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Um dos grandes desafios deste trabalho foi o de encontrar um método compatível com o disponível no universo científico da ciência social. Ao estudar o campo social, a pesquisa das ciências sociais incorporou objetivos de quantificação, mensuração, categorização e universalização, além de métodos utilizados pelas ciências naturais, com adaptação de alguns de seus instrumentos.

Com o método descritivo, chamado etnográfico, a antropologia inovou esse campo, ao estudar comunidades distantes e não urbanas. A prática etnográfica determinava a seguinte situação: comunidade geograficamente distante da “civilização” e uma cultura tecnologicamente diversa (outra relação com a terra, com a natureza, com o conhecimento e o repasse de informações), totalmente diferente da do pesquisador.

Não há consenso sobre a postura científica mais adequada para estudar o ciberespaço, e um grande debate sobre a possibilidade de aplicação do método etnográfico nesse ambiente. “Para James Clifford, esse novo contexto representa para a antropologia um desafio, onde a prática etnográfica não é abandonada, mesmo perdendo

Página | 101 seu elemento tradicional, o campo e a viagem a algum lugar exótico” (CLIFFORD apud SILVA, 1999, p.91).

Parece existir um impasse na questão da utilização do método etnográfico para a pesquisa de campo no ciberespaço, principalmente com relação à adequação do método ao tipo de territorialidade do ciberespaço - virtualidade, imaterialidade, fluxo comunicacional. Muitas vezes, numa perspectiva tradicional, o ciberespaço não é considerado uma alteridade, porque não tem espaço delimitado, nem “substância”. De acordo com a tradição antropológica, a etnografia é realizada para grupos corporificados, marcados pela sua relação com o território e pela identidade cultural única. Para utilização do método etnográfico, é necessário inicialmente avaliar se suas premissas têm adequação para o estudo dos ambientes virtuais. Já que a etnografia foi utilizada para descrever espaços geográficos distantes, e claramente delimitados - em que medida ela poderia ser aplicada ao ambiente do ciberespaço?

Para a cultura ocidental, a ação de conhecer foi concebida por meio da relação entre o sujeito e o objeto, tendo o sujeito a posição privilegiada - enquanto origem da ação, e o objeto era a instância exterior e passiva do processo - aquele que recebe a nomeação. A relação de conhecimento foi concebida dessa forma antropocêntrica e hierárquica na qual o sujeito impele no objeto seu ponto de vista. As novas formas sociais estudadas nesta pesquisa mostram outro caminho de construção do conhecimento - o de formas colaborativas e transversais.

Conhecer o ciberespaço significa antes de tudo deixar-se influenciar pela natureza tecnológica do ambiente, agindo e participando numa relação de simbiose na qual, contornos entre pesquisador e objeto de estudo se misturam até perderem sua superfície. Significa também manipular, imergir e somar-se ao campo. Nessa situação, a aplicação do método etnográfico da descrição teria de levar em conta a mistura entre as superfícies do pesquisador e do pesquisado - como se a prática etnográfica permitisse a (re) invenção do outro e ao mesmo tempo a (re) invenção si mesmo.

Olhar apenas para as relações enquanto conteúdo de significação pode levar a uma análise apenas dos aspectos humanos e estruturais. Olhar as relações sociais virtuais implica primeiro olhar o espaço no qual elas acontecem, ou melhor, o espaço atópico (DI FELICE, 2008b) - aquele sem lugar, no qual elas estão inseridas e pelo qual, são constituídas. Embora os espaços de socialização do Second Life e do BarCamp sejam totalmente diferentes, eles estão permeados pela característica de um ambiente no qual é impossível manter a separação entre emissor/sujeito e receptor/objeto. No

Página | 102 ciberespaço, a forma de conhecer é a vivência, é a atividade, é o envolvimento de todas as partes - a inorgânica, a orgânica e a esfera de significação.

O próprio objeto desta pesquisa quebra a barreira hierárquica do método cartesiano, ou mesmo aquela do método etnográfico de Malinowski. Nos espaços virtuais, a observação possível é aquela na qual a distinção identitária com o objeto de pesquisa torna-se inviabilizada, pelo tipo de interações que se produzem na rede.

Além das fronteiras e das definições inquestionáveis é possível pensar as formas e as experiências de uma materialidade viva, de uma ‘organicidade inorgânica’ e existência de formas de protagonismos de um tipo de materialidade propiciadora de benefícios, de mensagens, de experiências e relações sociais. (DI FELICE, 2005, p. 12).

A observação participativa acaba inevitavelmente assim por se firmar numa relação fluida entre a pesquisadora e os ambientes virtuais - situação mais relevante no caso específico do Second Life. A experiência de viver nesse ambiente é marcada pela novidade da interface de relação/expressão, o avatar. Este formato extrapola qualquer pretensão de observação e desde o primeiro momento leva, acima de tudo, à pesquisa de si mesmo.

Para descrever a dinâmica do ciberespaço, é necessário fazer parte dele, nele habitar e se tornar parte de sua arquitetura - nenhuma distância é possível. Esta é a primeira categoria metodológica que compromete a escolha de um método capaz de não limitar o objeto em questão, mas que seja sim influenciado por sua dupla natureza - social/humana e social/tecnológica.

2.1 “O método” da pesquisa

Os ambientes virtuais escolhidos como objeto desta pesquisa elucidam diferentes tipos de expressão do mundo virtual. A partir da discussão sobre até que ponto é possível manter distância entre o sujeito e o objeto, os métodos escolhidos para a pesquisa foram o de imersão, especialmente no caso do Second Life, e o de descrição, participação e realização de entrevistas, no caso do BarCamp.

A imersão no ambiente do Second Life foi iniciada em maio de 2007 e se estendeu até agosto de 2008. A experiência da pesquisadora/avatar foi relatada através de anotações num diário de campo do qual, posteriormente, através da memória dos relatos da experiência, foi possível extrair considerações acerca das relações sociais nesse ambiente virtual. Toda interação com os avatares aconteceu em forma de diálogos

Página | 103 via chat e foram armazenadas em formato de arquivo digital, da mesma forma ocorrendo com algumas imagens dos espaços experienciados.

A imersão aconteceu em dias aleatórios, variando entre a periodicidade diária, semanal e mensal, de acordo com os eventos disponíveis na plataforma. Os horários também foram: na parte da manhã, da tarde e pela madrugada, normalmente entre segunda e sexta-feira. De acordo com os relatos do diário de campo virtual (anexo 1), a duração da imersão variou entre duas a seis horas, dependendo do desenrolar das trocas sociais. Os locais visitados foram escolhidos aleatoriamente, de acordo com a adequação e curiosidade da pesquisadora/avatar, já que nesse universo, é o usuário quem faz seu caminho. Houve o esforço de tentar participar dos ambientes mais variados possíveis, desde cafés filosóficos, night clubs, eventos especiais como casamentos e palestras, praias, shopping centers até reproduções de cidades como São Paulo ou Veneza, por exemplo.

A experiência referente ao BarCamp foi iniciada em agosto de 2007 e também encerrada em 19 de agosto de 2008. As trocas sociais aconteceram através de sites, blogs, egroups, listas de discussão e emails. Para acompanhamento da dinâmica do BarCamp, foi necessário realizar um registro na comunidade, através de seu site. Depois de me tornar membro do BC, escolhi dois de seus grupos de discussão: BarCamp Brasil e BarCamp São Paulo. Feito o registro nessas duas comunidades, o acompanhamento do movimento social deu-se através do recebimento diário (em uma conta pessoal) dos emails trocados pelo grupo. Além disto, foi realizado acompanhamento semanal através do site geral da comunidade brasileira www.BarCamp.blaz.com.br e também dos grupos de discussão abrigados pela plataforma googlegroups, BarCamp Sampa (http://groups.google.com.br/group/BarCampsp?hl=pt-BR) e BarCamp Brasil (http://groups.google.com.br/group/BarCampbrasil?hl=pt-BR&lnk=), pelo período de agosto de 2007 até agosto de 2008.

Durante esse período, foi enviado às duas comunidades de discussão e a nove pessoas (via email pessoal ou blog) um pequeno questionário para documentar a opinião e a experiência de participação de um evento BarCamp do maior número de pessoas. Foram concretizadas três participações em eventos BarCamp (MetaBarCamp, Campus Party e NewsCamp).

Nessa circunstância, foi realizado o registro da experiência em diário de campo das conversas e das discussões. Muitas das informações sobre BarCamp foram

Página | 104 adquiridas através da troca de emails com os participantes, porque quase nunca, com exceção dos eventos, foi possível encontrá-los presencialmente.