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De acordo com Dusi (2006), a linguagem é a chave para entender os significados, por meio da qual penetramos nas estruturas interpretativas do indivíduo. A análise de conteúdo privilegia o contexto, no qual a comunicação é veiculada e reflete a postura sócio-cultural e política do indivíduo. Assim, após a análise dos formulários, procedeu-se à análise de conteúdo das entrevistas semi-estruturadas, que, embora tenham seguido um roteiro com a finalidade da investigação, mantiveram a abertura necessária para a ampliação e aprofundamento da comunicação, bem como para a emersão das percepções individuais.

A partir de uma leitura sistemática de cada entrevista transcrita, identificaram-se temas recorrentes, originando categorias em consonância com as perguntas. A “categorização” é o ponto crucial da análise de conteúdo, definida como a classificação de elementos por diferenciação, a partir de critérios definidos “a priori” ou não; podendo ser semântico (categorias temáticas), sintático, léxico ou ainda expressivo (BARDIN, 1977; FRANCO, 2005). Além disso, observaram-se as condições prescritas segundo Franco (2005), para construção de categorias: a pertinência, a objetividade, a fidedignidade e a produtividade. Para esta autora, as categorias devem fornecer resultados férteis em índices de inferências e em dados relevantes, para o aprofundamento de teorias e para a orientação de uma prática crítica, construtiva e transformadora.

Construiu-se então um quadro com sete categorias, cada categoria agrupando todas as respostas dadas pelos entrevistados à pergunta correspondente, sendo que, a primeira e a segunda categorias foram sub-divididas, classificando-se as respostas em aspectos cognitivos e afetivos.

ASPECTOS COGNITIVOS: • INTELIGÊNCIA ACIMA DA MÉDIA • HABILIDADE, CAPACIDADE SUPERIOR • HABILIDADE MAIOR • HABILIDADE SUPERIOR, ACIMA DA MÉDIA • CAPACIDADE SUPERIOR ASPECTOS AFETIVOS: • MOTIVAÇÃO • ENVOLVIMENTO • CURIOSIDADE • CRIATIVIDADE • VONTADE DE APRENDER • INTERESSE MUITO FOCADO • HABILIDADE INCOMUM

“... que pode ser em uma única área” “... em uma determinada área” “... em alguma área do conhecimento” “... na sua área de interesse” “... se manifesta mais diante do que gosta”

ASPECTOS COGNITIVOS: • INTELIGÊNCIA ACIMA DA MÉDIA EM QUALQUER ÁREA DO CONHECIMENTO • CAPACIDADE DE APRENDIZAGEM RÁPIDA • CAPACIDADE DE RACIOCÍNIO • RAPIDEZ DE PENSAMENTO ASPECTOS AFETIVOS: • GOSTAR DE DESAFIO • INTERESSE BEM DEFINIDO • CRIATIVIDADE • MOTIVAÇÃO • ENVOLVIMENTO • PERSISTÊNCIA • CURIOSIDADE • QUESTIONADOR • HIPERSENSIBILIDADE • FATORES EMOCIONAIS • OBSERVAÇÃO -de um conjunto de comportamentos (4x) • COMPORTAMENTOS intelectuais e emocionais • ENVOLVIMENTO / MOTIVAÇÃO (3x) • INTERESSE (3x) • AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA • ATIVIDADES DE CRIATIVIDADE • INSTRUMENTOS / REFERÊNCIAL TEÓRICO (3x) • TESTES lógicos, de redação, etc. (3x) • ENTREVISTA / CONTATO VERBAL - diálogo, conversa... (4x) • DINÂMICAS / OFICINAS (2X) • “não, nunca” (7x) • “ não, eu fiz um curso de sensibilização com relação a superdotação ... mas não digo que tenho condições de identificar uma criança”. • “eu recebi um

treinamento, assim que entrei no Programa, de 3 a 4 meses”;

• “... dadas nos encontros da Secretaria de

Educação”; • “nos cursos, mas também leitura e conversa com os colegas ...”; • “nos cursos de formação de professores do Ensino Regular e de

aprofundamento pra quem já trabalha nas salas” • “nos cursos de

atualização para quem já é professor”;

• “padrão de excelência, os arcos do Renzulli, tipo 1,2 e 3”;

• “treinamento da Unb convênio com a Secretaria de Educação, na área de criatividade”;

• “eu nem gosto do termo treinamento, na verdade eu acho que a gente vive um momento de aprendizagem, de troca... cursos de capacitação”. • TRABALHO INDIVIDUALIZADO • RACIOCÍNIO LÓGICO- MATEMÁTICO (2x) • MONTAR e DESMONTAR EQUIPAMENTOS (conhecer estruturas e funcionamento) • HABILIDADE ESPACIAL • EXPRESSÃO VERBAL ou ORAL • RAPIDEZ (2X) • ATENÇÃO • CAPRICHO • GOSTO PELAS CIÊNCIAS EXATAS (robótica, mecatrônica, informática...) • “VERBALIZAÇÃO”, “CAPACIDADE LINGUÍSTICA”, OU “HABILIDADE ORAL, VERBAL” (12X); •“QUESTIONADORAS”; •“HABILIDADE DE LEITURA”; • “HABILIDADE NA ESCRITA”; • “CONCENTRAÇÃO”; •“PERFECCIONISMO”. • “NORMALIDADE DAS MENINAS” (apresentam bom desempenho) • “VISÃO MACHISTA” • QUESTÃO HISTÓRICA • QUESTÃO SÓCIO- CULTURAL • VALORIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA LÓGICO-MATEMÁTICA • REPETIÇÃO DE PADRÃO DE COMPORTAMENTO • FEMINILIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO Quadro 1: Entrevistas Elaboração: A Autora

Na primeira questão, tanto os profissionais que atuam nas salas de recursos quanto os profissionais do ensino regular foram solicitados a definir superdotação. Por meio das respostas, foi possível perceber que todos tinham uma idéia que se aproximava, em grande parte, das definições apontadas pela literatura da área.

Entretanto, apesar das notáveis mudanças nas últimas décadas, de uma visão unidimensional para uma visão multidimensional da inteligência (ALENCAR e FLEITH, 2001), muitos professores ainda restringem o conceito de superdotação à inteligência e habilidade intelectual superior. Dos dezesseis profissionais entrevistados doze fizeram referência à aspectos cognitivos conforme as falas descritas:

“.... Habilidade superior, acima da média”; “... Inteligência acima da média”;

“... É uma habilidade, capacidade superior”; “... Uma habilidade maior”;

“... Habilidade superior, acima da média”; “... Habilidade superior”; e

“... Capacidade superior”.

A “... habilidade não comum” aparece vinculando aspectos cognitivos a aspectos afetivos como “interesse”. Dividiu-se então, a primeira categoria em duas sub- categorias, uma relacionada aos aspectos cognitivos, conforme descritos acima, e outra, aos aspectos afetivos, que abarcaram as declarações de quatro entrevistados cujas referências foram da habilidade, talento, potencial ou interesse ser apenas em uma área determinada, não havendo necessidade de apresentar-se em todas as áreas do conhecimento; e de três entrevistados que apontaram “interesse”, usando expressões como “vontade de aprender” e “interesse muito focado”:

“... Que pode ser em uma única área”; “... Em uma determinada área”; “... Na sua área de interesse”;

“... Em alguma área do conhecimento” ; e “... Se manifesta mais diante do que gosta”.

A “motivação” ou “envolvimento”, e a “curiosidade” foram outros termos mencionados nas definições, e que encontram respaldo na literatura. Dois entrevistados também referiram-se a “indivíduos criativos”.

“Superdotação, na minha área (Artes Plásticas), eu não acho que a palavra seja adequada. Acho que talento. O aluno demonstra que tem talento e esse talento, junto com o exercício, vai melhorando a habilidade dele nessa área ... Daí, pode até chegar à superdotação mesmo, mas daí a palavra “altas”) será bem mais adequada que a superdotação ... O que tem é talento. Talento é aquela coisa: eu quero fazer, faço muito, faço bem, acima da média, então eu tenho talento. Daí eles desenvolvem altas habilidades aqui.”

Para Alencar (2001, p.135), “os termos superdotado e talentoso têm sido usados, por muitos especialistas da área como sinônimos, embora a noção de superdotação focalize mais o domínio cognitivo, como, por exemplo, um desempenho acadêmico elevado”. Segundo Sabatella (2005, p. 62), o termo talentoso, usado por alguns autores, denomina as habilidades na área artística ou psicomotora, enquanto que o termo superdotação seria mais utilizado para a produção acadêmica. Conforme esta autora, talento também pode ser usado para “uma habilidade especifica que o individuo possui e que pode ser altamente desenvolvida com empenho e dedicação”.

Segundo Alencar e Fleith (2001), uma definição precisa e aceita universalmente parece impossível, todavia, salientam que o primeiro aspecto a ser considerado refere-se ao fato de que o conceito de superdotação deva ser inferido a partir de uma constelação de traços ou características do indivíduo. A Secretaria de Educação Especial, conforme já citado no início deste trabalho considera como aluno superdotado / talentoso, “aquele que apresenta notável desempenho e/ou elevada pontecialidade em qualquer dos aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica especifica; pensamento criador ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes musicais, cênicas e plásticas; capacidade psicomotora.”

A categoria 2 destinada às características/comportamentos identificados também foi sub-dividida, separando aspectos cognitivos como: inteligência acima da média em qualquer área do conhecimento; capacidade de aprendizagem rápida; capacidade de raciocínio; rapidez de pensamento; de aspectos afetivos: gostar de desafio; interesse bem definido; criatividade; motivação; envolvimento; persistência; curiosidade; questionador; hipersensibilidade e fatores emocionais.

“Não se satisfaz com uma resposta mais enxuta, mais objetiva”“; “ Ele não aceita qualquer coisa, está sempre questionando “; busca de respostas do porquê”; e

“ É uma criança que questiona tudo e todo mundo “.

Uma entrevistada faz referência a “persistência” como uma característica “encantadora”. Segundo esta, “ele torna aquele erro como um estímulo para retornar..., diferente da maioria das pessoas... Quando ele comete o erro, ele retorna, reinicia, busca novos caminhos de aprendizagem”

A “persistência” assim como a ”curiosidade”; a “motivação” e o “envolvimento” são outras das características apontadas pelos entrevistados que também encontram eco na literatura da área. Segundo Alencar e Fleith (2001, p.59), “um dos aspectos a que Renzulli dá ênfase em sua concepção é o motivacional, a que denomina envolvimento com a tarefa. Este aspecto inclui uma série de traços, como perseverança, dedicação, esforço, autoconfiança...”

Por sua vez, “a criatividade”, citada por dois professores, tem sido foco das discussões atuais sobre superdotação. De acordo com Alencar (2001, p.146), ao examinar as metas e direções futuras da área, Treffinger apontava a emergência de um novo paradigma, que “vê a superdotação como produtividade criativa”. Alencar e Fleith (2001) dedicam-se a explorar as relações entre criatividade e inteligência, apontando o que tem sido objeto de investigação de vários estudiosos da área como: Csikszentmihalyi, Guilford, Sternberg, Torrance e Cropley, entre outros. De acordo com estas autoras, um grande número de pesquisas tem mostrado que criatividade e envolvimento podem ser influenciados pelas práticas educacionais e desenvolvidos através de estimulação e treinamento, corroborando que as habilidades podem ser influenciadas pelas experiências de aprendizagem, e a necessidade de modificações no currículo atual, que não estimula a criatividade, nem desperta no aluno o interesse pelas atividades propostas.

Uma entrevistada, que não atua na área, indicou como característica “ele ser diferente, ... pode ser pelo comportamento, pelas atitudes ... pelo confronto de idéias que ele faz com os colegas e professores...”, convergindo para a afirmação de outra entrevistada, que atua na área. Segundo esta, “o traço principal é ele se reconhecer como diferente, mesmo sem compreender (quando ele não sabe que tem AH/SD)”.

vocabulário avançado para sua idade, habilidades de leitura e escrita desde tenra idade, curiosidade, ritmo de aprendizagem rápido, pensamento abstrato e analítico, interesses diversos, concentração, boa memória, habilidade de gerar idéias originais, grande bagagem de informações sobre muitos temas e preferência pelo trabalho independente” (ALENCAR; FLEITH, 2001, p.65).

Inúmeras listas de características típicas poderiam ser apresentadas com base nos estudos de especialistas da área, como a de Tutle e Becker: é curioso; persistente; crítico; tem senso de humor; não propenso a aceitar afirmações, respostas ou avaliações superficiais; entende com facilidade princípios gerais; tem facilidade em propor muitas idéias para um estimulo especifico; é sensível a injustiças tanto ao nível pessoal como social, é um líder, e vê relações entre idéias aparentemente diversas (ALENCAR; FLEITH, 2001).

Em relação aos critérios utilizados na identificação (categoria 3), quatro entrevistados apontaram “a observação”, e seis declararam “perceber” - utilizando a palavra como um sinônimo para “observar”. Na literatura também encontramos a “observação do professor” como significativa no processo de identificação / encaminhamento de alunos para programas educacionais (ALENCAR; FLEITH,2001).

Apareceram também, outros critérios nas entrevistas como avaliação psicológica (testes) e orientação com base no referencial teórico (instrumentos), mas a ênfase maior foi dada às atividades realizadas em sala (dinâmicas e oficinas), fundamentais nesse processo de identificação. Com efeito, “algumas características se manifestam apenas quando o indivíduo está engajado em alguma atividade de seu interesse” (ALENCAR; FLEITH, 2001, p. 67).

A “motivação” também aparece como característica dominante para identificação na fala de um entrevistado que atua numa sala de recursos. Segundo este, “muitas vezes leva um tempo para você perceber, até que ele se envolva com o que faz. ...Muitos alunos têm capacidade, mas não têm motivação. Então, ele não vai demonstrar e eu não vou conseguir captar”.

Outro entrevistado, que também atua numa sala de recursos, afirma que a característica principal é “o aluno gostar do que está fazendo”, mas também aponta para o que poderia ser um problema, o fato de não se perceber logo num primeiro momento:“... Tem aluno que é fácil notar as habilidades, outros nem tanto, é mais demorado, precisa tempo”. De acordo com este entrevistado, muitas vezes o aluno chega à sala sem essas “habilidades”, mas “habilidade, eu acho, a gente desenvolve

alunos precisam se resolver socialmente e emocionalmente”; aspecto apontado também por outro entrevistado que, ao conceituar superdotação, referiu-se às “características psicossociais e psicopedagógicas”. Segundo este entrevistado

“...Normalmente, os alunos são acompanhados de alguns fatores emocionais. Quando ele não consegue atingir um determinado objetivo começa a se estressar muito, e isso é comum, alguns chegarem até a atingir tipo um nível de desequilíbrio, ao ponto de afetar o seu rendimento da escola ... Às vezes, até a própria formação familiar, aqueles mitos e lendas a respeito da superdotação, que faz com que o aluno acredite que ele não deve errar, que ele quer tudo, que ele pode tudo, às vezes ele se vê assim, há um conflito aí, que ele costuma não saber transpor, essas barreiras, e aí ele costuma a ter dificuldade, costuma chegar pra gente, às vezes, com esses problemas, já, em alguns casos bem graves, sem contar com os quadros clínicos de síndromes que acompanham um aluno desses”. Com efeito, problemas emocionais e sociais do indivíduo superdotado são ressaltados por Alencar e Fleith (2001, p. 107): “Perfeccionismo, autocrítica excessiva, supersensibilidade, sub-rendimento acadêmico, isolamento social e multipotencialidade são características ou situações vivenciadas pelo superdotado, que podem se constituir em fonte de estresse ...Suas idéias divergentes e atitudes não conformistas podem não encontrar, na escola, um ambiente receptivo”.

O conhecimento limitado quanto às características sociais e emocionais do superdotado tem sido um entrave no planejamento de práticas educacionais que atendam a esses alunos. A maioria dos programas ainda tem privilegiado o desenvolvimento de habilidades cognitivas, deixando a dimensão sócio-emocional desses alunos de lado, fazendo-se urgente a inclusão de serviços que ofereçam aos alunos superdotados oportunidades de crescimento emocional e social. As autoras ressaltam ainda a importância do psicólogo na prevenção e superação das dificuldades sociais e emocionais do superdotado.

Para além disso, é preciso lembrar que a tarefa de identificar e encaminhar os alunos para o programa é atribuída aos professores do Ensino Regular e não aos profissionais das Salas de Recursos, que, conforme relatos descritos na categoria a seguir, não receberam qualquer orientação de como identificar esse aluno. Entretanto, segundo Ourofino (2005), oferecer atendimento adequado aos alunos

igualdade de oportunidades.

Na categoria 4 os entrevistados foram questionados se haviam recebido algum tipo de treinamento ou instrução para proceder à identificação desses alunos. Sete entrevistados, todos do ensino regular, foram unânimes em responder “não”, que nunca haviam recebido qualquer tipo de treinamento, instrução ou orientação; apenas uma, embora também tenha declarado “não”, já havia feito um curso, conforme a fala descrita: “ Não, eu fiz um curso de sensibilização com relação à superdotação ... mas não digo que tenho condições de identificar uma criança”. Os oito restantes, todos das salas de recursos, responderam “sim”, complementando conforme segue:

“Eu recebi um treinamento, assim que entrei no Programa, de três a quatro meses”.

“... Dadas nos encontros da Secretaria de Educação”.

“Nos cursos, mas também leitura e conversa com os colegas ...”.

“Nos cursos de formação de professores do Ensino Regular e de aprofundamento pra quem já trabalha nas salas”.

“Nos cursos de atualização para quem já é professor.; “Padrão de excelência, os arcos do Renzulli, tipo 1,2 e 3”.

“Treinamento da Unb convênio com a Secretaria de Educação, na área de criatividade”.

“Eu nem gosto do termo treinamento, na verdade eu acho que a gente vive um momento de aprendizagem, de troca... Cursos de capacitação”.

As pesquisas de Maia e Fleith (2002), referenciadas neste trabalho, constatam essa falta de conhecimento dos profissionais do Ensino Regular em relação ao conceito de superdotação e ao processo de identificação; entretanto, são esses profissionais que indicam os alunos e alunas possivelmente superdotados.

A categoria 5 contemplou as características/comportamentos mais percebidos nos meninos e, como era de se esperar, foram apontadas as seguintes: o “ raciocínio lógico” ; “interesse pelas Ciências Exatas ..., robótica, mecatrônica e informática”; “habilidade espacial”; “interesse em montar e desmontar um equipamento (conhecer estruturas) ... ver como é por dentro, como é o funcionamento”; “rapidez”; “gosto pelo trabalho individualizado”; “capacidade de concentração” e “introspecção”.

Quatro entrevistados, sendo um do ensino regular e três das salas de recursos, alegaram não perceber muita diferença entre os gêneros, o que se confirma na

Entretanto, os que atuam no Ensino Regular não demonstram a mesma coerência; suas falas nas entrevistas divergem das respostas dadas no formulário.

Duas entrevistadas, quando perguntadas sobre quais características são percebidas mais nos meninos, fizeram referência à feminilização no magistério como fator que pode influenciar a seleção de possíveis superdotados:

“ Eu acho... até porque nós, mulheres, estamos na gestão desse processo, eu sou mulher... (rsrsrs), talvez o olhar se volte mais para os meninos, porque a gente tem um número muito maior de mulheres, pelo menos de 1ª à 4ª série... Então, será que eu consigo ter sobre a menina um olhar diferenciado, eu acho que a gente se identifica com essa menina, e, de repente, como a gente não se autoriza, não dá a essa menina autorização...” (PROFESSORA DO ENSINO REGULAR)

“Somos maioria na Secretaria, professoras, o que está implícito aí é uma repetição de padrão cultural... a gente é ensinada a valorizar, a enxergar mais o homem, e a gente termina repetindo esse padrão”.

(PROFESSORA DA SALA DE RECURSOS)

O relatório da UNESCO (2004) sobre paridade de gênero na educação, já mencionado neste estudo, faz referência à feminização da profissão docente estar associada ao maior ingresso de meninas na escola, apontando que a matrícula de alunas em relação à de alunos aumenta quando se eleva a proporção de professoras mulheres. Entretanto, a proporção de professoras mulheres na educação, como um importante potencial atenuante na desigualdade de gênero, ao se tratar de indicação / encaminhamento de alunas para o programa, não se reflete nos dados. Ao considerar estas falas, transparece uma subestimativa da própria mulher em face das suas capacidades, sugerindo a introjeção do preconceito corrente na sociedade.

Segundo Gomes (2005, p. 165), o magistério, pelo menos no nível primário, representa uma ocupação quase exclusivamente feminina, provavelmente, pelas afinidades entre os papéis de mãe e professora, tornando-se um “gueto cor-de-rosa”. Isso significa que a mulher fica confinada a certas ocupações, sem competir com homens, como reminiscência de um tempo em que a convivência entre os gêneros era mal vista. De fato, historicamente, vários dentre esses guetos foram trampolins para a mulher trabalhar fora de casa.

De acordo com Sabatella (2005, p. 95), “na educação infantil, 97,80% dos professores são mulheres; no ensino médio, 52,60% e na universidade 38,70%”.

por contribuir para beneficiar os meninos, em função da “repetição de padrão cultural”, conforme fala anterior, endossada por outros entrevistados nas declarações abaixo:

“... Porque da menina se espera um comportamento padrão, então tudo que ela faz é muito natural ..., essa excepcionalidade, é aceita com uma naturalidade”. (PROFESSOR DA SALA DE RECURSOS)

“Eu acho que o menino ... ele é mais autorizado a se expor. A menina não ..., tem que ser mais quietinha, mais educadinha ... Se ela se expõe muito, é muito saidinha, é muito exibida – isso é mal visto. O menino não, é porque ele é inteligente ... Se, para o menino, eu ressalto uma característica que pode até ser interessante, para a menina já é negativa ..., culturalmente, socialmente, a gente autoriza o menino a isso e a menina não”. (PROFESSORA DO ENSINO REGULAR)

“As meninas são questionadoras..., mas com muito cuidado até em colocar isso, com medo de ser discriminadas ... não pode mostrar que sabe mais se ela quiser ser aceita pelo grupo”. (PROFESSORA DO ENSINO REGULAR)

“... A gente foi educada socialmente e historicamente para entender e prestar atenção. A habilidade da mulher era ficar em casa e cuidar das crianças”.

“... A gente é educada para leitura e para o bordado”. (PROFESSORA DA SALA DE RECURSOS)

Conforme abordado anteriormente, as oportunidades para os indivíduos do gênero feminino continuam muitas vezes a serem determinadas pela noção do papel primordial da mulher dentro de casa e cuidado com a família. Os valores que recebemos como herança sócio-cultural, definindo os perfis de comportamento masculino e feminino, sustentam a forte influência do casamento e da maternidade, impostos pela nossa cultura. Segundo Wechsler (1993) a energia e o tempo dedicados a cuidar dos filhos limitam a mulher talentosa, que enfrenta inúmeros conflitos, barreiras externas e internas, como o medo de competir e arriscar-se e a desaprovação social.

Embora estudem juntos, nas mesmas escolas e turmas, ambos levam um capital de experiências que os diferencia. O sexo, como a cor da pele, define uma identidade social imediata e evidente. O repertório virtual de expectativas sociais, orientando a

Várias pesquisas têm focalizado as diferenças entre esses estereótipos que meninos e meninas se atribuem mutuamente, conforme o quadro abaixo, organizado por

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