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Concepções multivariadas de pensamento filosófico e metodológico: o pluralismo contra

Organograma 10 – Procedimentos metodológicos na geografia clássica

8. METODOLOGIA NA GEOGRAFIA HUMANA E AGRÁRIA ENTRE 1981-

8.2. Concepções multivariadas de pensamento filosófico e metodológico: o pluralismo contra

A diversidade de concepções filosóficas sempre existiu na geografia, do positivismo clássico até o materialismo histórico-dialético, sempre houveram nuances e divergências entre o pensamento hegemônico. Mas tal fato, foi se sobressair a partir da década de 1980, com a promoção de uma geografia crítica e mais a frente, de uma geografia plural.

Apesar da constatação do espaço geográfico como categoria de análise da ciência geográfica, outras formas de entender o objeto de estudo da geografia seguiram paralelas a este pensamento, como a definição da organização espacial ou do espaço como categoria, além da filosofia fenomenológica como ponto de partida na análise do espaço.

José William Vesentini (1987) reflete sobre a utilização do método dialético como única saída ou medida a ser adotada pelos geógrafos:

E dizer que o "método dialético" constitui a solução para essa crise é desconhecer que o marxismo dos nossos dias é plural e que mesmo entre os que se dizem adeptos desse "método" — que por sinal não é entendido nem praticado da mesma forma por todas as correntes que afirmam desenvolver o materialismo histórico e dialético — existe igualmente uma crise: a crise do marxismo, derivada principalmente do refluxo do movimento operário ao lado do recrudescimento das lutas ecológicas, feministas, regionais, étnicas, etc, além do resultado concreto da evolução histórica do "socialismo real". (VESENTINI, 1987, p.65).

Assim, é um risco para a diversidade de concepções e a construção do conhecimento geográfico, concentrar as diferentes temáticas, pesquisas e enfoques geográficos em um método, isso vai contra os princípios de uma geografia crítica, conforme aponta Vesentini (1987):

[...] o surgimento das geografias críticas ou radicais, no plural, deve ser visto como posicionamento(s) teórico-metodológico e político dos geógrafos (incluindo os professores) frente ao leque de possibilidades que a atual situação histórica nos oferece — possibilidades essas que, inclusive, variam em alguns aspectos de acordo com a sociedade específica onde se atua. (VESENTINI, 1987, p.69-70).

A pluralidade metodológica é salutar para o debate epistemológico na geografia, confronta idéias e ideais, além de emergir novas possibilidades de estudos:

É no interior desse contexto histórico-social que se deve situar a construção da(s) geografia(s) critica(s). Mas ela não está isenta de ambigüidades e práticas diferenciadas. Isso talvez seja salutar, pois o (novo) pensamento crítico é sem dúvida aberto à pluralidade e às divergências, assim como desconfiado da harmonia e da unidade (que sempre elimina pela força as "dissidências" e as oposições). (VESENTINI, 1987, p.71-72).

Por fim, Vesentini (1987) alerta para o dogmatismo do método, ou seja, a pré-disposição metodológica antes de qualquer conhecimento profundo do objeto de pesquisa em questão. E na geografia crítica marxista, tem-se o hábito da utilização das teorias de Marx e do método dialético para solucionar diversos problemas da realidade, entretanto, isto vai contra a própria concepção de Marx sobre suas idéias:

O marxismo dogmático, contudo, entra em desacordo com esse espírito da obra de Marx, atendo-se às suas letras: os conceitos transformam-se em "verdades sagradas" que apenas carecem de "aplicação" no real; a teoria, que nasceu como pensamento crítico colado à práxis, acaba virando uma "camisa de força" que procura controlar a realidade: daí a hostilidade frente à história como luta de classes, como possibilidade do novo, e o enaltecimento do planejamento, do Estado, do partido "dirigente" e da "vanguarda" (eles próprios!). (VESENTINI, 1987, p.72).

Com uma postura contrária a pluralidade filosófica na geografia, inclusive o marxismo, John Frazier (1981) defende o pragmatismo como base teórico-metodológica nas pesquisas geográficas, tendo em vista as poucas contribuições dadas por outras vertentes ideológicas e filosóficas:

A introdução de alternativas filosóficas na geografia, incluindo a fenomenologia, o existencialismo, o idealismo e o marxismo, produziu importante reflexão sobre o valor e o propósito da pesquisa geográfica. Nenhuma das filosofias mencionadas anteriormente parece, entretanto, suficientemente flexível para oferecer uma fundamentação a partir da qual as relacionadas com o trabalho aplicado possam desenvolver-se. Já o pragmatismo parece oferecê-lo como base. (FRAZIER, 1981, p. 316).

Esta posição diverge do aspecto plural da geografia pós década de 1980 se emerge, todavia, lembramos a opinião de Frazier (1981) com intuito de mostrar as diferenças de concepções sobre a pesquisa geográfica. O debate entre ponto de vistas contrários tende a enriquecer a construção epistemológica, entender as fragilidades e contribuições de cada filosofia, método e técnicas.

Além do arcabouço teórico do materialismo histórico e dialético para geografia, outra visão de entender o espaço ganhou relevância nos estudos geográficos, a abordagem comportamental e da percepção. Paul Claval (1983) debateu a importância da introdução de

novas perspectivas filosóficas e metodológicas nos estudos geográficos, entre elas a fenomenologia e percepção:

A geografia da percepção visa muito além da simples compreensão dos esquemas de comportamento: ela tenta descobrir aquilo que une o homem à terra, o que o enraíza, o que dá sua vivência uma densidade particular. (CLAVAL, 1983, p. 252).

A fenomenologia, inseriu-se nas pesquisas como uma nova forma perspectiva para verificar a organização do espaço sob o viés humano. Müller Filho (1986) trata dessas questões elencando a estrutura metodológica do conceito de organização do espaço, considerando quatro itens que o compõem: os elementos, arranjos, relações dinâmicas e funcionamento. Estes conceitos que estruturam a organização do espaço podem ser associados às questões perceptivas e comportamentais do homem:

Há uma nítida relação entre percepção do mundo e organização do espaço, e há entre ambas um elo real, ainda que inaparente e abstrato: é o processo de tomada-de-decisões, que é um processo comportamental. Esboça-se, assim, uma outra linha auxiliar para a compreensão, logo para a investigação em geografia: a análise do

comportamento, enquanto fenômeno psíquico ou psíquico-social, como um dos elementos subjacentes à atividade do homem como agente organizador dos espaços em que vive ou que lhe permite viver. (MÜLLER FILHO, 1986, p.143).

O autor ressalta essa abordagem comportamental como uma metodologia auxiliar e complementar nos estudos geográficos:

A análise comportamental [...] é apenas um instrumento de trabalho, podendo ser colocada ao lado da estatística ou da fotointerpretação [...] o enfoque comportamental, entretanto, é um instrumento de trabalho imprescindível para o geógrafo que se dedique a tarefas de Planejamento, de reorganização do espaço, porque o espaço sempre deve ser reorganizado em função da sociedade, e esta é constituída por seres humanos, que tem deveres, mas também direitos e aspirações. (MÜLLER FILHO, 1986, p.145).

Dessa forma, a organização do espaço pode ser apreendida pelo viés fenomenológico através da percepção e da análise comportamental. Contudo, as organizações espaciais podem ser estudas pela abordagem sistêmica ou outros enfoques metodológicos, conforme aponta Moro (1990):

A consolidação da organização do espaço como objeto de análise geográfica não implica na rejeição das demais objetivações da investigação geográfica da superfície da Terra, como a interação homem-meio, a paisagem, a região, a área, o espaço, consagradas ao longo da evolução do pensamento geográfico. Estas nada mais são do que ângulos de enfoques diversos e às vezes semelhantes da dimensão espacial da realidade [...] sob o ângulo da organização, vem sendo enriquecida metodologicamente pelo enfoque sistêmico, modelístico, comportamental, idealista, têmporo-espacial, crítico ou radical. (MORO, 1990, p. 11-12).

Assim, entendemos que a organização do espaço é a categoria de análise que melhor representa o objeto de estudo da geografia, as relações entre sociedade e natureza, segundo lembra Moro (1990):

A organização do espaço envolve o estudo das relações, das combinações, das interações, das conexões, das localizações que se processam de forma dinâmica no quadro de uma unidade espacial, entre os diversos elementos que a constituem, bem como as que se verificam entre as unidades espaciais. (MORO, 1990, p. 8).

Como o objeto de estudo da geografia é complexo, ou seja, há uma trama de relações e conexões que podem e devem serem feitas, a abordagem plural de concepções metodológicas é a mais conveniente para determinado problema em questão. As organizações espaciais por serem dinâmicas exigem esta multiplicidade, conforme aponta Moro (1990):

No plano teórico, a questão da organização do espaço, quanto sua transformação, é enfocada, pelo menos, sob duas perspectivas. A primeira considera a organização do espaço no sentido estrito, isto é, a ação do homem organizado no espaço em que vive, com o intuito de crescer, desenvolver-se e produzir-se socialmente, numa forma dialética entre a sociedade e natureza. O homem é o principal agente no processo de organização; é a corrente historicista. A segunda considera a organização do espaço como uma “produção”. O processo de sua organização dar-se-ia como resultado do modo de produção. Constrói-se, historicamente, uma segunda natureza. (MORO, 1990, p.14).

A compreensão da ordem no espaço geográfico só se pode conseguir através da análise de todas as peças componentes de uma organização espacial, em suas múltiplas relações. Estas combinadas contribuem para dar origem a uma situação, isto é, uma unidade na diversidade, devido as combinações produzidas pelos diversos aspectos fragmentários que compõem a realidade concreta em toda sua complexidade, síntese de múltiplas determinações. (MORO, 1990, p.16).

Assim, a partir da década de 1980 a expansão da utilização de diversas referências teórico-metodológicas na geografia agrária significou o amadurecimento entre os pesquisadores sobre o rural, convivendo com as diferenças de posições que só tende ao crescimento da ciência geográfica.

8.3 – Considerações do capítulo

Neste capítulo, tratou-se de mostrar os enfoques metodológicos na década de 1980, seja com o predomínio do materialismo histórico-dialético, centrado nos lastros marxistas, seja nos novos modos de análise do espaço, com a introdução das bases fenomenológicas no estudo da organização do espaço ou na defesa de múltiplas concepções teórico-metodológicas e filosóficas.