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2. Sociedade em rede

2.3 Concepções sobre rede

Diversas áreas do conhecimento se debruçaram sobre conceito de rede, antes mesmo de Manuel Castells lançar sua importante obra sociológica, intitulada “Sociedade em rede - a era da informação: economia, sociedade e cultura”. O conceito de rede esteve atrelado à representatividade gráfica e à cartografia das formas de interação humana, muito antes de adquirir os contornos filosóficos materializados nas obras de Deleuze, Guattari (2004) e Latour (1994). A denominação “rede” foi utilizada pela matemática e pela antropologia como forma de radiografar os vínculos entre pessoas, e não como metáfora da dinâmica social.

Na matemática, a concepção de rede surge com base na teoria dos grafos criada pelo matemático Ëuler – na qual a rede é representada por um conjunto de nós conectada por arestas. Ëuler introduz a noção primordial de conexão entre pontos para a constituição da rede. Nos anos de 1990, a teoria dos grafos é desenvolvida através estudos de Albert-László Barabasi, professor de física na Universidade de Notre Dame (Indiana-EUA).

Barabasi inaugura a noção de “redes sem escala”, sugerindo uma dinâmica na estruturação das redes geradas de uma forma aleatória e não apenas um mapa estático das ligações, constatando que os pontos com mais ligações permanecem com maior número de vínculos – “rich get richer” (2003).

Página | 77 A concepção de rede no campo da antropologia surge nos anos de 1970, tornando-se uma ferramenta no auxílio do trabalho de campo. A rede foi utilizada para a compreensão da dinâmica das ligações dentro de um grupo específico. Essas novas análises consideraram o movimento da rede além da relação numérica de conexão e expansão, e pensaram a rede como uma forma de representação cartográfica - um mapa ou foto - das relações humanas. A partir da concepção desse mapa, o antropólogo poderia determinar qual a dinâmica e quais os vínculos que marcavam a essência do grupo.

Os primeiros trabalhos foram realizados pela chamada Escola de Manchester, nomeadamente pelos trabalhos de Max Gluckman e J. Clyde Mitchell. A prática de pesquisa era a observação dos atores sociais, seus papéis e suas ligações, como dimensões integradas num mesmo sistema. Dessa forma a ciência social privilegia a agência das pessoas e o significado de suas ações.

Com exceção do trabalho de Latour (1994), interessado em questionar o método da ciência ocidental, a noção de rede extrapola à dinâmica e agência de diversos componentes, que não só o homem e seus valores. Latour desenvolve a teoria “ator- rede”, como alternativa à prática antropológica. Reconhece assim a complexidade da situação social e busca aproximar o trabalho de campo da complexidade das relações na pós-modernidade. Nesse caso a tecnologia pode ser vista como um agente da rede que influencia sua dinâmica.

A rede, para Castells, é a própria expressão da formação social baseada na conexão generalizada, global. “Está fundamentada na disjunção sistêmica entre o local e o global para a maioria dos indivíduos e grupos sociais” (Castells, 2005, p. 27). Castells concebe a noção de rede apoiada na manipulação e circulação da informação como estruturação da vida social. Entretanto, suas perspectivas perecem ainda não sair do campo sociológico tradicional, focando as relações de trabalho e a geração de recursos a partir da informação como nova moeda social.

As concepções de rede citadas acima não esgotam as perspectivas para seu entendimento.

[...] As formas experienciais das deslocações técno-comunicativas que criam e multiplicam espaços e materialidades eletrônicas socialmente ativas, tornam oportuno o surgimento de um novo léxico capaz de relatar as experiências sociais que se criam a partir das novas formas de superação de fronteiras entre o orgânico e o inorgânico (DI FELICE, 2005, p. 16 -18).

Página | 78 2.4 O ciberespaço como parte da realidade social e espaço cognitivo

A palavra ciberespaço deriva da teoria cibernética, mas o termo foi popularizado a partir do romance “Neuromancer’, escrito por Willian Gibson, no ano de 1982. A partir de então, inúmeras foram as problemáticas em torno dessa palavra, que define a cultura contemporânea.

No primeiro parágrafo da “Declaração de independência do ciberespaço” (obra de 1996), Perry Barlow afirma que “o ciberespaço é a nova casa da mente. Ou seja, é por excelência um espaço cognitivo. Entretanto, com os novos ambientes de interação digitais, esse espaço não é somente cognitivo, mas também sensório, pois gera sensação através de um tipo de toque artificializado. Para Perry Barlow, a sociedade industrial reduziu o homem e seu pensamento à estrutura totalizante do capitalismo, da economia, e o ciberespaço para ele representa ao contrário, a livre circulação de idéias. A internet está longe de ser perseguida pelos interesses da política capitalista. Esse espaço não suscita de maneira alguma a coação ou imposição de valores pela força da dominação econômica, mas sim promove ligações em rede impossíveis de serem controladas pelos governantes.

Na ótica de Barlow, assim como na ótica de Lévy (2000), o ciberespaço é pensado como lugar de auto-reapresentação, de independência e autonomia. Este é o lugar da transitoriedade. Nele, não há diferença entre classe social, preconceitos de raça ou imposição de força pelo poder, aqui o que importa é a experiência proporcionada pela interação entre os diversos elementos envolvidos no momento da interação.

Alguns autores (BAUDRILLARD, 2005; SODRÉ, 2006), ao tratarem do tema, apontam o ciberespaço como um espaço separado da realidade social, um espaço limitado à relação com o computador pessoal e paralelo. Estes, acostumados a perceber os meios de comunicação como instrumentos do sistema econômico, acabam por transpor as teorias sobre a sociedade do espetáculo na análise da sociedade em rede e assim consideram o ciberespaço como uma ficção, como uma simulação de um social igualitário, acabando por localizar o ciberespaço como ferramenta exclusiva de imposição do capitalismo. Essa análise sobre o ciberespaço está intimamente ligada às teorias sobre o virtual desenvolvidas por Baudrillard (2005). Baudrillard esteve sempre preocupado com a busca da verdade e da experiência imediata.

Autores como Lévy, Kerckhove e Santaella levam as análises sobre o ciberespaço na direção da hibridação entre homem e máquina. A partir da emergência da cibercultura

Página | 79 e do ciberespaço, repensam toda a estrutura do pensamento ocidental. Com eles, o ciberespaço pode ser pensado como mais um espaço social sensório e cognitivo, que proporciona formas diferentes de interação baseadas principalmente num fluxo de informação caótico, diferente daquele estabelecido pela relação entre emissores e receptores.

Para Lévy (2000), a tecnologia não está separada de um fenômeno cultural da mentalidade coletiva. Ou seja, a tecnologia é resultado e ao mesmo tempo ambiente de um esforço coletivo cognitivo e afetivo. Lévy atribui a cisão entre tecnologia e fenômeno social à visão da tecnologia como instrumento.

Não é possível atribuir unicamente à indústria automotiva e às multinacionais do petróleo o impressionante desenvolvimento do automóvel individual neste século [...]. O automóvel respondeu a uma imensa necessidade de autonomia e de potência individual. [...] Se não tivesse encontrado desejos que lhe respondem e a fazem viver, a indústria automobilística não poderia, com suas próprias forças, ter feito surgir esse universo. O desejo é motor (LÉVY, 2000, p. 123)

A partir do pensamento de Lévy, é possível estabelecer outro ponto de vista a respeito da situação social tecnológica, ou melhor, das tecnologias do social. Tem-se que além da vontade econômica, existe a vontade coletiva de comunicação recíproca e de inteligência coletiva que impulsiona a instalação de dinâmicas sociais permeadas pela cultura do ciberespaço como um novo espaço social de interação.

A dinâmica das interações digitais acontece pela dinâmica da rede. Não há ponto inicial de onde parte a informação enquanto mensagem. Segundo McLuhan, a mensagem reflete a forma de pensar a informação como algo que deve atingir um objetivo específico, como algo dotado de um propósito. No caso do ciberespaço, o social está mais próximo de ser um ecossistema global, a rede metaforicamente pensada pela figura do rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 2004; LATOUR, 2005).

Na narrativa ocidental, a construção material do espaço sempre refletiu a construção simbólica da sociedade, fixando a relação entre conceito e imagem na qual o conceito deveria fixar as imagens e extinguir a multiplicidade de significados. Desde a sociedade de massa, os meios de comunicação criaram alterações na relação com o espaço físico e simbólico.

O ambiente do ciberespaço aporta outro tipo de interação com o lugar, um habitar informativo (DI FELICE, 2008b) - possivelmente melhor descrito pela noção de interface, um tipo de pele que constantemente permite a mistura das superfícies (computadores, informações e homens).

Página | 80 O ambiente social do ciberespaço não é topológico nem geográfico, é múltiplo e fluido, baseado nas trocas informativas e na relação não exclusivamente antropomórfica com o corpo e com a alteridade. O social do ciberespaço não visa representar fielmente o real simplesmente, porque ele não faz essa distinção (Lévy, 2000). O ciberespaço é disseminado na interação com a técnica - não é cópia nem original.

A história das revoluções comunicativas nos mostra como a introdução de uma nova tecnologia comunicativa altera não somente a forma de perceber o mundo, introduzindo extensões mecânicas capazes de amplificar os nossos sentidos, mas, sobretudo, como revelado por Benjamin, torna-se capaz de modificar a forma do espaço alterando a localidade e introduzindo espacialidades técnicas e informativas antes inéditas. (DI FELICE, 2008a, p. 70).