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Organograma 10 – Procedimentos metodológicos na geografia clássica

9. PRODUÇÃO DA GEOGRAFIA AGRÁRIA NO BRASIL: 1981 – 1990

9.1. Abordagens marxistas, sociológicas, políticas e econômicas para entender o espaço

9.1.1. O materialismo histórico-dialético na geografia agrária

A respeito da utilização do materialismo histórico-dialético na geografia agrária, centramos as análises em Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que traz uma carga teórica da sociologia para a geografia, em especial das obras de José de Souza Martins, transforma a geografia agrária num ramo da geografia social, que preocupa-se com as contradições do capitalismo, conforme pode ser visto em Oliveira (1981), quando salienta o desenvolvimento desigual do capitalismo na agricultura:

[...] o desenvolvimento desigual do capitalismo é nesse contexto entendido como processo (contraditório) de reprodução capitalista ampliada do capital. Ou seja, que o modo capitalista de produção não está circunscrito apenas e tão-somente à produção de mercadorias no seu sentido restrito, mas sim modo de produção de mais-valia. (OLIVEIRA, 1981, p.5).

Com uma abordagem marxista, o autor reproduz a idéia do desenvolvimento desigual do campo, e das relações de subordinação do camponês, principalmente sob os referenciais sociológicos de José de Souza Martins:

[...] a expansão do modo capitalista de produção do campo se dá primeiro e fundamentalmente pela sujeição da renda da terra ao capital, quer comprando a terra para explorar ou vender, quer subordinando a produção do tipo camponês. (OLIVEIRA, 1981, p.8).

Ariovaldo Oliveira trata da questão modernizante da agricultura embasado na dialética, da contradição do capitalismo, da formação do capital monopolista e da subordinação do camponês:

Assim, a agricultura brasileira está subordinada à indústria, de um lado, como consumidora potencial de produtos de origem industrial, mediada pelo Estado, e de outro, subordinada aos proprietários de terras que têm cobrado também o seu tributo para permitir a produção necessária. (OLIVEIRA, 1981, p.19).

A temática das contradições no campo brasileiro decorrentes do modo de produção capitalista é novamente abordada por Oliveira (1982):

[...] é necessário lembrar que foi o desenvolvimento do modo capitalista de produção no Brasil, no que se refere a agricultura, que o próprio capital instituiu a apropriação camponesa da terra, como conseqüência evidente da crise do trabalho escravo. Portanto, a apropriação camponesa da terra é fruto da contradições do capital o que vale dizer, o camponês é fruto da história atual do capitalismo no país. (OLIVEIRA, 1982, p.168).

Com a mesma abordagem teórica, Oliveira (1988) destaca a situação do campo brasileiro no final dos anos 80, mencionando as conseqüências do capitalismo para a agricultura e estrutura fundiária, contrastando dialeticamente o aumento do latifúndio e o crescimento do trabalho familiar no campo.

Ariovaldo Oliveira (1986) utiliza a teoria da mais-valia de Karl Marx, para tentar explicar a acumulação capitalista da agroindústria de citrus no Estado de São Paulo:

É dessas lições de Marx que tiramos o fio condutor para entendermos o processo de transferência da renda da terra na agricultura e de como ela é apropriada pelo capital. Pois, como podemos verificar, a laranja, ao se transformar em matéria-prima para a indústria do suco, traz consigo, produto de relações estabelecidas nas negociações entre produtores e industriais, fração ou mesmo a renda total da atividade, e mesmo em alguns casos até fração de lucro médio, senão ele por inteiro, gerando a crise no setor. A questão é saber como ela foi produzida e como ela foi adquirida pelas indústrias. (OLIVEIRA, 1986, p. 28).

Outro trabalho que segue na linha marxista é de Aparecida Rodrigues (1984), onde analisa as contradições do desenvolvimento desigual do capitalismo no campo. Neste estudo, a autora analisou a situação da agricultura em Catuçaba, São Paulo:

Através de um estudo do conjunto das relações que configuram a vida dos pequenos produtores de leite de Catuçaba São Paulo, desde a gênese do produtor mercantil [...] discute-se uma das formas como o capital se reproduz, através da subordinação de relações não tipicamente capitalistas de produção, redefinidas pelo próprio capital. (RODRIGUES, 1984, p.45).

O trabalho de Nilson Barros (1985) analisa o processo histórico de formação do território nordestino e a expansão da atividade canavieira sob a luz da dialética marxista, aplicando a noção de processo de trabalho ou produção de valores de uso, conforme salienta Barros (1985):

[...] o trabalho emprega a noção de processo de trabalho e, através da análise das exigências do processo de trabalho para a produção do açúcar, expõe a formação de várias atividades que conformaram uma divisão intra-regional do trabalho social. (BARROS, 1985, p.118).

Tratando da questão territorial, Samira Kahil (1985) discute a relação dos posseiros e a luta da terra no município de Presidente Epitácio, São Paulo, sob abordagem histórico-dialética com referenciais de Kautsky, Marx, Caio Prado Júnior e Ariovaldo Oliveira, demonstrando um caráter crítico da questão agrária, enfocando elementos sociais e culturais da relação agrícola com a sociedade, e a construção/destruição do território.

A respeito das políticas de reforma agrária, Ruy Moreira (1986) faz uma análise crítica do Plano Nacional de Reforma Agrária de 1985, e tece alguns comentários sobre o processo contraditório do desenvolvimento agrário no Brasil:

O que revela a espacialidade diferencial sobre a questão do campo senão a progressiva usurpação pelo capital das margens de autonomia do campesinato, que, reproduzindo no Brasil o processo geral comum ao desenvolvimento do capitalismo em qualquer espaço-temporalidade (MOREIRA, 1986, p.17).

Moreira (1986) traz ao debate a questão do campesinato no desenvolvimento capitalista no campo e seu espaço na conjuntura política e econômica:

Uma primeira singularidade é a negação, pela acumulação capitalista, da possibilidade de diferenciação vertical para o campesinato pela via do emburguesamento. Não se está afirmando a inexistência dessa diferenciação no campo brasileiro, mas negando-se que esteja acontecendo como tendência geral do processo. As alternativas que dessa forma restam para o campesinato, nos quadros do desenvolvimento do capitalismo, são a proletarização, a única vertente da diferenciação clássica realmente em processo como evolução geral, ou a permanência, como uma forma de unidade familiar autônoma, cuja autonomia é

cada vez mais restringida pela teia da espacialidade diferencial monopolista, até tornar-se aparente, embora ainda longe de ser ultrapassado o limite que configure uma proletarização geral e definitiva da massa rural. (MOREIRA, 1986, p.18).

Em outro artigo, Ruy Moreira (1989) acerca dos conflitos agrários no Acre comenta o processo desigual de ocupação do território brasileiro, este fato foi o gerador da concentração de terras e da desigualdade agrária. Em um segundo momento, a modernização na agricultura acelerou as desigualdades no campo, estes momentos são refletidos sob a luz do materialismo histórico:

O primeiro passo pela modernização dos processos produtivos, mediante a qual a grande propriedade atrasada acabe por transformar-se numa moderna empresa rural capitalista, consistindo num caminho de lenta evolução do capitalismo e conseqüentemente doloroso para o campesinato. O segundo é o caminho em que a revolução camponesa empreende o confisco radical da terra e a redistribui de modo radical entre as famílias camponesas, abrindo a economia de mercado generalizadamente à totalidade da população. (MOREIRA, 1989, p.22).

O processo contraditório do capitalismo no campo foi debatido por Vera Miorin e Meri Bezzi (1988) enfocando a estrutura agrária no Rio Grande do Sul, utilizando a dialética para discutir a sociedade capitalista e o processo histórico de ocupação do território gaúcho. Nesse mesmo caminho metodológico, Miorin, Bezzi e Zibordi (1989) utilizaram a dialética fundamentada em Lefebvre para explicar a evolução contraditória do espaço gaúcho:

Este trabalho tem como objetivo analisar a ocupação e evolução do espaço no Estado do RS, segundo um novo enfoque teórico, o da reprodução das relações de produção, desenvolvidas por Lefebvre – e da utilização do método dialético que, de certo modo, permitiu perceber a dinâmica do espaço segundo as leis do materialismo dialético. (MIORIN, BEZZI, ZIBORDI, 1989, p.67).

Cavalini (1989) e Cavalini e Gerardi (1989) discutem as transformações no espaço rural de Conquista – Minas Gerais, sob a ótica da evolução histórica para compreender a totalidade das relações de produção.

O reconhecimento do tempo histórico, no estudo desta totalidade social, permitiu-nos compreender as mudanças que marcaram determinados períodos, resultantes das forças produtivas e que foram incorporados pelo espaço e representadas na distribuição da propriedade e no seu uso, nas formas de trabalho e na movimentação de população. O conjunto das transformações que se incorporaram na forma e no processo de ocupação do espaço foi tratado no trabalho como parte integrante do desenvolvimento do capitalismo. (CAVALINI & GERARDI, 1989, p.94).

Dessa forma, o materialismo histórico-dialético se inseriu na geografia como uma perspectiva de análise para o entendimento da evolução histórica e o processo na formação da sociedade, levando em consideração as contradições no seu desenvolvimento.