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2. Sociedade em rede

2.5 A cultura digital

2.5.1 Os substratos da cultura das comunidades virtuais

Castells atribui à “cultura dos campi” das universidades norte-americanas dos anos de 1960, o grande progresso tecnológico evidente nos anos de 1970. As universidades americanas prezavam pela liberdade, inovação individual e iniciativa empreendedora, dando ênfase aos dispositivos personalizados, à interatividade, a formação de redes e a incessante busca por inovações tecnológicas. Na maioria das vezes, esse movimento não pertencia ou não compactuava com os interesses do mercado. Dessa forma, a cultura digital é decorrente de uma fusão de intenções entre elas: estratégia militar, cooperação científica, iniciativa tecnológica e inovação contra cultural.

Muitas das aplicações da internet tiveram origem em invenções inesperadas de seus usuários pioneiros, o que deu à internet características essenciais. Os objetivos militares que iniciaram as pesquisas abriram caminho para outros tipos de usos inesperados e distantes do uso militar, como por exemplo, a criação do modem, atribuída aos usuários.

A partir da transferência direta de arquivos entre computadores e interligação de computadores via linha telefônica, a internet passou a ser usada como um fórum online de conversas sobre informática, que logo se tornou um dos primeiros sistemas de conversas eletrônicas em larga escala. Em 1983 os primeiros sistemas de conversas eletrônicas funcionavam como um quadro de avisos.

Página | 82 Mais tarde com o aprimoramento das tecnologias e o lançamento do software “Windows”, a interação via rede de computadores tornou-se acessível a usuários não iniciados. Esse foi o grande avanço da internet. Softwares mais simples foram desenvolvidos para que usuários não iniciados pudessem manipular a tecnologia da internet. Essa é uma tendência que se fortaleceu ao longo do tempo, culminando na fase atual, na qual a internet é chamada de “web 2.0”. Com a web 2.0, a internet e a tecnologia focalizaram em proporcionar cada vez mais formas do usuário manipular a menor função disponível num software. A tendência é a de que sejam produzidos cada vez mais programas de código aberto e livre utilização.

O universo da web que conhecemos hoje se tornou efetivo a partir da movimentação social que ocorreu em meados de 1995. A partir disso, novos hábitos sociais começaram a surgir e desde então estudos são realizados com a finalidade de conhecer um pouco mais sobre as formas sociais da rede.

É difícil chegar a um consenso acerca do significado social que a comunicação via internet ganha como fenômeno social, dado que é algo recente para a ciência se pronunciar, embora algumas pesquisas empíricas anteriores a 1995 já tratassem desse assunto (RHEINGOLD, 1996). Em 1990, quando a internet mais expressivamente é utilizada no Brasil, havia questionamentos sobre a possibilidade de a internet trazer ou não isolamento social, podendo cortar laços com o “mundo real”.

Em 1993, Howard Rheingold publicou sob forma de livro sua experiência de conviver com um grupo de pessoas via sistema de teleconferência por computador, na rede WELL (Whole Earth ‘Lectronic Link). A esse grupo atribuiu o termo “comunidade virtual” devido ao tipo de relação emocional (comunidade), proporcionada a partir da tela (virtualidade), marcada pela não-presença física. As telas dos computadores estabelecem uma interface entre a eletricidade biológica e a tecnológica, entre o utilizador e as redes. “Na medida em que o usuário foi aprendendo a falar com as telas, através dos computadores, telecomandos, gravadores de vídeo e câmeras caseiras, seus hábitos exclusivos de consumismo automático passaram a conviver com hábitos mais autônomos de discriminação e escolhas próprias” (SANTAELLA, 2004, p.81, 82).

Nesse contexto, quando se fala nos dinamismos da rede e nas novas formas de agregação, a noção de “comunidade virtual” assume o sentido da sociabilidade dos ambientes virtuais. Com base nos relatos de Rheingold, Castells caracteriza as comunidades virtuais como “uma rede eletrônica autodefinida de comunicações

Página | 83 interativas e organizadas ao redor de interesses ou fins em comum, embora às vezes a comunicação se torne a própria meta” (CASTELLS, 2005, p. 443).

2.5.2 O sujeito e a sociabilidade

Castells acredita que embora os sistemas de informação e a formação de redes aumentem a capacidade humana de organização e integração, eles também subvertem o conceito ocidental tradicional de um sujeito separado, independente.

A mudança histórica das tecnologias mecânicas para as tecnologias da informação ajuda a subverter as noções de soberania e auto-suficiência que serviam de âncora ideológica à identidade individual desde que os filósofos gregos elaboraram o conceito, há mais de dois milênios. Em resumo, a tecnologia está ajudando a desfazer a visão do mundo por ela promovida no passado. (CASTELLS, 2005, p. 58).

Nesse contexto, Castells vê a situação do ser na era da sociedade em rede como uma situação solitária e irrecuperável de perda de referências, gerando a busca de nova conectividade na identidade partilhada, reconstruída. Dessa forma, Castells caracteriza o estado atual da cultura social, formado pela lógica das comunidades virtuais. O homem apresenta hoje a “necessidade de criar um novo ser coletivo” (CASTELLS, 2005, p. 58).

Por sua vez, Santaella (2004) pensa que a constituição do sujeito na cibercultura se dá através de softwares. Quando o homem passa a fazer parte de uma estrutura simbólica complexa, re-significa sua própria estrutura simbólica. E vê a cibercultura de uma maneira mcluhaniana, na qual a rede se torna homem e o homem se torna rede.

A figura do eu, fixo no tempo e no espaço, capaz de exercer controle cognitivo sobre os objetos circundantes não mais se sustenta. A comunicação eletrônica sistematicamente remove os pontos fixos, as fundações que eram essenciais à teorias modernas. (...) A cultura é crescentemente simulacional no sentido de que a mídia sempre transforma aquilo de que ela trata, embaralhando identidades e referencialidades. Na nova idéia da mídia a realidade se tornou múltipla. O efeito das mídias, tais como internet e realidade virtual entre outras, é potencializar as comunicações descentralizadas e multiplicar os tipos de realidade que encontramos na sociedade. Toda a variedade de práticas inclusivas na comunicação via redes – correio eletrônico, serviço de mensagens, videoconferências etc. – constituem um sujeito múltiplo, instável, mutável, difuso e fragmentado, enfim, uma constituição inacabada, sempre em projeto. (SANTAELLA, 2004, P. 128)

Página | 84 Em muitos estudos, as comunidades virtuais aparecem como se fossem expressão humana, num ambiente tecnológico como o do ciberespaço. Essas formas de agregação presentes nas comunidades virtuais, por um lado, mantém resquícios dos valores sociais tradicionais, por conta da necessidade de agrupamento e de objetivos em comum partilhados. Por outro lado, sinalizam uma ruptura com a relação entre o agrupamento e o local, já que agregam pessoas do mundo inteiro. Para a sociologia clássica, que definiu o conceito de sociedade e comunidade, o social é da ordem do artificial, de algo que precisa de convenção e estruturas de poder para gerir o grupo. Já a comunidade sociologicamente definida é da ordem das relações por proximidade sanguínea, do orgânico, do qual não se pode escapar de uma estrutura limitadora para a subjetividade e a escolha individual. Este não é o caso das comunidades virtuais, pois nesse tipo de agregação social não existem regras constituintes. Um grupo de pessoas se encontra e exercita a participação social de acordo com o momento e com as informações que estão circulando naquele momento. A participação social virtual não tem nada a ver com aquele tipo de participação política do projeto moderno de emancipação. A participação social nas formações virtuais é totalmente fluída e baseada nas informações que circulam em múltiplas direções.

2.5.3 A emergência da interface

Interface é o ambiente de resposta, onde se constrói o feedback não importando em qual sentido, entre homem-máquina, computador ou usuário. Entretanto, é possível pensar que a interface proporciona contato entre hardwares, entre softwares ou entre homens e hardware e software. Há ainda a ótica da interface como um agente simbólico.

A interface entre máquina e homem pode ser vista a partir da ação da visão. O que demonstra a perspectiva híbrida que a interface pode conotar, ligando sensações (visão) ao objeto (computador). Nesse caso, a visão é o sentido que funciona como porta de entrada e saída.

No campo da informática, entre seus desenvolvedores, a interface expressa a possibilidade de conexão entre programas e equipamentos diferentes. Sendo assim, pode-se considerar como interface os periféricos do computador e telas dos monitores, e também a atividade humana conectada aos dados através da tela.

Expandindo o conceito de interface para além da materialidade, tem-se que a interface é uma espécie de membrana que se coloca entre o homem e a máquina. Nesse

Página | 85 sentido a interface elimina relações de hierarquia ou ordem. As interfaces “são as zonas fronteiriças sensíveis de negociação entre o humano e o maquínico” (SANTAELLA, 2004, p. 92).

Nesse aspecto filosófico, Santaella se refere à interface como o momento no qual “duas fontes de informação encontram-se face-a-face, mesmo que seja um encontro da face de uma pessoa com a face de uma tela” (SANTAELLA, 2004, p. 91). Somente a partir desse encontro é que ambas as partes passam a existir uma para a outra. Nesse caso, se estabelece uma relação simbiótica entre homem e máquina, no sentido de que a máquina precisa do homem para entrar na rede e o homem precisa da máquina para estar na rede. O momento da conexão é definitivo tanto para a ação do homem quanto da máquina, tornando-os um só. É o encontro pela interface que determina o tipo de relação e quais significados estão em jogo.

Interface não é mediação, nela não há diferença entre experiência de primeira mão ou de segunda, como fala Meyrowitz. Ou seja, não importa se a interação é estabelecida com o original ou não. Esta pesquisa buscou aproximar o conceito de forma, que evoca certa estruturação, para o conceito de interface enquanto ambiência e encontro. Dessa forma parece possível descrever o tipo de interação que acontece nos ambientes virtuais.

O surgimento de um ambiente tecno-informativo e dinâmico nos obriga a superar a tradicional distinção entre natural e artificial e a pensar uma nova ecologia, nem antropocêntrica nem somente biológica, na qual a tecnologia apresenta-se não mais como técnica externa ou invasiva, mas como Genious Loci capaz de fornecer identidade e de determinar o sentido temporário de lugar. (DI FELICE, 2008a, p. 70).

2.5.4 Inteligências coletivas, psicotecnologias e inteligência conectiva