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A concepção de superdotação esteve por muito tempo associada ao conceito de inteligência. Numa visão tradicional, a inteligência era definida como a capacidade de responder a testes psicométricos – QI (ALENCAR; FLEITH, 2001). Ao longo dos anos, diferentes teóricos foram delineando o interesse pelo tema, embora alguns pesquisadores já se interessem há algum tempo. Nas últimas décadas isso tem se acentuado, devido ao reconhecimento de que indivíduos superdotados são altamente valiosos para o futuro e o desenvolvimento de um país e da humanidade (ALENCAR, 2001; DAVIS; RIMM, 1994; GARDNER, 1995; RENZULLI, 1986; TANNENBAUM, 1991; VIRGOLIM, 1997, 2002).

Estudos pioneiros marcam a história do conhecimento sobre inteligência e superdotação, desde Galton, em 1869, que levantou em seus estudos questões relacionadas à inteligência humana, na qual a genética era considerada fator determinante. Porém, as primeiras tentativas de se desenvolver instrumentos de medidas na área foram realizadas em 1905 por Binet, que, por meio de uma série de testes para avaliar memória, atenção, imaginação, compreensão, raciocínio, entre outros aspectos, propôs uma escala onde o desempenho da criança nos diferentes itens do teste, permitia conhecer sua idade mental. Ele buscava responder a questões de natureza prática, além de sugerir que a inteligência era composta por um conjunto de habilidades independentes (GARDNER, 1995).

Na década de 1930, novos procedimentos significativos foram desenvolvidos por Thurstone, um dos pioneiros a assinalar que a inteligência poderia constituir-se de um pequeno número de faculdades independentes e correspondentes a diferentes domínios cognitivos. Em anos mais recentes, surgiram novas contribuições teóricas, entre as quais as mais conhecidas são as de Guildford, Sternberg e Gardner, por defenderem uma abordagem multidimensional da inteligência (ALENCAR; FLEITH, 2001).

Dentre as teorias recentes da inteligência, uma das mais conhecidas e divulgadas no Brasil, como mencionado, é a de Howard Gardner, professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, autor da teoria das inteligências múltiplas. Ele conceitua inteligência como a capacidade de resolver problemas ou criar produtos valorizados, assinalando que um alto nível de habilidade em uma inteligência não significa elevado nível em outra inteligência. Sua teoria inclui oito

formas distintas de competência intelectual, a saber: lingüística, musical, lógico- matemática, espacial, cinestésica, interpessoal, intrapessoal e naturalista.

Com a mudança de uma visão unidimensional para uma visão multidimensional, passou-se a enfatizar a idéia de que existem muitos tipos de inteligência, favorecendo principalmente aqueles indivíduos altamente criativos, com alto pensamento divergente, e considerando variáveis como criatividade e liderança. Tendo as capacidades lingüística e lógica como constituintes básicos dos testes diagnósticos de inteligência, os testes de QI medem fundamentalmente as capacidades utilizadas nessas áreas, podendo predizer o sucesso no desempenho escolar de um indivíduo, mas não necessariamente no desempenho de uma profissão. Conceituar inteligência com base nas capacidades lingüística e lógica é restringir um entendimento do perfil de inteligência, além de poder trazer prejuízos aos indivíduos com capacidades em outras inteligências (GARDNER, 1995).

Os testes desenvolvidos para avaliar tanto a inteligência inata como o conhecimento adquirido são certamente valiosos. Entretanto, Sabatella (2005) adverte que, desde a época em que foram elaborados, os testes avaliam principalmente a memória e o raciocínio verbal, o raciocínio numérico e a análise de seqüências lógicas. Assim, os escores alcançados não significam desempenho em todas as habilidades, há muitos outros aspectos que não são avaliados.

De acordo com Sabatella (2005), os testes de QI contêm perguntas com conteúdos fora do contexto das experiências reais e avaliam apenas a inteligência acadêmica (linguagem e matemática), enfatizando mais a memória, em detrimento do pensamento de ordem superior e das habilidades em solucionar os problemas, deixando de lado outras capacidades. Assim, acabam por penalizar crianças que pensam de forma criativa, além de não medir habilidades como liderança, argumentação, potencial artístico ou criatividade, que são talvez as mais importantes para o futuro desempenho no trabalho e na vida.

A relação entre criatividade e inteligência é outra questão que também tem sido objeto de estudo. Segundo Alencar e Fleith (2001), Guilford defendia que a criatividade seria um subconjunto do construto inteligência, considerando a criatividade uma faceta do funcionamento intelectual, não avaliada nos testes de inteligência. Ao contrário, para Sternberg, a inteligência é um subconjunto de criatividade e, para Gardner, a criatividade seria um aspecto da inteligência. Embora Renzulli (1986) compreenda criatividade e inteligência como construtos distintos,

aponta ser necessário que as pessoas criativas possuam um nível mínimo de inteligência e que estes dois construtos devem ser considerados e amplamente investigados no momento da avaliação e definição de superdotação, além de outros fatores que também devem ser considerados como personalidade e ambiente sócio- cultural.

Assim, a visão de que inteligência e criatividade são construtos que se superpõem ou coincidem implica afirmar que sob alguns aspectos são similares, mas sob outros são diferentes. Essas abordagens demonstram que, “não há consenso entre os estudiosos da área quanto à questão de ser a criatividade uma dimensão isolada e independente da inteligência ou, pelo contrário, haver uma relação significativa entre inteligência e criatividade” (ALENCAR; FLEITH, 2001, p. 38).

Gardner (1994) frisa também, que não há elementos nos testes de QI que permitam extrair da mente do indivíduo sua capacidade de produtividade criativa e suas tendências em direção à originalidade. Assim, a criatividade seria uma faceta do funcionamento intelectual não avaliada pelos testes tradicionais de inteligência, que tendem a estimar especialmente as habilidades de pensamento convergente.

Sem questionar a eficácia dos testes de QI, Gardner (1995) enfoca a importância de nos afastarmos da testagem padronizada, por acreditar que esses testes medem somente uma pequena porção das capacidades intelectuais, beneficiando muitas vezes um determinado tipo de facilidade descontextualizada.

Segundo Alencar e Fleith (2001, p. 30), “a teoria desenvolvida por Gardner pluraliza o conceito tradicional de inteligência”. Essa mudança de visão unidimensional para multidimensional tem possibilitado uma definição mais ampla de inteligência, e consequentemente, uma melhor compreensão do indivíduo superdotado. Diferentes concepções teóricas, enfoques metodológicos e conceitos parecem justificar os vários termos encontrados na literatura. Dentre os termos mais comuns estão: superdotados, bem-dotados, mais capazes, talentosos, com altas habilidades, com inteligência superior; entre outros. Há uma tendência na literatura de se aceitar todos esses termos como gradações do mesmo fenômeno (VIRGOLIM, 1997).

A questão da terminologia é apontada como uma das dificuldades da área. A nomenclatura em inglês e em português, por exemplo, suscitam concepções errôneas e transmitem a idéia de extremos e a superioridade de uma característica estanque, ao invés de um comportamento dinâmico e contínuo (VIRGOLIM, 2002).

Gardner (1995) relaciona superdotação à manifestação das várias inteligências de um indivíduo. Para Winner (1998), o indivíduo superdotado é uma pessoa em desenvolvimento que apresenta um desempenho superior à média em uma ou mais áreas quando comparada à população geral da mesma faixa etária.

Ourofino (2005), afirma que, a superdotação pode ser entendida como um fenômeno multidimensional que agrega todas as características de desenvolvimento do indivíduo, tanto os aspectos cognitivos quanto às características afetivas, neuropsicomotoras e de personalidade; além de apresentar um viés situacional, pois está relacionada às condições sócio-ambientais do indivíduo, sendo influenciada pelo contexto histórico e cultural.

Usualmente considera-se superdotado o indivíduo que se sai bem nos testes tradicionais de inteligência ou que apresenta um desempenho intelectual superior, mas Alencar e Fleith (2001) reafirmam que esses instrumentos medem apenas uma parcela do que consideramos como inteligência humana. As autoras argumentam que, é quase impossível uma definição de superdotação aceita em termos universais.

As definições propostas nas últimas décadas, segundo Alencar e Fleith (2001), têm enfatizado que a superdotação não seria um atributo do indivíduo e, sim, resultado da interação do indivíduo com o seu ambiente (GARDNER, 2000; RENZULLI, 1986; RENZULLI; REIS, 1997; STERNBERG, 1991; VAN TASSEL-BASK, 1998). Isto significa dizer que a qualidade da interação desses indivíduos com o ambiente determinará a expressão das habilidades.

Muitas pesquisas sobre o tema, conduzidas ao longo das últimas décadas, apontam para a forte influência das condições ambientais, incluindo variáveis do contexto social, histórico e organizacional, bem como a influência dos traços de personalidade. Mas são os fatores motivacionais que levam o indivíduo a dedicar-se e envolver-se intensamente com as atividades, acompanhado pelo sentimento de prazer e satisfação na realização destas.

Recentes resultados de pesquisa sobre força genética ou ambiental no processo de socialização, provêm explicações mais sofisticadas e menos deterministas. Há evidências de que a contribuição desses estudos depende do paradigma e do método de pesquisa adotado, o que coloca seus resultados sob relativa interpretação (COLLINS et al., 2000).

Alencar (2001, p.227) destaca que “níveis excepcionais de desempenho são resultado de um longo e intenso processo de encorajamento, educação, treinamento,

em conjunção com o reconhecimento e apoio social”. De acordo com a autora, em estudos recentes constatou-se que a intensa dedicação dos sujeitos às suas atividades, a par de um ambiente familiar de apoio, é favorável à manutenção e expressão do talento.

Enfim, Alencar e Fleith (2001, p.52) afirmam que superdotação “é um conceito ou construto psicológico a ser inferido a partir de uma constelação de traços ou características de uma pessoa”, e citam que a reificação desse termo encontra, em diferentes literaturas, significados pertinentes ao contexto sócio-cultural.

As autoras destacam, porém, o fato de que nem todos os sujeitos desse grupo apresentam, necessariamente, todas as características. É preciso considerar ainda que algumas dessas características manifestam-se apenas quando o indivíduo está engajado em alguma atividade do seu interesse. Ao contrário do que se possa pensar, as crianças superdotadas diferem entre si não somente com relação às habilidades cognitivas, interesses e estilos de aprendizagem, mas também em personalidades, hábitos, comportamentos e níveis de energia, entre outros.

Algumas definições ressaltam ainda a contribuição de fatores de natureza afetiva, como a motivação e a influência do ambiente no desenvolvimento do potencial superior; enfatizando que a superdotação seria resultado da interação do indivíduo com o seu ambiente, devendo considerar fatores internos e externos no processo de desenvolvimento de talentos. Alencar (2001) chama a atenção para uma questão já conhecida: a alta dedicação ao trabalho como atitude comumente presente entre indivíduos que se destacam por sua produção cientifica/criativa. Para além disso, o indivíduo superdotado pode apresentar uma combinação de diferentes inteligências, traços de personalidade e desempenho, o que pode resultar numa disparidade entre os aspectos do desenvolvimento intelectual, social, emocional e físico.

A heterogeneidade apresentada pelo grupo acentua o desafio evidenciado pela literatura em propor uma definição viável. Não existe um consenso entre profissionais quanto a definição de quem deveria ser considerado superdotado, talentoso ou ambos. Há uma tendência em considerar que superdotados são aqueles que demonstram habilidades muito acima da média em um ou mais domínios, seja intelectual, artístico ou nas relações sociais, produções criativas, esportivas e psicomotoras (ALENCAR; FLEITH, 2001; RENZULLI;REIS, 1997; WINNER, 1998).

Alencar e Fleith (2001) citam a importância do trabalho de Terman na década de 1920, a respeito dos traços intelectuais e de personalidade que caracterizariam as crianças superdotadas. A partir do estudo de Terman, muitas têm sido as listas de características típicas apresentadas por diversos autores`, como Davis e Rimm (1994) e Van Tassel-Baska (1998), entre outros. Virgolim (2007) ressalta ainda a necessidade de conhecer melhor as características deste grupo, que, embora não seja homogêneo, apresentam algumas características que podem ser comuns, como bons resultados em testes de QI; aprendizagem com instrução mínima, pouca ajuda ou estímulo do adulto e de forma rápida (ritmo acelerado). Essas crianças, em geral, apresentam um desenvolvimento precoce, podem ler aos quatro anos ou antes, demonstram grande vocabulário e fluência verbal, pensam analítica e criticamente; têm interesses obsessivos em áreas específicas; dedicam grande parte do tempo livre a explorar e criar dentro da área de interesse.

A literatura na área é abundante nas listagens de características das crianças superdotadas. Virgolim (2007) aponta duas categorias: a superdotação escolar e a superdotação criativo-produtivo. A primeira, escolar, apresenta habilidades e características, usualmente, mais valorizadas pela escola, como boas notas, memórias prodigiosas para informação verbal e/ou matemática, fascinação por números e relações numéricas, destaque em raciocínio lógico e abstrato, aprendizagem e pensamento de modo diferente das outras crianças e freqüentes problemas com caligrafia. A segunda, criativo-produtivo, características como: curiosidade (gostam de fazer muitas perguntas), criatividade, imaginação, originalidade, fluência, flexibilidade e elaboração de pensamento, pensamento divergente, diversidade de interesses, persistência e concentração quando interessadas em algo, altos níveis de energia e bom humor.

Aspectos afetivos e sociais como: idealismo, senso de justiça e preocupação com igualdade social; questões filosóficas e científicas, aspectos morais e problemas políticos, também podem ser observados nessas crianças. Mas, freqüentemente, brincam sozinhas ou preferem amigos mais velhos, mais próximos de sua idade mental. Essas crianças, em função da sua multipotencialidade, podem ter dificuldade em definir uma carreira, confusão, frustração e medo. Em geral são problemas apresentados por esses indivíduos, muitas vezes perfeccionistas, diante da insatisfação por não atingir elevado desempenho. A culpa e o medo da desaprovação e rejeição podem levar à baixa auto-estima, ansiedade e depressão.

Sobrecarregadas, com dificuldade em organizar o tempo, podem vir a apresentar sub- rendimento escolar, tendendo a questionar regras e autoridades (VIRGOLIM, 2007).

Neste trabalho os termos superdotado e talentoso serão usados para adjetivar e substantivar o indivíduo cujas características sugerem superdotação, com base no conceito adotado pela Secretaria de Educação do Distrito Federal, e cujo referencial teórico apóia-se em estudos da área, amplamente citados na literatura (RENZULLI; REIS, 1997; ALENCAR; FLEITH, 2001; ASPESI, 2003; OUROFINO, 2005):

“considera-se como aluno superdotado/talentoso, aquele que apresenta notável desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica específica; pensamento criador ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes musicais, cênicas e plásticas; capacidade psicomotora” (DISTRITO FEDERAL, 2006, p.12 )

Entretanto, Alencar e Fleith (2001, p.69) salientam que a sistemática de identificação do aluno superdotado, só faz sentido, se acoplado a um plano educacional adequado, a “simples rotulação” não tem valor educacional. E, os procedimentos de identificação devem estar relacionados aos serviços e programas disponíveis a esses alunos, no sentido de ajudá-los a conhecer seu potencial. Neste contexto, o papel do professor e da escola é de fundamental importância, uma vez que, por meio das relações estabelecidas no contato diário com o aluno, o professor poderá perceber sinais de um potencial superior. Assim, programas de enriquecimento, estratégias de ensino diferenciadas e clima de sala de aula favorável serão marcos essenciais no desenvolvimento desse aluno (MAIA-PINTO, 2002).

A autora aponta que os programas de atendimento a superdotados e talentosos são freqüentemente questionados a respeito de sua relevância e eficiência, podendo gerar um certo ceticismo a respeito de seus benefícios. Apoiada em autores como Renzulli, Callaham e Hertzoz, argumenta que a avaliação de tais programas deve constituir-se em um meio de fornecer dados e identificação de circunstâncias, que possibilitem o aperfeiçoamento da estrutura e do planejamento das atividades como forma de propiciar mudanças significativas no programa, para que este exerça um papel construtivo e positivo no processo da educação do aluno superdotado.

Maia-Pinto (2002) afirma que, outro pesquisador na área, Fowler, sugere que seja feita uma redefinição da educação de superdotados, não direcionando práticas

exclusivamente para estes alunos, mas propiciando estratégias capazes de alimentar e nutrir potenciais e talentos de vários outros alunos.

Para a autora, um dos objetivos do modelo de enriquecimento escolar proposto por Renzulli é estabelecer uma parceria entre professores de sala regular e de sala de recursos, minimizando as ações negativas frente aos alunos não participantes do programa. Além de uma abordagem flexível de diferenciação curricular, propicia vários tipos de enriquecimento, representando um modelo promissor de atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos superdotados, uma vez que visa ajustar as práticas instrucionais às necessidades cognitivas e afetivas destes alunos (FLEITH, 1999; MAIA-PINTO, 2002).

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