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1. BASES PARA UMA COMPREENSÃO DA NATUREZA E DA DEGRADAÇÃO DO

1.2. Concepções tradicionais de natureza

De acordo com Gonçalves (2006), a construção cultural do conceito de natureza, uma noção social basilar, é empreendida de forma diferente entre as sociedades e acomoda não somente as relações sociais, mas toda a sua produção cultural e, principalmente, material. Conforme o autor, a separação entre cultura e natureza que impera nas sociedades ocidentais é resultado de um processo histórico marcado pela disputa entre os mais diversos modos de pensar, agir e sentir a natureza. Na seção anterior, observamos que o advento da sociedade instituiu as desigualdades sociais (o abandono da natureza essencial) e os progressos do cartesianismo viabilizaram a Revolução Industrial e a consolidação do domínio do mundo natural a partir da ciência e da técnica. Assim, torna-se evidente que é nas sociedades industriais modernas que o homem constitui uma séria ameaça à natureza, decorrente de condições socioculturais particulares que resultam em uma profunda transformação do ambiente.

Contudo, Bourg (1993) adverte sobre a necessidade de superação da polaridade que orienta o debate ambiental atual e que reside na oposição entre as sociedades ocidentais, marcadas pela centralidade do homem e por sua nocividade à natureza, e àquelas não antropocêntricas, reconhecidas pela existência de uma maior harmonia com o mundo natural. De acordo com autor, para uma melhor compreensão da relação homem e natureza na modernidade, é importante considerar que não é o antropocentrismo a causa estrutural da problemática ecológica, mas sua configuração apoiada na confluência do cristianismo, do cartesianismo e da expansão da noosfera – o complexo que envolve todas as atividades humanas.

Na verdade, é importante considerarmos que o antropocentrismo é inerente a todas as sociedades e não apenas ao contexto ocidental. Para o autor, sua centralidade é de ordem prática, por isso está imbricado nas ações e nos discursos, assegurando uma inalienação da posição central do homem em suas atividades que orienta todos os seus sistemas de valores. Nesse sentido, observamos que em se tratando da integração homem e natureza, o antropocentrismo acarreta impossibilidade de um sistema jurídico não antropocêntrico conforme preconizam Christopher Stone (expoente da defesa dos direitos dos objetos naturais) e Aldo Leopoldo (idealizador de uma ética da terra).

Dessa forma, observamos que a centralidade humana é dominante em todas as culturas, havendo, portanto, uma diversidade de olhares sobre a natureza. Embora civilizações como a chinesa e a africana manifestem uma concepção de natureza em que o homem encontra-se

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inscrito, submetido às suas regras, elas também abrigam a natureza como ambiente envolvente e utilitário (BOURG, 1993). Para o autor, esse antropocentrismo de cunho prático se apoia na compreensão de uma natureza utilitária, mas há um antropocentrismo especulativo que compreende uma dimensão cultural em que a centralidade humana é destituída apenas através de construções discursivas.

Diante desse reconhecimento da inexistência de culturas plenamente não antropocêntricas, convém então reconhecermos que algumas formas de antropocentrismo tornaram-se mais ameaçadoras para o meio ambiente. Para Bourg (1993), não se trata apenas das sociedades industriais modernas, uma vez que diversas civilizações ancestrais empreenderam profundos impactos no ambiente: desflorestamento na China Antiga; desertificação da Grécia Antiga; desflorestamento do Líbano em função de sua demanda por navios de guerra; desertificação da Mesopotâmia em decorrência de seu sistema de irrigação; desflorestamento empreendido pelos Maias etc. São todos exemplos que remontam a degradação ambiental à Antiguidade, muito embora decorrentes da ignorância das consequências ambientais em povos desprovidos de uma consciência de centralidade humana. Acerca das sociedades modernas, em que são observados os maiores prejuízos à relação homem e natureza, trata-se, conforme já assinalado anteriormente, de um contexto antropocêntrico particular. Conforme Gonçalves (2006), o cartesianismo foi decisivo para a supremacia do homem sobre a natureza, permitindo às sociedades modernas engendraram sua organização social em função da centralidade da produção material regida pela lógica capitalista pautada na intensa apropriação dos recursos naturais (natureza como objeto de produção). Consequentemente, a interferência humana no equilíbrio do planeta - domínio da biosfera a partir da ciência - suscitou a percepção das próprias limitações humanas e, ao invés de libertar-se da natureza, o homem a transformou em um encargo, assumindo a responsabilidade de assegurar os sistemas de regulação do planeta (BOURG, 1993).

Nesse sentido, observamos as sociedades contemporâneas a partir de um antropocentrismo reflexivo, em que a ampliação do domínio do homem sobre a natureza foi reveladora das próprias limitações desse domínio, uma vez que a degradação do ambiente também resultou em ameaça a própria existência humana. Para Bourg (1993), apesar desse contexto acentuar a necessidade de prudência na relação com a natureza, na cultura ocidental, face a absoluta centralidade humana, ela permanece relegada à condição de recurso disponível.

Sob a ótica das reinvindicações ecológicas, esse contexto de degradação ambiental traduz, sob a perspectiva dos movimentos ambientalistas, o resgate de aspectos culturais de sociedades anteriores, sobretudo no que concerne à solidariedade com a natureza, de forma a

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reorientar os modos de socialização vigentes (trabalho e necessidades matérias). Trata-se, segundo o autor, de fazer emergir o arcaico diante do moderno para viabilizar o enfrentamento das consequências da “profanação da natureza” nas sociedades industriais capitalistas. Entre as tradições culturais em que as relações homem e natureza se manifestaram mais harmoniosas, destacamos: a natureza na tradição japonesa, compreendida como harmonia e integridade do cosmos, fonte de bondade e virtudes para os homens; a natureza na tradição africana, pautada no totemismo e na integração do homem com o seu meio, orientada por uma relação de simbiose, de conservação e proteção do mundo natural; a natureza na tradição chinesa, compreendida como um cosmos espontâneo marcado pela alternância de fenômenos e que inclui o homem e a sociedade em sua totalidade; a natureza sagrada, concebida como morada humana na tradição do Islamismo; a natureza no hinduísmo marcada pela integração do homem.

Pons (1993) observa que na tradição japonesa a natureza era concebida sob uma perspectiva cosmológica que integrava o homem e mundo natural com o qual ele deveria viver em harmonia e simbiose. Essa noção de natureza não comportava uma separação substancial entre o divino e o selvagem, o que resulta em um envolvimento afetivo e uma percepção da natureza em termos de bondade. São relevantes as noções de coexistência e de identificação entre o homem e o meio, e também a crença em uma origem natural do planeta. Trata-se de uma perspectiva animista que ainda se manifesta através do Xintoísmo2 japonês e que evoca um forte sentimento de pertença do homem à natureza, sendo esta percebida enquanto conjunto de sujeitos ao invés de simples objetos. Essa centralidade da natureza também é marcante na cultura japonesa em decorrência das influências de suas tradições religiosas, principalmente do budismo e do seu sentido de efemeridade. Nele, a natureza opera no plano moral, despontando como um caminho para o equilíbrio e à salvação, e também reveladora da fragilidade e dos limites da existência humana – uma clara vinculação à natureza rousseauneana.

Na tradição africana vigorava uma concepção particular de natureza que também era marcada por uma perspectiva animista de mundo. De acordo com Dabiré (1993), essa natureza abrigava um vasto conjunto de seres dotados de características humanas e era caracterizada por uma simbiose da qual participavam todas as entidades do mundo. Nessa visão de natureza o homem era apenas mais um dos elementos, despontando com o mais

2De acordo com Corbett (2006) trata-se de uma religião indígena dos antigos povos japoneses marcada pelo panteísmo e pelo animismo e que ainda constitui uma forte espiritualidade no Japão. No Xintoísmo todas as entidades do mundo são igualmente concebidas pela criação divina e a natureza é considerada como morada dos deuses, daí seu valor enquanto discurso ambiental.

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frágil dentre eles. E é diante dessa fragilidade que surge o temor perante uma natureza misteriosa. De uma maneira geral, no continente africano não havia uma ideia de supremacia do homem sobre o mundo natural uma vez que este era percebido como moradia, abrigo e garantia de sobrevivência. Dessa forma, destituído de um sentido utilitário da natureza, o homem africano primava pela comunhão, uma “[...] sabedoria que recomendava o ¨princípio de realidade¨, impondo a coexistência, a solidariedade, a comunhão, em resumo, a vida em simbiose com o ambiente.” (DABIRÉ, 1993, p. 93). Daí decorre a visão mítica e religiosa da natureza que vigorava entre os mais diversos povos do continente.

Convém ressaltar que na mitologia africana a criação humana decorre da natureza, pois o homem surge da terra, de onde é retirado e concebido. Essa origem lhe confere parentesco com o mundo natural e assegura o seu mais elevado respeito. Por extensão, esse respeito à terra se aplica à natureza como um todo, tanto ao reino animal como ao vegetal, e também aos demais homens. Além disso, esse sistema de parentesco entre homem e natureza se manifestava através de um totemismo em que determinadas espécies despontavam como verdadeiros tabus e desfrutavam de status sagrado. Dabiré (1993) ressalta que a heterogeneidade do totemismo entre as numerosas tribos africanas foi decisiva para a preservação de inúmeras espécies. Conforme o autor, o totemismo impunha uma deontologia da caça que impedia o abate excessivo, favorecia a preservação de fêmeas em gestação e também estabelecia uma sacralização de determinadas espécies de árvores - a não obediência desta deontologia estava sujeita a penalizações por parte da natureza, sempre vigilante e severa. Observamos que a força dessa mitologia impunha o respeito à natureza enquanto convicção ideológica na cultura africana, em que o homem tornando-se responsável pela desordem quando interferia drasticamente no meio, empenhava-se por assegurar a harmonia natural temendo à revolta da natureza.

Acerca da natureza na tradição chinesa, Gentelle (1993) ressalta não haver distinção em relação à ideia de sociedade. Trata-se da noção de cosmos, uma unidade marcada pela alternância de fenômenos, em que a natureza é espontânea e desprovida de um criador. Essa alternância compreende a noção de fluxo e ciclo, e envolve a ideia de movimento ao invés de mera repetição de eventos. Assim, na natureza chinesa todos os fenômenos estão inscritos nessa alternância, correlacionados entre si, tais como o dia e a noite, as estações do ano etc. Além disso, essa alternância também reconhece haver uma transição entre os estágios extremos que delimitam tais fenômenos, estabelecendo uma noção de natureza que compreende ciclos infinitos e imutáveis e que são favoráveis ao homem.

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Tamanha é a inscrição do homem na natureza da tradição chinesa que a vida humana somente se torna plena quando estabelece uma relação de respeito ao mundo natural. Conforme observa Gentelle (1993), nessa tradição, a base da civilização chinesa é a compreensão da natureza enquanto processo contínuo, uma perspectiva metafísica que não exclui seu caráter utilitário para o atendimento das necessidades humanas. Há, portanto, na cultura chinesa, uma natureza polissêmica que abriga as intervenções humanas, mas que ressalta que é da qualidade desse uso que depende o funcionamento do cosmos, sendo, portanto, a sociedade responsável direta por suas interferências. Dessa forma, as catástrofes naturais são, na tradição chinesa, concebidas com sinal de quebra de harmonia entre homem e natureza.

Essa antiga tradição chinesa mostra-se ainda influente a partir da ecologia do taoísmo que orienta um agir sobre a natureza em consonância com suas leis, considerando-a como causa de todo o ordenamento da vida. Conforme afirma o autor, trata-se de uma natureza disposta à assegurar a prosperidade do homem, sob a condição de respeito aos seus ciclos. Além disso, no taoísmo chinês também emerge um sentido comunitário da natureza que justifica sua preservação. Gentelle (1993) adverte que essas tradições persistem na China, ainda que de forma limitada, articulando religião e ecologia a partir do reconhecimento da natureza como fonte de recursos cujo equilíbrio pressupõe uma relação harmoniosa.

No contexto da tradição cultural islã, Meddeb (1993) reconhece não existir uma noção de natureza explícita no Alcorão, sendo esta percebida como tudo aquilo que fora concebido divinamente para a satisfação do homem. Dessa forma, a Criação Divina oferece o mundo natural e todos os seus fenômenos opostos (dia e noite, luz e trevas etc) para constituir a morada humana. Nesta percepção sagrada da natureza no Alcorão, em que o homem desponta como criatura suprema, é a água que assume lugar de destaque. E como expoente da criação, a água torna-se o elemento natural central na cultura islâmica, em torno da qual se inscreveram profundas questões de poder. Além do seu valor intrinsicamente naturalista e vitalista, a água assume ainda um forte valor moral no Islã, pois é através dela que se efetua a purificação das pessoas antes do contato direto com o Livro Sagrado.

No Alcorão, a natureza é também valorizada a partir do significado especial atribuído aos jardins, um paraíso terrestre que antecede o paraíso divino, no qual a sombra, a água e as árvores são celebrados. Através dos jardins o homem reproduz a Criação Divina aproximando-se da natureza essência rousseauneana (e também da natureza como tecnologia de subjetivação), uma vez que a “[...] concentração das maravilhas da natureza, num espaço fechado e ordenado, ajuda o iniciado a encontrar matéria para a elaboração dos seus

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exercícios espirituais.” (MEDDEB, 1993, p.83). Portanto, na contemplação dos jardins torna- se possível acessar a epifania da Criação, a partir da percepção dos movimentos naturais.

Convém ressaltar que o Alcorão não estabelece apenas o direito de usufruto da natureza. Nele, esse direito está associado ao sentido de dever e compromisso com a Criação e que se traduz em um senso de governo em favor da natureza. Conforme Meddeb (1993), trata-se de reconhecer uma vinculação moral do homem à Criação Divina que orienta sua interferência no mundo natural, muito embora a natureza assuma um caráter metafísico, destituída de autonomia, criada para servir ao homem. Portanto, essa natureza essencial à vida humana é simultaneamente sagrada e utilitária. Nesse sentido, os cataclismos não são observados apenas como fenômenos naturais, mas, sobretudo, percebidos como consequências do desregramento da ação humana no cuidado com a natureza.

Na antiga tradição hindu3 a oposição natureza e cultura não se manifesta tal qual ocorre nas sociedades ocidentais, conforme revela Galey (1993). A noção de casta, basilar nestas sociedades, aplica-se não somente ao contexto social, mas se estende a todo o domínio da natureza, envolvendo tanto a vida vegetal, animal e humana. Na verdade, a denominação das castas sociais resulta da hierarquização do mundo natural, e, segundo o autor, os nomes e apelidos das castas superiores estão relacionados aos animais e metais mais prestigiados, enquanto as inferiores adotam nomes de minerais e das cores escuras. Apesar dessa hierarquização, o autor ressalta que o hinduísmo parece superar a distinção entre natureza e cultura ao considerar indistintamente a existência da fauna, da flora e das realizações humanas, enquanto processo de alternância e simultaneidade entre sujeito e objeto. Assim, são ambos decorrentes da retração e da expansão que perpassam os fluxos do universo interligando os homens à natureza.

Na índia, observamos que a relação homem e natureza mostra-se bastante complexa, uma vez que não se trata de uma concepção de oposição entre estes. Para Galey (1993), dada a sua particularidade, nem a perspectiva totêmica (tomar espécies naturais para empreender uma reordenação social), nem o animismo (dotar a natureza de valores e atitudes antropocêntricas) se mostram pertinentes à sua compreensão. Dessa forma, adverte que o movimento Chipko4, em que mulheres abraçavam árvores para reivindicar proteção às

3 Referimo-nos aqui às atitudes sobre o meio ambiente, considerando, conforme Selin e Kalland (2003), que havia uma visão religiosa de mundo que integrava sociedades humanas e natureza em uma mesma ordem cosmológica, denominada de “Thou”, semelhante às perspectivas da China antiga e dos povos aborígenes. De forma geral, considerava que todas as entidades do mundo manifestavam a presença divina. Conforme os autores, essa perspectiva eco teológica Hindu é pouco evidente no contexto atual da Índia.

4 Trata-se de um movimento de resistência pacífica criado em 1973 para combater a devastação das florestas do Himalaia, cuja estratégia de seus participantes residia em, juntos, abraçarem árvores para impedir sua

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florestas e à vida selvagem do Himalaia, e que ficou bastante conhecido nos anos 1980, não deve ser compreendido como a expressão de surgimento de uma perspectiva ecológica recente. Ao invés disso, o que emerge e ganha visibilidade é própria tradição hindu, em sua particularidade de orientação da existência, da integração entre cultura e natureza.

As tradições apresentadas anteriormente são reveladoras de relações “harmoniosas” entre homem e natureza que orientaram as culturas de diversos povos antigos. Nelas, observamos que as percepções cosmológica, religiosa ou mesmo utilitária da natureza, nos contextos socioculturais estabelecidos, reivindicavam algum tipo de cuidado e responsabilidade no envolvimento e na interferência do homem no mundo natural. Nesse contexto, as sociedades ocidentais modernas são, de forma geral, assinaladas como aquelas em que essa responsabilidade com o mundo natural (a natureza primordial heideggeriana) fora negligenciada em decorrência do privilégio por uma natureza utilitária (objetiva e produtiva), exclusivamente destinada à exploração humana, plenamente destituída de subjetividade - reivindicação crucial na filosofia ambiental de Guattari (1990).

Assim, considerando a natureza como uma construção cultural relevante à orientação das relações sociais e da produção material de uma sociedade (GONÇALVES, 2006), observamos que o binômio capitalismo/industrialismo traduz uma compreensão cultural de natureza (valores, crenças e atitudes) que resulta e legitima, apesar das contestações dos movimentos ambientalistas, profundas transformações no ambiente. Conforme Bourg (1993), a expansão dessa perspectiva ocidental de natureza empreendeu profundas alterações em sociedades cujas tradições comportavam uma maior integração entre homem e o meio. Embora nossa discussão acerca da causa estrutural da degradação do ambiente nas sociedades industriais modernas seja realizada na seção seguinte, observaremos, a seguir, que a ocidentalização do mundo é assinalada por diversos autores como responsável pelo abandono dessas tradições ambientais.

Pons, P. (1993) observa que o sentimento da natureza na tradição cultural japonesa não impediu sua intensa degradação frente ao crescimento econômico do país assistido na década de 1960 e que privilegiou uma ocupação do território japonês marcada pelo desequilíbrio ecológico e pela poluição, sobretudo das áreas costeiras. Conforme o autor, a natureza ainda assume posição relevante no imaginário japonês, mas sua cultura é atualmente ambígua no que diz respeito à relação a ser estabelecida com o meio ambiente. Enquanto o

derrubada. Contudo, esta estratégia não deve ser tomada como reflexo do ambientalismo moderno ocidental, uma vez que remonta ao século XVIII, quando mulheres de uma comunidade tribal situada em Rajasthan, na Índia, foram cortadas juntamente com as árvores que abraçavam no sentido de impedir sua derrubada. Contudo, foi o movimento recente que ganhou visibilidade internacional. Ver mais em Selin e Kalland (2003).

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plano cultural manifesta esse apego estético a uma natureza representada por elementos selecionados do ambiente natural, elaborada em imagens abstratas e subjetivas que cristalizam um conjunto de convenções, o cotidiano é marcado por uma relação extremamente predatória. Assim, há uma coexistência de uma natureza harmoniosa tradicional, agora confinada no plano cultural, com uma natureza objetiva, de ordem prática e disponível enquanto recurso, em que se consolida uma intensa degradação.

Trata-se, de acordo com Pons, P. (1993), de um apego seletivo ao mundo natural que decorre de um contexto marcado pela intensa adoção de tecnologias ocidentais de produção e que implica privilégio pela defesa de uma natureza culturalmente construída em detrimento da proteção da natureza ecológica, de existência material. Esse avanço da degradação do ambiente que emana da expansão do capitalismo no Japão é ofuscado pela celebração de uma natureza harmoniosa, aliada à noção de que o sacrifício do mundo natural é indispensável para assegurar a permanência da espécie humana. Dessa forma, segundo o autor, a cultura japonesa manifesta uma “consciência vacilante” face à destruição da natureza. Embora essa destruição assuma um sentido de fatalidade para as vítimas diretas da degradação ambiental, ela é encarada com apatia pela população em geral. Por um lado a fatalidade decorre do conflito direto entre a tradição e a percepção da violação do equilíbrio do ambiente, por outro, a apatia está relacionada à dependência da sociedade em relação aos próprios empreendedores da destruição do ambiente, os geradores de emprego e riquezas para a prosperidade da nação japonesa. Apesar disso, foi nesse contexto que emergiu a consciência ecológica japonesa face à industrialização do país, alicerçada em uma herança de resistências camponesas e com forte apelo moral.

Em relação ao abandono da natureza que vigorava na tradição africana, é importante