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Concepções teóricas da Geografia do Clima como perspectivas nas análises climáticas:

4. CIDADE E O CLIMA URBANO COMO UMA PRODUÇÃO SOCIAL

4.1. Concepções teóricas da Geografia do Clima como perspectivas nas análises climáticas:

As transformações decorrentes do rápido processo de urbanização e concentrado, desde a Revolução Industrial no século XVIII, trouxeram mudanças particulares para algumas cidades devido às intervenções mais intensas da sociedade moderna. As mudanças mais evidentes nas paisagens são vistas a partir da retirada intensiva da vegetação (desmatamento) e sua substituição por uma variedade de usos e ocupação do solo em detrimento dos ecossistemas naturais.

Admitindo-se a importância deste problema, a perspectiva analítica geográfica permite interrelacionar aspectos do clima e da produção do espaço urbano, integrando novos elementos de análise com base na diferenciação socioespacial e elementos do plano urbano, que possibilite desenvolver uma discussão mais complexa, ao identificar o clima como um problema ambiental e urbano dada a sua lógica de construção social.

Um destes resultantes é o surgimento de condições particulares, sendo necessário repensar as questões referentes à qualidade ambiental e de vida da sociedade urbana. Este assunto fomenta importantes discussões na atualidade, já que as cidades enquanto reflexo das construções humanas, e também o local de vivência da maior parte da população.

aspectos e internalizam as múltiplas relações contraditórias que re-definem, re-trabalham todo corpo e toda coisa.

62 Uma destas consequências relacionadas ao clima é a evidência de mudanças nos padrões de temperatura por meio de regiões com gradientes térmicos acentuados (ilhas de calor), um maior número de enchentes, poluição, e desconfortos os mais diversos devido à inadequação dos espaços construídos às condições do clima.

Alguns destes problemas se dão ao nível planetário, por exemplo, redução da frequência de dias e noites frios; aquecimento dos dias e noites mais extremos a cada ano; aumento da frequência de dias e noites quentes; são mais frequentes as ocorrências de surtos e/ou ondas de calor e também aumento na ocorrência e proporção dos eventos de precipitação extremos ou secas (IPCC, 2007, p.12).

Segundo Monteiro (2009), as cidades enquanto expressão máxima da ação humana sobre o espaço passa a responder por estas transformações que comprometem as condições do ambiente e a qualidade de vida nas cidades. Este autor ainda evidencia que:

Tudo isso, aliado à própria dinâmica da população aí concentrada, circulando e desempenhando variadas atividades e serviços, faz com que as cidades sejam – por excelência – os lugares onde as resultantes ambientais configuram-se como obra conjunta de uma natureza retalhada e afeiçoada aos propósitos do viver humano (2009, p.10).

Neste sentido, a tendência das cidades atualmente é apresentarem problemas relacionados ao clima, com magnitudes cada vez maiores, principalmente no campo térmico, decorrente das atividades intrínsecas ao intraurbano e aos materiais construtivos (edificações, arruamentos, pavimentação, entre outros) que compõem os elementos do plano urbano.

Sobre este problema, no início dos anos 1970, Monteiro (1976) apoiado na crítica de Maximilien Sorre (1934, 1951) e nos estudos de P. Pedelaborde (1958, 1959), admitia o entendimento do clima por meio de uma concepção geográfica dada a complexidade e heterogeneidade do espaço urbano, e não simplesmente meteorológica como visto, até então de cunho estatístico. O clima enquanto variável meteorológica era entendido como os estados médios dos elementos atmosféricos sobre o dado lugar, associado à existência de uma cidade. A partir das contribuições de Monteiro e suas orientações conceituais o clima passou a ser concebido a partir da adoção de uma concepção dinâmica. Assim, com base na visão da cidade enquanto local de morada da sociedade, o clima é entendido como o “ritmo

63 de sucessão habitual dos estados atmosféricos sobre os lugares”. Desta forma, por meio destes referenciais Monteiro (1976) admite que:

A nova perspectiva é dinâmica (série e sucessão) e está baseada em uma propriedade intensiva da atmosfera – a própria ideia de tempo meteorológico, essencialmente associativa. Parece-me que não há dúvida de que o paradigma novo é o do ritmo em substituição à média dos elementos discretamente dissociados à atmosfera e expressos como meras propriedades extensivas (p.23).

Além da proposição deste novo paradigma do "ritmo climático", Monteiro (2009) faz uso do quadro referencial teórico da Teoria Geral dos Sistemas para a proposição do estudo do clima urbano, possibilitando a realização de estudos utilizando métodos dedutivos e indutivos a fim de objetivar a essência do fenômeno urbano, tal como salienta deveras complexo (RAMPAZZO, 2012, p.31).

A Teoria Geral dos sistemas (desenvolvida por BERTALANFFY, 1973) permite ao pesquisador pensar sobre o espaço urbano em sua perspectiva climática e propor medidas de intervenção e planejamento que visam melhorar as condições da qualidade ambiente bem como da população que nele vive. Para tanto o dinamismo inerente à urbanização aliado à concepção do clima permite que se façam análises em escalas diferenciadas, evidenciando suas peculiaridades (MONTEIRO, 2009, p.18).

A visão sistêmica, portanto, é o princípio norteador das pesquisas desenvolvidas com base na proposição teórico-metodológica de Monteiro (1976) a fim de compreender seu funcionamento, desempenho e organização. Para tanto, é necessário conhecer as características e particularidades de cada sistema para que haja uma interrelação entre a multiplicidade de variáveis.

O clima urbano, em definição, trata-se de “um sistema que abrange o clima de um dado espaço terrestre e sua urbanização”, ou seja, “um sistema singular que abrange um clima local (fato natural) e a cidade (fato social)”, e pode ser apreendido a partir dos elementos geoambientais da cidade, como a densidade de urbanização, os tipos de uso e ocupação do solo, a presença ou ausência de vegetação, características de materiais construtivos, etc (MONTEIRO, 2009, 19), já admitindo, portanto, a influência da ação humana na construção desta fisionomia urbana.

64 Em relação aos aspectos geoambientais, principalmente àqueles relacionados à definição dos usos do solo, ocupação do solo, edificações, vegetação arbórea, foram utilizados como referência os trabalhos desenvolvidos por Amorim (2000), Ugeda (2012) e Nucci (2008). Entretanto, foi desenvolvida uma tipologia própria com discussão teórica e de definição destes "Indicadores geoambientais" amplamente abordados em Rampazzo (2012)50 e são tomados como premissa nesta pesquisa que hora se apresenta.

Portanto, partindo do pressuposto da existência de um clima urbano nas cidades e a influência dos aspectos ou indicadores geoambientais na configuração destas especificidades, produto das relações sociedade-natureza, além da proposta teórico- metodológica desenvolvida por Monteiro (1976) do S.C.U. (Sistema Clima Urbano), notadamente a partir do subsistema termodinâmico, considera-se fundamental (diante das contradições e complexificação das relações sociais e de produção dos espaços na sociedade contemporânea) considerar a proposta de Sant'Anna Neto (2008) de se conceber o clima urbano também como um produto social. Assim, propõe-se direcionar a análise da Climatologia Geográfica (que tenta dar conta da explicação, da gênese e dos processos de natureza atmosférica intervenientes no espaço urbano) para uma Geografia do Clima sendo fundamental a dimensão social na interpretação do clima.

De acordo com Sant’Anna Neto (2001, p.58), uma Geografia do Clima passa pela compreensão de que “a repercussão dos fenômenos atmosféricos na superfície terrestre se dá num território em grande parte, transformado e produzido pela sociedade de maneira desigual e apropriado segundo os interesses dos agentes sociais”.

É por isso que Sant'Anna Neto (2001, p.49) propõe uma discussão em que uma nova razão para um novo conhecimento deva ser considerada para a análise do fenômeno climático numa perspectiva social e da valoração dos recursos naturais. Esta nova razão à qual o autor se remete, a nosso ver, é a dimensão dialética da realidade, ou a lógica dialética da natureza, que é construída socialmente por uma sociedade que a transforma para satisfazer suas vontades de forma contraditória. Portanto, também a cidade e o clima

50 Monografia de Bacharelado (Trabalho de Graduação) apresentada ao Departamento de Geografia da

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Tecnologia - Campus de Presidente Prudente, sob orientação do Prof° João Lima Sant'Anna Neto. Estes aspectos teóricos e metodológicos foram desenvolvidos principalmente em: p.(52-71) e (110-137).

65 urbano, requer uma análise que leve em consideração os elementos que envolveram e continuam transformando o ambiente.

Incorporar a dimensão dialética como perspectiva nas análises climáticas, é considerar que as lógicas e os mecanismos de produção do espaço são contraditórios, e ao mesmo tempo, o espaço reflete estas contradições na prática social. E assim sendo, procura- se não realizar uma análise superficial do ambiente construído, e supor que as consequências desta relação são apenas causais, mas que se dá em uma perspectiva relacional histórico-crítica51 (SAQUET, 2013), em que várias dimensões e situações de poder e criação se interrelacionam no mesmo espaço.

A proposta de Sant'Anna Neto (2012a, p.217) para o conhecimento do fenômeno climático é altamente social, pois:

[...] se a cidade é o habitat da modernidade, se os sistemas urbanos são altamente complexos e desiguais e, se a atmosfera urbana é o produto da interação entre as variáveis do clima e as intervenções socioeconômicas, então os diversos grupos sociais não experimentam nem se relacionam com o tempo e o clima urbano da mesma forma.

Desta forma, é preciso identificar a maneira com que o fenômeno natural clima, impacta os diferentes segmentos sociais, mesmo porque, segundo Sant'Anna Neto (2012a, p. 223) "como o modo de produção capitalista territorializa distintas formas de uso e ocupação do espaço, o efeito dos tipos de tempo sobre um espaço construído de maneira desigual gera problemas de origem climática, também, desiguais".

Assim, o clima urbano pode ser analisado enquanto um problema não somente ambiental, mas que passa a ser social/urbano visto que é permeado por uma série de lógicas que não se restringem ao natural, pois está inserido em uma organização social pautada nos interesses de agentes extremamente desiguais.

A relação entre sociedade e natureza (tal como o fenômeno clima, por exemplo, a partir das variações de temperatura em distintos espaços) ainda que se interrelacione, não ocorre sem contradições e conflitos. Na perspectiva de Sant'Anna Neto (2012b, p.31) o clima

51 SAQUET, Marcos A. Notas de aula concentrada ministrada pelo Profº Drº. Marcos A. Saquet, na disciplina

"Metodologia científica em Geografia: método, teoria e o pensamento geográfico" junto ao Programa de Pós- Graduação em Geografia da FCT-UNESP Presidente Prudente.

66 é tratado como insumo no processo de apropriação e produção da natureza, e como tal em relação aos distintos segmentos da população:

[...] assume um papel variado na medida em que as diferentes sociedades (e dentro delas, os distintos grupos sociais) se encontram em momentos diferentes em relação ao processo de globalização e de mundialização e que, num mesmo território uma sociedade desigual, estruturada em classes sociais, não dispõe (ou sua lógica assim não o permite) dos mesmos meios para lidar com a ação dos fenômenos atmosféricos, de forma a minimizar ou otimizar os seus efeitos para todos os segmentos sociais.

Nesta perspectiva, a cidade, vista enquanto espaço apropriado exerce esse papel de intermédio entre o que é natural e o que é social. Nunca atribuindo um caráter de sujeito52, mas a tomando enquanto materialidade construída fruto de ações não materiais, mas que se dão no plano social, das relações, por interesses que resultam em materialidades.

Supõe-se que é preciso ir além das formas para entender o clima urbano, observando o plano da cidade e a formação de um clima urbano não como dimensões fixas, cujas relações se dão posteriormente, mas, que todo o movimento que envolve estes planos possui um contexto histórico em que suas estruturas foram construídas, e principalmente que isso se dá de forma contraditória, em uma sociedade com diferentes segmentos sociais.

Por não considerar os espaços e o clima a posteriori, é preciso retomar a própria lógica de surgimento e desenvolvimento das cidades brasileiras que expõem em sua desorganização urbana, os reflexos do que acontece quando o poder de decisão se concentra em pequenos grupos que detêm o poder, que por sua vez, não incluem em suas agendas de prioridades a maior parte da população.

Diante desta gênese contraditória das cidades que têm na "Sociedade" a causadora das mazelas ambientais urbanas, Sant'Anna Neto (2011) atenta para a determinação dos agentes sociais que realmente atuam na produção dos espaços, assim:

Além disto, antropizar o território significa mascarar as reais intenções dos agentes do sistema econômico hegemônico neste processo de apropriação, desviando as atenções da questão primordial, apropriação–utilização– reprodução da natureza, para uma questão secundária: demonstrar os diferentes graus de intervenção dos agentes envolvidos – os homens –

52 Esta perspectiva de não atribuir valoração social a elementos materiais foi muito discutida e com ressalvas

no âmbito da disciplina "Urbanização e Produção do Espaço" tendo como eixo central a temática de consumo, ministrada pelos professores: SPOSITO, Maria.E. B.; GOES, Eda.; WHITACKER, Arthur.; apresentados por ordem de módulo oferecida junto ao PPGG/FCT/Unesp, 2013. [notas de aula].

67 desconsiderando-se sua organização social estabelecida numa sociedade de classes (2011, p.55).

Desta forma, não é possível realizar uma análise superficial do ambiente construído, e supor que as consequências desta relação são apenas causais, mas que se dá em uma perspectiva relacional e histórica, em que várias dimensões, situações de poder e criação se interrelacionam no mesmo espaço.

A relação entre o clima e o processo de diferenciação socioespacial se aprofunda ao verificar um agravamento dos problemas ambientais e, principalmente, a diminuição da qualidade de vida da população que depende, diretamente, do poder econômico dos diferentes segmentos sociais. Refletindo neste sentido, Romero et al (2007) considera que:

El clima urbano es uno de los componentes más significativos de las diferencias socio ambientales al interior de las ciudades latinoamericanas. Los distintos barrios, cuya localización en áreas de mayor o menor calidad ambiental, depende estrictamente de los ingresos económicos de las familias, presentan diversos mosaicos de usos y coberturas de los suelos, distintas intensidades de ocupación, y diseños urbanos más o menos favorables para la calidad ambiental (ROMERO et al, 2007, p.104).

Complexificando estes aspectos, ao somar a ideia de que a diferenciação socioespacial, imanente ao processo de produção do espaço, distingue seus membros de acordo com o lugar que ocupam na estrutura produtiva, e que os elementos do plano urbano mostram estas desigualdades nas configurações espaciais da cidade, pode-se concluir que o clima, enquanto mais um elemento apropriado no espaço, também é produzido socialmente, e os segmentos menos favorecidos da população tornam-se mais vulneráveis aos seus efeitos mais negativos.