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Concepções dos professores e práticas de avaliação das aprendizagens

CAPÍTULO 2 – Avaliação das aprendizagens

2.6. Concepções dos professores e práticas de avaliação das aprendizagens

As concepções constituem um conjunto de opiniões ou pontos de vista sobre uma realidade, situam-se na interface entre o pensamento e a acção e resultam de uma construção pessoal com base em representações, ideologias e teorias. As concepções sobre avaliação, em particular, são o conjunto de ideias ou pontos de vista mais ou menos explícitos no professor que têm por função guiar a sua prática pedagógica (Alves, 2004)

Segundo a mesma autora, o professor possui crenças e concepções que influenciam a sua acção pedagógica, a sua forma de agir e pensar. As suas decisões avaliativas ou pedagógicas resultarão sempre das concepções que este construiu ao longo da sua prática e que foram influenciadas pelo seu capital cultural, pelo habitus (esquemas de pensamento, de percepção, de avaliação e acção que possui todo o indivíduo), pelas teorias curriculares, pela experiência profissional e pela experiência pedagógica que entram em interacção para responder a situações imprevistas (figura 6, que se encontra na página seguinte).

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Figura 6 - Factores que influenciam as concepções e as práticas de avaliação dos professores (Alves, 2004, p. 55)

O professor possui, pela sua formação, um conjunto de informações teóricas sobre as teorias dos investigadores relativas ao ensino e à avaliação na sua disciplina, os modelos de aprendizagem e os textos oficiais. Este conjunto de informações constitui o capital cultural do professor (figura 6), o qual se transforma com a própria experiência. No momento de tomar decisões, nomeadamente, no âmbito da avaliação das aprendizagens, as informações teóricas combinam-se com opções oriundas de uma reflexão pessoal e de uma teorização da experiência, isto é, com as concepções dos professores. O habitus (figura 6) é a matriz de apreciações, de percepções e de acções que permite ao professor agir em função de uma imagem que ele tem da realidade. Assim o habitus intervém, simultaneamente, nas concepções dos professores relativamente à avaliação das aprendizagens e nas suas próprias práticas avaliativas.

Alves (2004), num estudo realizado com professores do ensino básico e secundário, constatou que os professores tinham as suas próprias concepções e que estas influenciam fortemente as práticas de ensino e de avaliação, nomeadamente ao nível da leitura da actividade dos alunos e da interpretação que dela é feita, da escolha dos conteúdos que os alunos são susceptíveis de integrar e da elaboração de situações de remediação e de avaliação.

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Uma revisão da literatura realizada por Barreira e Pinto (2006) indica, também, que as concepções dos professores influenciam a sua orientação metodológica e o seu comportamento na sala de aula.

Fernandes (2005) realizou uma revisão da literatura sobre trabalhos de investigação em avaliação das aprendizagens realizada em Portugal. O autor verificou que a grande maioria das investigações estudaram as concepções dos professores relativamente à avaliação das aprendizagens e as suas práticas de avaliação, tendo encontrado evidências que apontam para que:

- os professores privilegiam a avaliação dos conhecimentos específicos das disciplinas que leccionam em prejuízo das competências transversais, as quais são raramente valorizadas e, consequentemente, raramente avaliadas;

- os testes são o instrumento de avaliação mais valorizado e utilizado pelos professores, que tendem a avaliar os conhecimentos correspondentes aos conteúdos constantes nos programas;

- a atribuição das classificações está sobretudo dependente dos resultados dos testes, os quais são percepcionados como mais objectivos, mais válidos e mais fiáveis;

- os professores revelam dificuldades na integração de informação, obtida através de observações e de conversas informais, sobre o desempenho e os saberes dos seus alunos;

- os critérios de avaliação são, geralmente, definidos individualmente pelo professor;

- a maioria dos professores não explicita os critérios de avaliação aos seus alunos;

- a grande maioria dos professores concorda com a necessidade de diversificar as estratégias, técnicas e instrumentos de avaliação. No entanto as suas práticas avaliativas não são uma réplica do seu discurso.

Numa revisão de literatura desenvolvida por Gil-Peréz e Torregrosa (2005), salientam-se as seguintes concepções dos professores sobre avaliação:

- os professores consideram fácil avaliar as matérias de ciências com objectividade e precisão devido à mesma natureza dos conhecimentos avaliados;

- os professores têm tendência a limitar a avaliação ao que é mais facilmente mensurável, sendo evitado tudo o que pode dar lugar a respostas imprecisas;

- os professores têm uma concepção elitista da aprendizagem, que supõe que as matérias de ciências não estão ao alcance de todos e, consequentemente, que uma

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avaliação bem organizada mostrará o fracasso “inevitável” de uma percentagem importante dos alunos;

- os professores têm a tendência para auto-desculpar-se, atribuindo a elevada percentagem de insucesso a causas externas, nomeadamente aos próprios alunos ou à instrução precedente.

No que respeita à consistência entre as concepções e as práticas dos professores, numa revisão de literatura levada a cabo por Barreira e Pinto (2005), assente em 43 investigações sobre a avaliação das aprendizagens dos alunos, publicadas entre 1990 e 2005, são salientadas três tendências: (i) há, na generalidade, uma valorização conceptual da avaliação formativa, sem contudo por em causa a avaliação sumativa; (ii) em termos das práticas avaliativas, parece haver um desfasamento entre a cultura escolar assente em práticas de avaliação sumativa e aquilo que os professores gostariam de fazer, praticar uma avaliação mais formativa; (iii) os estudos que revelam uma maior convergência entre o que se pensa e o que se faz em termos de avaliação formativa mostram que esta convergência passa por processos de transformação de práticas mais tradicionais em práticas mais formativas. Apesar das tendências indicadas, a maior parte dos resultados da investigação, nacional e internacional, mostram que as práticas avaliativas ficam muito aquém das concepções e dos discursos sobre avaliação.

Numa outra revisão de literatura desenvolvida por Fernandes (2006b), também sobre investigação realizada em Portugal, no âmbito da avaliação, baseada em 59 artigos publicados entre 1985 e 2005, este autor conclui que a avaliação formativa, embora referida na maioria destes estudos, é feita com pouca profundidade, partindo do pressuposto que a avaliação formativa toma o mesmo significado para todas as pessoas. Os resultados da investigação a nível internacional são convergentes com os anteriormente apresentados, sugerindo que, em geral, as práticas de avaliação são relativamente pobres apresentando uma diversidade de insuficiências e problemas (Black & Wiliam, 1998; Jorro, 2000).

Continua a ser difícil aos professores dos mais variados sistemas educativos desenvolverem, nas suas salas de aula, práticas de avaliação formativa. Esta situação é normalmente atribuída a razões como: a) limitações da formação dos professores; b) dificuldades na gestão do currículo; c) concepções erróneas dos professores acerca da

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avaliação formativa; d) inadequações na organização e funcionamento das escolas; e) pressões da avaliação externa; e f) extensão dos programas escolares (Fernandes, 2006a).