envolva os alunos e a comunidade escolar como um todo.

Assim, o trabalho precisa partir tanto dos conhecimentos prévios e das experiências dos alunos, como da leitura dos folhetos para, em seguida aventurar-se na análise dos assuntos neles abordados, se o objetivo maior for o desenvolvimento de uma leitura crítica e significativa.

Ainda segundo Pinheiro e Lúcio (2001), o cordelista geralmente narra fatos que são contemporâneos à sua vida e que, ao trabalhar com textos desse gênero em sala de aula, é importante que o professor se interesse em fazer com que o educando perceba como o poeta se posiciona diante da história, a fim de não transformar o folheto em um mero relato jornalístico, o que vai de encontro à proposta de trabalho com leitura apresentada pela BNCC

para as aulas de leitura, que é contribuir para que o aluno seja capaz de construir significado através da inter-relação estabelecida entre as diversas áreas do saber (BRASIL, 2015).

Nessa perspectiva, Santos (2016), do curso do Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), campus Currais Novos, em sua dissertação A literatura popular na sala de aula: uma proposta para o ensino de leitura literária, objetivou utilizar a literatura popular e erudita como instrumento para a melhoria na formação leitura dos alunos, por considerar a linguagem da poesia popular e de tradição erudita instigadoras e propícias para o desenvolvimento do letramento literário dos alunos.

Para isso, a autora desenvolveu seu trabalho no formato metodológico da pesquisa-ação de Thiollent (2011) e realizou oficinas a partir de estudos acerca do letramento literário de Cosson (2007). Por utilizar o cordel como suporte para a realização de suas oficinas em sala a de aula, a autora considerou os apontamentos de Pinheiro (1995) e de Pinheiro e Marinho (2012).

A pesquisa realizada concluiu que as oficinas de leitura utilizadas foram eficazes e pertinentes uma vez que, segundo a autora, serviram para a aproximação dos alunos entre si e para a melhora na compreensão e na fruição do texto de linguagem popular e erudita, o que reitera a relevância do trabalho com literatura de cordel para o aprimoramento da compreensão dos alunos nas aulas de leitura.

Com o objetivo de evidenciar a importância da literatura de cordel enquanto instrumento de leitura que desvenda os múltiplos sentidos de um texto, Souza (2017), em sua dissertação Os textos cordelísticos no 9º ano do Ensino Fundamental II: perspectivas de aplicabilidades didático-pedagógicas dos Círculos de Leitura, publicada pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), unidade do PROFLETRAS em Campo Grande, propôs abordagens teórico metodológicas acerca do trabalho com literatura de cordel a partir do desenvolvimento de círculos de leitura, conforme os apontamentos de Cosson (2014). A escolha do cordel, segundo a autora, deveu-se ao fato de essa literatura popular estar praticamente ausente na sala de aula.

Ao analisar os dados coletados, Souza (2017) concluiu que o trabalho com o poema de cordel, visto por ela como um dos elementos mais fortes da cultura nordestina, ganhou uma atenção especial, visto que, ao proporcionar ressignificações acerca da exterioridade da linguagem em seus contextos de produção, contribuiu para o desenvolvimento das habilidades de leitura dos educandos participantes da pesquisa.

Ainda sobre as pesquisas realizadas com o gênero cordel, Fernandes (2016), em sua dissertação O uso da Literatura de Cordel no Ensino Fundamental (anos finais): proposta de material didático, publicada pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), outro campus do Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), objetivou identificar e analisar as estratégias utilizadas na escola para o ensino de cordel, a fim de produzir um caderno com sugestões de atividades a serem aplicadas durante o ano letivo, de modo a fazer com que os alunos fossem motivados a assumir uma postura de valorização da cultura nordestina.

Para alcançar seu objetivo, Fernandes (2016) utilizou como base os livros Acorda Cordel na Sala de Aula, de Viana (2010); Lições de Gramática em Versos de Cordel, de Viana (2012) e O Cordel no Cotidiano Escolar, de Pinheiro e Marinho (2012).

Ao término da pesquisa, Fernandes (2016) concluiu que os alunos tiveram a oportunidade de conhecer sobre o uso da literatura de cordel na escola e descobrir a importância que os educandos passaram a atribuir a esse tipo de literatura, uma vez que ampliaram seu repertório de leitura e desenvolveram o prazer de ler textos, o que reitera a relevância do trabalho com textos desse gênero em sala de aula, já que servem de suporte para a iniciação dos educandos no desenvolvimento do seu letramento literário.

Como podemos perceber, os trabalhos anteriores buscaram desenvolver a competência leitora dos alunos através da leitura de textos do gênero cordel, utilizando como aporte metodológico os Círculos de Leitura, propostos por Cosson (2007; 2012; 2014), com exceção do último trabalho, que visou estimular a valorização da cultura nordestina por parte dos educandos e produzir um material didático, a partir dos resultados obtidos.

Nossa pesquisa, porém, teve a finalidade de possibilitar ao aluno a identificação das informações que estão na parte mais profunda dos textos do gênero cordel, de modo a permitir que ele desvende o implícito presente nas entrelinhas e o posicionamento do autor e das outras vozes que aparecem no texto acerca do assunto, contribuindo, dessa forma, para uma leitura mais crítica e de mais qualidade.

Para tanto, optamos por trabalhar com os textos do cordelista Bráulio Bessa, uma vez que estimulam uma análise e uma reflexão maior por parte do leitor, em relação ao que está representado e decidimos ter como base metodológica as propostas do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), apresentadas por Bronckart (2007), no tocante ao trabalho com o contexto de produção e com o aspecto enunciativo dos textos.

Nascido em Alto Santo, no interior do Ceará, Bráulio Bessa começou a escrever seus primeiros cordéis aos 14 anos, inspirado nos textos do cordelista Patativa do Assaré.

Reconhecido em todo o Brasil, Bessa ganhou visibilidade em 2012, ao criar uma página na internet para divulgar seu trabalho, através da publicação de vídeos em que recitava os cordéis produzidos sobre o Nordeste.

Como seus textos costumam refletir acerca dos valores, dos afetos, dos anseios, dos sentimentos e dos acontecimentos que permeiam a sociedade, alguns de seus vídeos alcançaram mais de cem milhões de visualizações, o que também lhe garantiu uma participação semanal no programa Encontro, da apresentadora global Fátima Bernardes, aumentando ainda mais sua popularidade. Segundo a apresentadora, “O Bráulio mexe com nossas memórias, nossos sentimentos, faz aflorar o melhor da gente”, justificando o fato de seus cordéis serem admirados por um grande quantitativo de pessoas.

Um diferencial, apresentado pelo autor na escrita de seus cordéis, é o fato de empregar uma linguagem que, embora um pouco mais refinada para textos desse gênero, caracterizado, principalmente pelo registro de expressões nordestinas orais em sua composição, a apreciação de suas composições acontece por pessoas de diferentes níveis de letramento, uma vez que a compreensão da mensagem transmitida aconteça pela aproximação de seu público com os temas tratados.

Além do mais, os cordéis de Bráulio Bessa não apresentam uma forma fixa de composição, visto que a preocupação maior do poeta é com a mensagem a ser transmitida e com a reflexão provocada nas pessoas que têm acesso a suas produções, o que, de certa forma, chama a atenção de seus expectadores/leitores. Outro fator que incentiva o interesse do público consiste no fato de seus cordéis seres recitados, prática que possibilita ao autor dar vida e sentido ao que escreveu, gerando no público uma identificação maior com o tema tratado.

Vale ressaltar, ainda, que outras características marcantes nos cordéis do autor consiste na presença da intertextualidade, dada a habilidade que ele apresenta de trazer, para seus cordéis, conhecimentos advindos de outras áreas do conhecimento e citações que nos remetem a figuras importantes que foram capazes de nos trazer ensinamentos preciosos através do exemplo de vida que deram; assim como a caracterização que o poeta faz acerca do Nordeste.

O cordel a seguir, cujo título não foi mencionado no livro Poesia com Rapadura, retrata bem algumas das características presentes nas produções de Bráulio Bessa:

Um sorriso no rosto contagia, e enfeita muito mais que maquiagem que depois de usar vem a lavagem

e a beleza se escorre pela pia. Diferente da verdadeira alegria que é obra de Deus, esse pintor que enfeita nossa alma de amor, muitas vezes paro, penso e analiso: se o tempero da vida é o sorriso, vou sorrindo pra vida ter mais sabor. Charlie Charplin, nosso gênio adorado disse algo para o mundo refletir: que um dia vivido sem sorrir é de fato um dia desperdiçado. Não precisa ficar mal-humorado, enfrentando um desafio ou uma dor, um sorriso é sempre superior.

Como Chaplin, também deixo meu aviso: se o tempero da vida é o sorriso

vou sorrindo pra vida ter mais sabor. (BESSA, 2017, p. 123)

Percebemos que o cordelista, em seu texto, apresenta uma reflexão sobre a importância do sorriso na vida das pessoas. Segundo o autor, a pessoa que não se deixa levar pelos problemas do dia a dia e que procura encarar as dificuldades, mostrando sempre um sorriso no rosto, além de tornar sua vida mais leve e feliz, torna-se uma pessoa verdadeiramente bonita, sem precisar dos artifícios da maquiagem para alcançar esse objetivo. No verso “muitas vezes paro, penso e analiso”, Bessa demonstra que seus conhecimentos são fruto da observação e do que aprendeu em seu dia a dia, o que, de acordo com Campos (1977), já citado anteriormente, constitui um saber que já nasce com o indivíduo e que o cordelista transpôs para seu livro com o intuito de gerar uma reflexão no leitor. Essa característica, de trazer para seus textos conhecimentos oriundos de sua observação da realidade, possibilita ao leitor uma maior facilidade de compreensão, uma vez que as chances dos educando se identificarem com temas desse tipo é maior.

Ao citar Charlie Chaplin, o poeta demonstra que, além dos conhecimentos que são frutos de suas experiências, o cordelista apresenta conhecimentos oriundos de culturas diferentes e que são encontrados em outros suportes de comunicação, possibilitando, dessa maneira, que o aluno perceba a presença da intertextualidade, no momento em que cita o pensamento do artista nos versos: “que um dia vivido sem sorrir / é de fato um dia desperdiçado” e conclui que, além da voz do autor, os textos são permeados por pensamentos e ideias propostas por outras pessoas.

Em seus textos, o autor também faz um retrato da cultura nordestina e, por isso, de acordo com o apresentador Jô Soares, é considerado embaixador do Nordeste na internet. O

cordel Mulher Nordestina, exemplifica de que maneira Bráulio Bessa caracteriza o povo do nordeste em seus cordéis:

Tens o gosto do mel da rapadura tens o cheiro do cuscuz na cuscuzeira, tens a voz da asa-branca cantadeira tens do doce de caju toda doçura. És bonita, abonitada, frágil e dura, arretada, invocada, verdadeira. Boniteza lá de nois, tão brasileira, Deus foi bom e caprichou quando fez ela, fabricou uma mulher tão linda e bela que eu não troco por nenhuma estrangeira. (BESSA, 2017, p. 100)

Percebemos que, ao tentar traçar um perfil da mulher nordestina, o cordelista apresenta ao seu leitor outros elementos, que configuram a cultura do Nordeste, no que diz respeito à culinária, ao fazer alusão ao mel da rapadura e ao cuscuz na cuscuzeira; à fauna do nordeste, quando menciona a asa branca e à nossa flora juntamente com a culinária, quando apresenta o caju. Nessa caracterização, o autor se utiliza da figura de linguagem comparação e da utilização uma linguagem que é acessível a leitores de diferentes classes, demonstrando habilidade no manejo da língua, em vista de um propósito comunicativo.

Assim, Bráulio Bessa permite que o seu leitor possa desvendar, com mais facilidade, as mensagens implícitas ao que está na superficialidade de seus textos, uma vez que se mune de conhecimentos que permeiam diversas áreas do conhecimento e que estão presentes nos acontecimentos diários de pessoas de níveis sociais diferentes.

Portanto, o trabalho com os textos do cordelista Bráulio Bessa, contidos no livro Poesia com Rapadura (2017), nos fornece subsídios que propiciam uma leitura mais crítica dos textos, uma vez que seus cordéis versam sobre temas que vão desde uma reflexão acerca dos valores e dos sentimentos humanos até uma discussão relacionada aos problemas existentes em nossa sociedade, frutos da observação do autor acerca do meio e da sociedade onde vive.

É a partir de experiências significativas como essas que o trabalho de leitura produz frutos e acaba por desenvolver a capacidade leitora dos alunos, pois partem do conhecimento e das experiências vivenciadas pelos educandos e têm como suporte um gênero textual que apresenta uma linguagem próxima dos alunos e que trata de temas que circundam

tanto a realidade em que vivem quanto a apresentação de culturas de épocas diferentes, possibilitando, dessa maneira, a inserção desses leitores na sociedade.

No capítulo a seguir, trataremos do aporte teórico que serviu de base para a nossa pesquisa.