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Organograma 10 – Procedimentos metodológicos na geografia clássica

8. METODOLOGIA NA GEOGRAFIA HUMANA E AGRÁRIA ENTRE 1981-

8.1. O materialismo histórico-dialético como base da Geografia Crítica

O pensamento social e econômico na geografia agrária foi fortemente influenciado pela aproximação com as bases marxistas, a partir da década de 1980. Até então, faziam-se poucas críticas sobre as relações de trabalho, concentração de terras e o desenvolvimento desigual no campo, e quando aconteciam as críticas, essas não eram baseadas num referencial histórico-dialético, ou seja, a grande mudança na crítica sobre as desigualdades agrárias foi na inserção do método.

Assim, diversos autores explicam a utilização desse método e abordagem de estudo na geografia. Conforme Odette Seabra (1988) ao pensar a dialética do espaço, promove o debate histórico de formação espacial e territorial do Brasil e na produção do espaço:

A natureza só existe para o homem, na medida em que esse mesmo homem se reconhece como ser histórico em conseqüência do desenvolvimento de uma relação teórica e prática com o universo imediato sensível. Assim, o ser histórico homem – para quem começa a haver um universo natural – mantém relações imediatas e concretas nesse mesmo universo, que constitui o seu próprio desenvolvimento orgânico e social, reforçando uma certa e fundamental ambivalência que lhe constitui a própria essência: a de ser natural e histórico. (SEABRA, 1988, p.98).

Decorrente do uso de teorias e metodologias com bases sociológico-econômicas, o referencial marxista é âncora deste pensamento na geografia. Assim, a natureza não percebida como um palco onde as atividades humanas ocorrem, mas o homem passa a interagir e produzir a natureza, segundo Mário Cezar Silva (1988):

Marx conclui-se que a natureza apresenta-se como dupla condição. Ela preexiste ao homem, representando condição sine qua non para sua criação. E o homem surgir apresenta-se tal qual um feixe de necessidades [...] não é apenas a natureza que produz o homem, este também produz a natureza. A partir do momento em que se

estabelece a relação entre homem e natureza, a ação humana passa a interferir no curso da natureza, e mais, a modificá-lo. (SILVA, 1988, p.114).

A historicidade e a dialética deveriam emergir nos debates geográficos segundo Antonio Carlos Robert de Moraes (1984) nas questões metodológicas, além de uma mudança no referencial teórico e conceitual:

Emergem os temas da organização do território, da produção do espaço, da apropriação da riqueza natural [...] uma esquemática projeção da luta de classes no território, com a possibilidade de perda das mediações existentes (é interessante observar que a problemática da luta das classes aflora mais claramente nas análises geográficas marxistas do campo) [...] Em termos metodológicos, tem-se a introdução do materialismo histórico e dialético, na geografia. (MORAES, 1984, p.103).

Para o autor a renovação crítica da geografia, na década de 1980 decorre de dois pontos que devem ser levados em conta, objeto e metodologia:

Em primeiro lugar observa-se que muito resta a se fazer no deslindamento claro do objeto geográfico. tal preocupação pode agora ser retomada sem as amarras do “geografismo” positivista que buscava um objeto ímpar. Em segundo lugar, observa-se que muito resta a observa-se fazer no plano da elucidação metodológica. A tematização do próprio marxismo, o contato com a produção contemporânea, são tarefas que impõem. A renovação crítica da Geografia demanda um avanço substancial nesses dois planos de discussão. (MORAES, 1984, p.110).

O mesmo autor propõe uma leitura do espaço, através da interação dos referenciais teóricos de Foucault:

Observou-se duas possibilidades de absorver as formulações foucaultianas no debate atual da geografia, ou posto de outra forma, de apreender o conteúdo geográfico do pensamento de M. Foucault: uma arqueologia do saber geográfico e uma prática interessando a apropriação humana da superfície terrestre. Captar a vinculação entre as práticas e os saberes parece ser o intento maior da empresa teórica de Foucault. O desafio é inquietador para o geógrafo: articular numa mesma argumentação o “pensar o espaço” e o “produzir o espaço”, entendendo que “o poder se inscreve nos solos e nos discursos”. (MORAES, 1988, p.135).

Dessa forma, a geografia considerada crítica emerge em novas concepções de entender o espaço, seja pelo viés econômico, sociológico ou até mesmo psíquico.

Miorin, Bezzi e Zibordi (1989, p.67) aplicam o materialismo dialético nos estudos da evolução do espaço agrário no Rio Grande do Sul “a utilização deste método deve-se à possibilidade de apreender a realidade no seu movimento e ver o espaço como objeto de transformações sob o processo da produção que organiza e desorganiza suas relações”, entendendo como uma nova perspectiva metodológica para os geógrafos.

Já Maria do Carmo Galvão (1989) ao comentar o processo de mudança de orientação filosófica, do positivismo lógico-formal para a dialética, houve perdas e ganhos para a ciência geográfica, em especial a geografia agrária:

Em oposição às estruturas analíticas positivas da New Geography, protagonista da quantificação e dos modelos então vigentes, a postura dialética materialista, incorporada com entusiasmo e rapidamente difundida (embora nem sempre com o devido respaldo filosófico), promoveu uma orientação total das investigações, polarizando a atenção e o esforço de grande numere de geógrafos, em diferentes instituições de pesquisa do país. Não obstante a forca e o vigor do seu impulso inicial, e o significado de muitos dos trabalhos por ele inspirados, o novo modele em alguns anos se esgotou como processo criativo, permanecendo em sua forma mais radical como via de reprodução, mas não de avanços do conhecimento. (GALVÃO, 1989, p.98).

Galvão (1989) ainda aponta para novos rumos nas pesquisas agrárias em geografia, reportando a relação rural-urbano:

Há que considerar outras estruturas que não as puramente econômicas viabilizando mecanismos de decisão, controle e gestão, ou seja, instrumentalizando tipos diferenciados de agentes sociais e modalidades diversas de apropriação e organização do espaço - rural e/ou urbano, com suas particularidades. (GALVÃO, 1989, p.99).

Assim, a década de 1980 concentra um espectro de abordagens sobre o espaço rural e urbano, mas Milton Santos (1988) ao enfatizar a produção do espaço como a categoria filosófica principal na ciência geográfica, dissemina suas idéias sobre o espaço, essencialmente urbano:

O espaço resultado da produção, e cuja evolução é conseqüência das transformações do processo produtivo em seus aspectos materiais ou imateriais, é a expressão mais liberal e também mais extensa dessa práxis humana, sem cuja ajuda a existência não pode ser entendida. Assim, o pensamento espacial não se pode fazer fora da busca de uma compreensão do fato tal qual se dá, mas uma busca que vai além da apresentação e nos permite chegar à representação. (SANTOS, 1988, p.12).

Reforçando a relação existente entre os sistemas de objetos (naturais ou artificiais) e sistemas de ações (processos humanos):

O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável do qual participam, de um lado, um certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro lado, a vida que os anima ou aquilo que lhes dá vida. Isto é a sociedade em movimento. (SANTOS, 1988, p.16).

Assim, ao promover a intersecção da geografia, filosofia e a sociedade nos debates teórico-metodológicos, Orlando Almeida (1988) aponta a dialética como uma forma metodológica desejada no estudo da questão agrária:

Verifica-se assim que entre o indivíduo e a sociedade existe uma unidade dialética, uma conexão interdependente. Promover o homem é sempre promover um ser intrinsecamente social, um ser que se torna mais autoconsciente na medida em que se integra na sociedade. (ALMEIDA, 1988, p.3).

Dessa forma, o materialismo histórico-dialético surge como uma alternativa para superação da quantificação e do pragmatismo, pois insere técnicas e abordagens qualitativas, com o intuito de valorizar as questões e problemas socioeconômicos. Entretanto, esta posição metodológica e filosófica prevaleceu nos estudos geográficos a partir da década de 1980, mas não foi unanimidade, o que é valoroso para a ciência, tendo outras matrizes de pensamento.

8.2 – Concepções multivariadas de pensamento filosófico e metodológico: o pluralismo