• Nenhum resultado encontrado

Da natureza da animação à animação da natureza: discursos ambientais nas “Enviro-toons” brasileiras veiculadas nos festivais Fica, Festcineamazônia e Filmambiente

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Da natureza da animação à animação da natureza: discursos ambientais nas “Enviro-toons” brasileiras veiculadas nos festivais Fica, Festcineamazônia e Filmambiente"

Copied!
330
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

Jean Fábio Borba Cerqueira

DA NATUREZA DA ANIMAÇÃO À ANIMAÇÃO DA NATUREZA:

DISCURSOS AMBIENTAIS EM “ENVIRO-TOONS” BRASILEIRAS

VEICULADAS NOS FESTIVAIS FICA, FESTCINEAMAZÔNIA E

FILMAMBIENTE

Recife 2016

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

DA NATUREZA DA ANIMAÇÃO À ANIMAÇÃO DA NATUREZA:

DISCURSOS AMBIENTAIS EM “ENVIRO-TOONS” BRASILEIRAS

VEICULADAS NOS FESTIVAIS FICA, FESTCINEAMAZÔNIA E

FILMAMBIENTE

JEAN FÁBIO BORBA CERQUEIRA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade Federal de Pernambuco, para obtenção do título de Doutor em Comunicação, sob a orientação da Profa. Dra. Profa. Dra. Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes.

Recife 2016

(3)

Catalogação na fonte

Bibliotecário Jonas Lucas Vieira, CRB4-1204

C416d Cerqueira, Jean Fábio Borba

Da natureza da animação à animação da natureza: discursos ambientais nas “Enviro-toons” brasileiras veiculadas nos festivais Fica, Festcineamazônia e Filmambiente / Jean Fábio Borba Cerqueira. – 2016.

329 f.: il., fig.

Orientadora: Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Artes e Comunicação. Comunicação, 2016.

Inclui referências e apêndices.

1. Comunicação de massa. 2. Festivais de cinema. 3. Meio ambiente. 4. Análise do discurso. 5. Análise de conteúdo (Comunicação). I. Gomes, Isaltina Maria de Azevedo Mello (Orientadora). II. Título.

302.23 CDD (22.ed.) UFPE (CAC 2016-165)

(4)

JEAN FÁBIO BORBA CERQUEIRA

TÍTULO DO TRABALHO: DA NATUREZA DA ANIMAÇÃO À ANIMAÇÃO DA

NATUREZA: DISCURSOS AMBIENTAIS EM “ENVIRO-TOONS” BRASILEIRAS

VEICULADAS NOS FESTIVAIS FICA, FESTCINEAMAZÔNIA E FILMAMBIENTE.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade Federal de Pernambuco, para obtenção do título de Doutor em Comunicação, sob a orientação da Profa. Dra. Isaltina Maria de Azevedo Mello Gomes.

Aprovada em: 07/04/2016

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________

Profa. Dra. Isaltina Gomes (Orientadora) Universidade Federal de Pernambuco

_______________________________________________________

Prof. Dr. Jeder Janotti Jr.

Universidade Federal de Pernambuco

_______________________________________________________

Prof. Dr. Rodrigo Carreiro

Universidade Federal de Pernambuco

_______________________________________________________

Profa. Dra. Sonia Aguiar Lopes Universidade Federal de Sergipe

_______________________________________________________ Prof. Dr. Diego Andres Salcedo

(5)

Este trabalho é dedicado aos grandes amores da minha vida: Sonia, Sofia, Lúcia, Cau e Normando, meu saudoso pai.

(6)

AGRADECIMENTOS

Mesmo correndo o risco de esquecimento, gostaria de registrar minha gratidão àqueles que manifestaram estímulo, confiança e apoio ao longo dessa caminhada.

À professora Isaltina pela confiança, generosidade, paciência e cuidado na orientação desta tese, e por me inserir em um grupo de jovens pesquisadores que ainda acreditam na produção de um conhecimento científico indispensável à minimização das desigualdades, sobretudo das injustiças ambientais. Foram valiosas e encorajadoras as provocações e questionamentos tão marcantes em nossas reuniões!

À professora Anabela Carvalho pela determinação e empenho tão marcantes em suas investigações no campo da comunicação ambiental, sou grato pela valiosa acolhida na UMinho. Aos professores do PPGCOM pelas importantes contribuições acadêmicas e pela dedicação e cooperação manifestadas, mesmos após encerrado o convício durante as disciplinas.

Aos colegas de disciplinas com os quais compartilhei momentos de dúvidas e descobertas, especialmente Karolina Calado, Luis Celestino, Natalia Flores e Robério Coutinho, os quais “misteriosamente” se tornaram amigos para toda uma vida.

À secretaria do PPGCOM, Cláudia, Roberta e Zé, sempre atenciosos e prestativos com as minhas demandas – sem vocês os ritos burocráticos me atropelariam.

À CAPES cuja bolsa de pesquisa permitiu a realização do estágio doutoral no exterior. À PROPESQ por todo o empenho em viabilizar a implementação da bolsa.

À minha família, pela paciência, incentivo e confiança, sobretudo pela compreensão diante da ausência que tantas vezes se fez necessária. Minha pequena Sofia, que mesmo tão jovem participou dessa jornada, embarcando em meus planos sem qualquer chance de recusa – as animações nos aproximaram ainda mais. Lúcia, minha mãe, sempre tão perto de mim mesmo quando estávamos separados por milhares de quilômetros de distância. Meu irmão Cláudio, pelas calorosas discussões políticas – foram pausas forçadas, mas valiosas!

A Sonia Cristina, minha amiga, esposa e parceira! Sem o seu amor, atenção, incentivo e compreensão essa tese seria um desafio ainda maior. Obrigado por toda a paciência nos momentos de maior tensão e ... por me resgatar da informática!

À professora Sônia Aguiar pela generosidade com que compartilha suas experiências e conhecimento. Pela coragem que orienta sua luta por uma universidade mais justa e atuante. E por me apresentar o fascinante campo da Comunicação Ambiental.

A Suzana Amado, criadora e diretora do festival Filmambiente, pela disponibilidade em colaborar com a pesquisa.

Aos amigos de longa data: Janisson, Abelardo, Guilherme, Cissa, Meire, Lucas, Bia, Ana, Iris, Marcão, Carlos, Lino e João Dantas. Não são muitos, mas são os que mereço!

Ao professor Milton Menezes por me apresentar ao mundo acadêmico!

(7)

“Não existe mais algo como a natureza – esse outro mundo que não é negócio, arte ou desjejum, agora não é mais outro mundo, e nada mais resta além de nós.”

(8)

RESUMO

Neste trabalho analisamos as representações dos discursos ambientais em animações brasileiras veiculadas em três dos mais relevantes festivais internacionais realizados no país e com foco no audiovisual ambiental: Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), Festival Latino Americano de Cinema Ambiental (FestCineAmazônia) e Festival Internacional do Audiovisual Ambiental (Filmambiente). Considerando que no cinema de animação as questões ambientais ganharam maior atenção a partir do final do anos 1990, quando essa temática passou a ser representada de forma mais intensa em produções comerciais hollywoodianas, e com mais vigor na vertente autoral e independente, entendemos que a animação comporta, no seu conjunto, uma diversidade de discursos e de problemáticas ambientais, compondo filmes que representam as relações entre homem e natureza, cujas abordagens mais críticas foram convencionalmente chamadas de enviro-toons. Contudo, diante da polissemia do termo natureza, da complexidade e multidimensionalidade das questões ambientais e da diversidade de discursos acerca do ambiente, sustentamos a tese de que predomina nas animações uma representação significativa dos discursos orientada para a perspectiva hegemônica do meio ambiente, antropocêntrica e reformista, de acomodação ao capitalismo industrial globalizado. A análise das 40 animações do corpus, veiculadas nas edições dos festivais realizadas no período compreendido entre 1999 a 2014, reforça a hipótese aqui defendida. Pois apesar de revelar a emergência de uma animação ambiental brasileira caracterizada por uma diversidade técnica, estética, temática e autoral, torna evidente que as representações dos discursos ambientais valorizam histórias em que as relações homem/ambiente são desenvolvidas sem problematizações consistentes. Sendo predominantemente limitadas a responsabilizar o indivíduo, sem atribuir maiores responsabilidades à estrutura social. Por outro lado, observamos que as limitações discursivas observadas nesse corpus revelam a animação ambiental brasileira em sua capacidade de refratar e refletir as contradições e disputas que caracterizam o debate ambiental no contexto nacional. Fundamentalmente, a pesquisa adotou como suporte teórico os estudos de Rousseau, Descartes e Heidegger sobre a natureza, ambos no campo da filosofia, de Goldblatt, Dunlap e Hannigan sobre as causas estruturais da problemática ambiental, ambos no campo da sociologia ambiental, de Corbett, Hansen e Cox acerca das singularidades da comunicação ambiental, dos trabalhos de Ingram, MacDonald e Ivakhiv sobre o cinema ambiental, os estudos de Murray e Heumann, Starosielski, Whitley e Wells sobre a animação e o meio ambiente, além dos estudos de Dryzek e Corbett sobre os discursos ambientais, e de Fairclough e Maingueneau, acerca da constituição, circulação, poder e ideologia nos discursos.

Palavras-chave: Comunicação Ambiental. Animação Ambiental. Enviro-toons. Discurso

(9)

ABSTRACT

This study analyzes the representations of environmental discourses of Brazilian animations broadcasted in three important international festivals of environmental audiovisual films held in Brazil: Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), Festival Latino

Americano de Cinema Ambiental (FestCineAmazônia) and Festival Internacional do Audiovisual Ambiental (Filmambiente). Considering that environmental issues have gained

greater attention on animated cinema. From the late 1990s, when this issue started to be represented more often in Hollywood commercial productions, and strongly by independent audiovisual productions, we understand that animation movies have a diversity of discourses and environmental issues, making films that represent and question the relationship between man and nature, whose most critical approaches have been conventionally called enviro-toons. However, given the polysemy of the term nature, as well as the complexity and multidimensionality of environmental issues and the diversity of speeches about the environment, we maintain the hypothesis that the predominant representation of the discourses of animations have hegemonic, anthropocentric and environmental reformist perspectives that tend to accommodation to globalized industrial capitalism. The analysis of a corpus of 40 animations broadcasted in the editions of the festivals held in the period 1999-2014 reinforces our hypothesis. Despite revealing the emergence of a Brazilian environmental animation characterized by a technical, aesthetic, thematic and authorial diversity, the analysis makes it clear that their representations of environmental discourses value stories in which the man/environment relationships are developed without consistent problematizations. The discourses are predominantly limited to blame the individual, without giving more responsibility to the social structure. On the other hand, we observed that the discursive limitations observed in this corpus reveal the Brazilian environmental animation in its ability to refract and reflect the contradictions and disputes that characterize the environmental debate in the wider context, the green public sphere. Fundamentally, we adopted as theoretical support studies about the nature of Rousseau, Descartes and Heidegger, both in the field of philosophy, Goldblatt, Dunlap and Hannigan about the structural causes of environmental problems, both in the field of environmental sociology, Corbett, Hansen and Cox about the singularities of environmental communication, of Ingram works, MacDonald and Ivakhiv about environmental cinema, of Murray and Heumann, Starosielski, Whitley and Wells about animation and environment, in addition to the Dryzek and Corbett studies about environmental discourses, and Fairclough and Maingueneau about the circulation, power and ideology in discourses.

Keywords: Environmental Communication. Environmental animation. Enviro-toons.

(10)

LISTA DE QUADROS E TABELAS

TABELA 01: Alinhamento dos discursos ambientais Dryzek (2004) e Corbett (2006) ... 142 TABELA 02: Fases da Animação Ambiental: caracterização de 1960 a 2006 ... 167 TABELA 03: Ano de realização, animações, festival contemplado e

total por ano (1999-2014) ... 191

TABELA 04: Padrões de histórias ambientais nas enviro-toons ... 206 TABELA 05: Temas ambientais, enquadramentos, animações, contextos, modo de

problematização e resolução das histórias em que predomina a natureza como adversidade ao homem ... 208

TABELA 06: Temas ambientais, enquadramentos, animações, contextos, modo de

problematização e resolução das histórias sobre denúncia de abuso na exploração/intervenção do mundo natural ... 209

TABELA 07: Temas ambientais, enquadramentos, animações, contextos, modo de

problematização e resolução das histórias que enfatizam a necessidade de controle da

intervenção humana no mundo natural (valorização da interdependência) ... 218

TABELA 08: Temas ambientais, enquadramentos, animações, contextos, modo de

problematização e resolução das histórias que valorizam a necessidade de controle da

intervenção humana no mundo natural para assegurar exclusivamente a sobrevivência humana ... 221

TABELA 09: Temas ambientais, enquadramentos, animações, contextos, modo de

problematização e resolução das histórias que enfatizam a necessidade de conquista do mundo natural para atender necessidades humanas ... 224

TABELA 10: Temas ambientais, enquadramentos, animações, contextos, modo de

problematização e resolução das histórias que enfatizam a valorização do mundo natural

... 225

TABELA 11: Temas ambientais, enquadramentos, animações, contextos, modo de

problematização e resolução das histórias que apresentam a natureza como fenômeno ... 227

TABELA 12: Questões ambientais, impactos, responsabilização e soluções propostas em

animações filiadas ao discurso da Consciência Verde ... 240

TABELA 13: Questões ambientais, impactos, responsabilização e soluções propostas em

animações filiadas ao discurso das Políticas Verdes ... 248

TABELA 14: Questões ambientais, impactos, responsabilização e soluções propostas em

animações filiadas ao discurso prometeico ... 252

TABELA 15: Questões ambientais, impactos, responsabilização e soluções propostas em

animações filiadas ao discurso da sobrevivência ... 257

(11)

animações filiadas ao Pragmatismo Democrático ... 265

TABELA 17: Questões ambientais, impactos, responsabilização e soluções propostas em

animações filiadas ao Racionalismo Administrativo ... 267

TABELA 18: Questões ambientais, impactos, responsabilização e soluções propostas em

animações filiadas ao Racionalismo Administrativo/Pragmatismo Democrático ... 268

TABELA 19: Questões ambientais, impactos, responsabilização e soluções propostas em

animações filiadas à Modernização Ecológica ... 270

TABELA 20: Animações “não ambientais” veiculadas nos festivais contemplados

(12)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

Justificativa da escolha do objeto de estudo ... 18

Entendendo as escolhas metodológicas ... 19

A estrutura da tese ... 30

1. BASESPARAUMACOMPREENSÃODANATUREZAEDADEGRADAÇÃODO AMBIENTE... 32

1.1. Da natureza essencial ao desafio da “habitação poética” do planeta ... 32

1.2. Concepções tradicionais de natureza ... 44

1.3. Causas da degradação do ambiente nas sociedades modernas: considerações a partir da sociologia ambiental ... 57

2. COMUNICAÇÃO AMBIENTAL E DISCURSOS SOBRE A NATUREZA ... 79

2.1. Comunicação Ambiental: considerações sobre o campo e a prática ... 79

2.2. Jornalismo Ambiental ... 93

2.3. Comunicação Ambiental na publicidade ... 104

2.4. O meio ambiente no audiovisual: notas sobre o caso do cinema ... 108

2.5. Discursos sobre o meio ambiente: uma configuração tipológica ... 130

3. COMUNICAÇÃO AMBIENTAL NO CASO PARTICULAR DO CINEMA DE ANIMAÇÃO ... 145

3.1. Cinema de Animação: desdobramentos de um produto audiovisual ... 145

3.2. Animação, meio ambiente e antropomorfismo ... 156

3.3. Enviro-toons: o meio ambiente na animação ... 163

4. REPRESENTAÇÕES DOS DISCURSOS AMBIENTAIS EM ENVIRO-TOONS BRASILEIRAS ... 190

4.1. Um quadro explicativo acerca do corpus ... 190

4.1.1. Aspectos autorais, técnicos e estéticos das enviro-toons ... 191

4.1.2. Aspectos narrativos das enviro-toons ... 198

4.1.3. Elementos discursivos do corpus ... 228

4.2. Discursos Ambientais nas enviro-toons ... 234

(13)

4.2.2. Discursos de reconhecimento ou negação de limites ambientais ... 249

4.2.3. Discursos voltados para a solução de problemas ambientais ... 258

4.2.4. Discursos da Sustentabilidade ... 269

4.2.5. Discursos ambientais não relacionados às “políticas da Terra” ... 270

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 280

REFERÊNCIAS ... 289

(14)

14

14

INTRODUÇÃO

Contradições e disputas marcam o debate do meio ambiente. Na busca por legitimidade, os discursos ambientais são proferidos nos diversos meios de comunicação, influenciando percepções e atitudes acerca do meio ambiente. Com intensa produção midiática e considerável quantitativo de ações comunicativas, os discursos ambientais vêm ganhando espaço, cada vez mais, nas mídias visuais. Nesse contexto, observa-se também um crescente número de estudos voltados para as representações da natureza na TV, no cinema, nos quadrinhos etc. Entretanto, prevalece o interesse pelo cinema de ação ao vivo, a exemplo de publicações como Green Screen: Environmentalism and Hollywood Cinema, de David Ingram, cuja primeira edição data do ano de 2000 e Hollywood Utopia, lançada em 2005, por Pat Brereton.

Apesar de sua consolidação no contexto da produção audiovisual, considerando-se seu sucesso comercial nas bilheterias mundiais, e da crescente internalização de temas ambientais em várias dessas produções marcadas pelo grande alcance de público, o cinema de animação ainda tem despertado pouco interesse como objeto de estudo, sobretudo, no que diz respeito a suas contribuições para o debate sobre o meio ambiente. Dados apresentados por Yong, Fam e Lum (2011) são reveladores acerca do desempenho de bilheteria de algumas das principais animações comerciais com temáticas ambientais: Happy Feet, de 2006, lançado pela Warner Bros. Pictures, arrecadou mais de U$ 370 Mi; A Era do gelo 2: O Degelo, desse mesmo ano, lançada pela Blue Sky Studios, superou os U$ 620 Mi; Bee Movie: A história de uma Abelha, de 2007, lançado pela Dreamworks Animation teve arrecadação superior a U$ 280 Mi; Os

Simpsons: O Filme, lançado em 2007 pela Twentieth Century Fox, superou as cifras de

U$ 525 Mi; Avatar, de 2009, também da Fox, estabeleceu o recorde na indústria do audiovisual, aproximando-se de U$ 3 Bi; Rio, lançado em 2011 pela Blue Sky Studios, arrecadou mais de U$ 470 Mi. Contudo, mesmo diante desse contexto, relega-se a relevância e amplitude da animação como expressão audiovisual, e, consequentemente, no contexto das práticas discursivas sobre o ambiente.

No que diz respeito à animação brasileira essa realidade também se configura. Há falta de investigações sistemáticas sobre filmes animados nacionais e, em particular, sobre aqueles cujo foco é a comunicação ambiental. Convém ressaltar que, no país, ainda é marcante o descompasso entre o ritmo de expansão da produção de animações e sua contemplação no

(15)

15

15

contexto de investigação acadêmica1, sobretudo se considerarmos avanços significativos tais como: a consagração do AnimaMundi como um dos mais respeitados festivais de animação do mundo; a inserção e o reconhecimento do animador brasileiro Carlos Saldanha pela indústria da animação norte americana, assumindo a direção do longa metragem Rio, na Blue Sky Studios; o sucesso internacional de séries animadas brasileiras como Peixonauta e Meu

Amigãozão; a consolidação de diversos festivais de audiovisual com forte inserção de

animações autorias e independentes, a exemplo dos três selecionados para o corpus desta pesquisa, o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), O Festival Latino Americano de Cinema Ambiental (FestCineAmazônia) e o Festival Internacional do Audiovisual Ambiental (Filmambiente); a instituição do Programa de Fomento à Produção e Teledifusão de Séries de Animação Brasileiras (AnimaTV), um programa do Ministério da Cultura, lançado em 2004, empenhado em estimular e difundir à produção de séries animadas brasileiras; e mais recentemente, o reconhecimento mundial do longa metragem O Menino e o

Mundo, dirigido por Alê Abreu, obra premiada como melhor filme estrangeiro no Annie Awards 2016, considerado o “Oscar da Animação” e selecionada para concorrer ao Oscar de

melhor animação em longa metragem.

Por outro lado, observa-se que as questões ambientais assumiram uma visibilidade maior no cinema de animação, compondo produções que representam de forma crítica as relações entre homem e natureza, convencionalmente chamadas de enviro-toons que, no seu conjunto, comportam uma diversidade de discursos e de problemáticas ambientais. Conforme Starosielski (2011), ao contrário de perspectivas que ignoram o potencial do cinema animado para além do entretenimento, é preciso reconhecer que as especificidades estéticas e narrativas da animação mostram-se capazes de acomodar diferentes estratégias discursivas, seja para manutenção de práticas socioambientais hegemônicas, seja para sua contestação.

Portanto, inserido no campo da comunicação ambiental, e, mais precisamente na área que Cox (2010) denomina de Estudos da Mídia Ambiental, este trabalho assume como problema de pesquisa o seguinte questionamento: como o cinema de animação brasileiro representa o ambiente e sua problemática, sobretudo no contexto das produções veiculadas nos festivais FICA, FestCineAmazônia e Filmambiente, fóruns relevantes à circulação e às disputas entre os mais diversos discursos ambientais que orientam nossas ações e percepções

1 De forma geral, essa riqueza no campo da prática ainda se mostra tímida quando traduzida para o campo de investigação, e, apesar da emergência de estudos pontuais, sobretudo artigos publicados em congressos, são raras as obras de maior amplitude, com destaque para o estudo de Antonio Moreno, publicado em 1978 e que oferece um panorama histórico da animação brasileira (inclusive com menção a obras com temas ambientais) e para a obra de Sérgio Nesteriuk, dedicada à dramaturgia de série de animação. Ver mais em Moreno (1978), Nesteriuk (2011).

(16)

16

16

acerca do ambiente? Assume-se, portanto, como objetivo geral, analisar as representações dos discursos ambientais no cinema de animação nacional, nomeadamente nas produções em curta metragem de caráter independente e autoral, de forma a compreender as relações de sentido estabelecidas sobre a natureza e sua problemática. Quanto aos objetivos específicos, pretendemos: 1) Identificar e caracterizar as animações brasileiras veiculadas nos festivais contemplados pela pesquisa, levando-se em consideração: (i) aspectos autorais; (ii) aspectos técnicos; (iii) aspectos da inserção nos festivais; (iv) aspectos da narrativa ambiental; (v) elementos discursivos; 2) Analisar os discursos ambientais a partir de suas estratégias de representação e significação do ambiente e de suas problemáticas nas animações contempladas; 3) Analisar a filiação dos discursos ambientais representados nas animações a partir das tipologias teóricas que categorizam os paradigmas dominantes e insurgentes.

De forma geral, a tese aqui proposta reconhece que é na vertente autoral e independente da animação, dada à sua liberdade e autonomia criativa, que as questões ambientais encontram um contexto mais favorável à representação de perspectivas com teor contestatório, constituindo, dessa forma, uma oposição àquelas de caráter reformistas no que concerne às problemáticas relacionadas ao meio ambiente. Assim, diferentemente das produções do cinema de animação hegemônico, essa vertente animada estaria desvinculada da lógica comercial em que a temática ambiental se traduz enquanto estratégia de sucesso de público, sobretudo quando tais produções estão fortemente relacionadas à comercialização de produtos licenciados, comprometidas e dependentes em relação ao consumo, um dos principais aspectos contestados pelos movimentos ambientalistas. Dessa forma, destituída destes constrangimentos, consideramos que a animação autoral e independente desponta com maior potencialidade crítica, seja para a reconhecimento dos atores sociais em suas responsabilidades ambientais, seja na compreensão da dimensão e dos impactos das mais diversas problemáticas ai inseridas, e até mesmo na propositura de enfrentamento.

Nesse sentido, este estudo se apoia na convergência das abordagens de discurso ambiental estabelecidas por Dryzek (2004) e Corbett (2006), em que esse discurso é compreendido como uma visão de mundo, compartilhada entre indivíduos, que orienta significados, percepções e atitudes sobre o mundo natural e sobre as diversas questões relacionadas. Assim, entendemos, conforme Cox (2010), que é a comunicação ambiental midiática uma relevante arena de produção, circulação e consumo de uma diversidade de mensagens sobre o meio ambiente, sobretudo de forma a legitimar apropriações do mundo natural alinhadas aos interesses dos mais diversos atores sociais (políticos, corporações, grupos ambientalistas, cientistas, dentre outros).

(17)

17

17

Ao tratar dos discursos ambientais, Dryzek (2004) considera que: (i) cada discurso ambiental reconhece o mundo a partir de entidades específicas, pois enquanto alguns identificam o mundo natural a partir de ecossistemas, outros apenas o consideram como um conjunto de recursos a ser explorado; (ii) os discursos ambientais também estabelecem quais relações entre as entidades naturais e sociais são tidas como “naturais”, sejam elas entre o homem e o meio ambiente, dos homens entre si, ou entre as entidades do mundo natural. Dessa forma, considera que essas relações podem estabelecer e legitimar hierarquias diversas, seja entre gêneros, espécies ou mesmo no âmbito do poder político. Por exemplo, entre os diferentes discursos, a natureza ou a sociedade podem ser reconhecidas a partir da cooperação ou da competição pela sobrevivência, por recursos etc. (iii) as histórias estabelecidas pelos discursos ambientais também consideram os atores ou agentes, sejam eles seres humanos ou suas instituições, sejam a natureza e suas entidades. E os atores sociais estão sempre relacionados a suas motivações e interesses em relação ao meio ambiente; (iv) finalmente, os discursos ambientais se apoiam em metáforas para buscar legitimidade e aceitação na arena ambiental (planeta terra como “espaçonave”, “natureza como uma máquina destinada ao homem”, “natureza como organismo vivo”, “natureza como fonte de bondade”, “natureza dotada de inteligência”). São, conforme o autor, dispositivos retóricos, uma vez que almejam a persuasão, juntamente com as mais diversas estratégias de apelo, a exemplo do apelo à sensibilização sobre os direitos dos animais, à crítica à sociedade industrial, à valorização do modo pastoral (natureza bucólica e romântica), à valorização de histórias apocalípticas, à vilanização de determinados atores sociais em detrimento da celebração de outros (povos nativos x sociedade moderna). Para ele, isso resulta em quatro elementos estruturantes das histórias sobre o ambiente: as entidades naturais e sociais reconhecidas ou construídas pelos

discursos (árvores, animais, água, solos, rios, cidades, camada de ozônio, clima, indústrias,

grupos sociais, indivíduos etc); as premissas sobre as relações estabelecidas entre essas

entidades (homem em competição com o mundo natural, natureza como um sistema de

cooperação, superioridade da espécie humana etc); os agentes sociais ou naturais e suas

motivações (atores sociais, entidades naturais); as metáforas e os dispositivos retóricos

(estratégias persuasivas).

Portanto, a animação, tratada aqui enquanto discurso, é compreendida como um produto cultural que ganha cada vez mais relevância, tornando-se proeminente, para os objetivos desta pesquisa, compreender o alinhamento de seus discursos ambientais com aqueles que perpassam as práticas sociais vigentes. Assim, reconhecendo que esses “textos animados” se vinculam a um determinado discurso ambiental, ou mesmo a um conjunto deles,

(18)

18

18

almejamos compreender quais discursos são legitimados e/ou contestados pelas animações ambientais que compõem o corpus desta pesquisa.

Justificativa da escolha do objeto de estudo

Delimitei o objeto de estudo a partir de um tema ainda muito carente de investigação no Brasil: a animação ambiental ou enviro-toons. A minha proximidade com essa temática decorreu da junção da minha experiência acadêmica na graduação em ciência da computação, na vida profissional, desenvolvendo filmes publicitários baseados em computação gráfica e animação, e dos anos de estudo no mestrado em “Sociedade, desenvolvimento e meio ambiente”, com ênfase na sustentabilidade e na agricultura familiar. Contudo, foi a participação como pesquisador no Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (LICA), no qual me encontro inserido, o principal catalizador desse interesse, quando estabeleci uma base teórica para trabalhar com comunicação ambiental, e, de forma mais específica, para pensar os discursos ambientais em filmes animados. Estes, comumente estigmatizados como filmes “para crianças”, acabam sendo relegados na sua importância enquanto discursos legitimadores de práticas e ideias, o que provoca uma infantilização do gênero e dos seus temas abordados.

No LICA, foi o interesse acerca da visibilidade de animações ambientais brasileiras na plataforma de vídeo Youtube que orientou nossas primeiras pesquisas, resultando, inclusive em algumas publicações científicas. Em seguida, contemplamos análises sobre a comunicação ambiental em produções específicas, a exemplo do longa metragem Rio e das séries Capitão Planeta e os Planetários, Natureza Sabe Tudo e Os Pinguins de Madagascar. Nessa a trajetória, a submissão de um projeto de pesquisa ao Programa de Pós-graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal de Pernambuco despontou como um dos principais desdobramentos da minha atuação junto ao LICA.

Contudo, no desenvolvimento do doutorado o desafio se revelou ainda maior. Embora o meio ambiente e suas problemáticas despertem interesse acadêmico e dos próprios meios de comunicação, ainda o seu estudo em filmes animados é praticamente incipiente, e isso vale também para os trabalhos publicados em língua inglesa. Portanto, considero que, ao longo dessa pesquisa, houve um esforço de um trabalho de quebra-cabeça para montar um pouco da história da animação ambiental, além, é claro, de contribuir para um debate acerca das representações da relação homem/natureza nos filmes de animação. Aliado a isso, convém enfatizar, acresce-se o fato de trazer um levantamento de tais animações a partir de

(19)

19

19

três importantes festivais internacionais de meio ambiente, tornando visível também uma reflexão sobre esses espaços que em si comportam instrumentos de fala.

Entendendo as escolhas metodológicas

A constituição do corpus de pesquisa sempre demanda um exercício complexo de familiaridade com o objeto de estudo, deflagrando um movimento constante de idas e vindas, de acertos e erros à procura de uma realidade que possa direcionar respostas para o problema de pesquisa levantado. De fato, requer uma maturação teórica e metodológica, algo que foi desenvolvido a partir das curiosidades e inquietações em torno do tema. Como o foco eram os filmes animados, restava então definir onde e como selecioná-los.

Delimitação do corpus de pesquisa

Optei em selecionar um locus que a priori expressasse um espaço significativo de vozes, e que pudesse ser pensado também como um canal não hegemônico, ou mesmo contra-hegemônico de comunicação ambiental. Outro aspecto que também considerava relevante para tal definição, era a questão da sua importância para o campo da animação ambiental. Diante dessas exigências, os festivais de audiovisual especializado nessa temática, de forma geral, se mostravam apropriados para atender ao debate do meio ambiente e ao direcionamento metodológico da pesquisa. No seu conjunto, revelam-se como instâncias importantes para a disputa em torno do meio ambiente, uma vez que aparecem como espaços privilegiados na circulação de discursos ambientais diversos. Assim, despontam como possibilidades de superação de assimetrias, como espaços de “empoderamento” de determinados atores sociais, outrora marginalizados na mídia mainstream.

Para a definição do corpus de pesquisa recorremos aos festivais FICA, FestCineAmazônia e Filmambiente, considerando que são estes os festivais de audiovisual brasileiros vinculados à Green Film Network (GFN)2, uma das mais relevantes redes

internacionais que congrega os principais festivais mundiais de audiovisual que assumem como tema central o meio ambiente e sua problemática. Buscamos contemplar toda a abrangência temporal destes festivais, tendo o ano de 1999 como ponto de partida, quando foi

2 Green Film Network (GFN) é uma rede que congrega os principais festivais de audiovisual que assumem como tema central o meio ambiente e sua problemática. A rede se empenha na circulação de tais produções ao redor do mundo, além de coordenar eventos e projetos relacionados ao meio ambiente. No Brasil, os três festivais associado à rede são contemplados nessa pesquisa. Ver mais em http://greenfilmnet.org

(20)

20

20

realizada a primeira edição do FICA, festival sediado na cidade de Goiás. Nesse sentido, procuramos, inicialmente, delimitar uma amostra de animações representativas de todas as edições dos festivais, portanto, do período compreendido entre os anos de 1999 e 2014, quando da finalização da coleta de dados. Além dessa amplitude temporal, também almejávamos definir um corpus constituído por todas as animações veiculadas nesses festivais. Para tanto, recorremos a uma pesquisa documental, em que os sites dos festivais3, assim como os relatórios de trabalho disponibilizados, foram tomados como fontes primárias para a identificação das animações exibidas, e também para uma compreensão acerca da circulação das mesmas (premiações, menção honrosa, mostras contempladas etc).

No caso do Filmambiente, o mais recente dos festivais, no próprio site oficial4 foi possível localizar informações sobre as obras selecionadas e premiadas em cada uma de suas edições, todas elas realizadas na cidade do Rio de Janeiro. Em relação ao FICA5, os relatórios de atividades disponibilizados não permitiram a identificação das obras selecionadas. Foi preciso recorrer a fontes secundárias, sobretudo sites de notícias em que foram publicadas notas e matérias a respeito do festival, uma vez que no site oficial do evento não identificamos a programação, nem mesmo relatórios, de todas as suas edições. Quanto ao FestCineAmazonia6, festival sediado na cidade de Porto Velho, a identificação da programação foi ainda mais problemática, uma vez que os relatórios de atividades não foram localizados no site oficial, mas na plataforma de compartilhamento de conteúdo ISSUU7, após consultas a partir do motor de busca do Google. Nesse caso, mesmo recorrendo a fontes secundárias, apenas foi possível identificar as obras selecionadas a partir de sua 5ª edição, ocorrida em 2007, exceto a edição de 2009, cujo relatório de atividades não estava disponível quando da coleta de dados. Em síntese, a cobertura temporal dessa primeira amostra abrangeu as 16 edições do FICA (1999 a 2014), as 4 edições do Filmambiente (2011-2014) e somente 7 das 12 edições do FestCineAmazonia (2007 a 2013), uma vez que a edição de 2014 fora realizada em novembro, portanto, após encerramento da coleta de dados da pesquisa.

3 Consideramos aqui não somente os websites oficiais, mas também os perfis e fanpages disponibilizadas em plataformas sociais como Facebook. Além disso, também privilegiamos contato via e-mail oficial dos festivais de forma a identificarmos como maior segurança os dados relativos às programações dos eventos em suas diversas edições, sobretudo com o intuito de obtermos cópias das animações. Contudo, apenas no caso do Filmambiente tivemos um feedback, que, nesse caso, sinalizava acerca das restrições de direitos de veiculação e distribuição das animações inscritas e selecionadas.

4 Ver www.filmambiente.com 5 Ver http://fica.art.br/

6 Ver www.cineamazonia.com e também em issuu.com/festcineamazonia

7 ISSU é uma plataforma de distribuição de conteúdo digital, nomeadamente publicações editoriais, acadêmicas e de caráter técnico. Ver mais em https://issuu.com

(21)

21

21

Convém destacar que esta pesquisa documental permitiu somente a identificação das animações selecionadas e exibidas nos festivais, uma vez que esses filmes não foram localizados para exibição nos sites oficiais8 dos eventos. Tornou-se então necessária a adoção de estratégias para “aquisição” das mesmas. Assim, quando possível, privilegiamos o contato direto (via e-mail) com os produtores realizadores das animações, alguns do quais nos enviaram links e senhas de acesso9 para download das obras. Contudo, na maioria dos casos, foi preciso recorrer às plataformas de vídeo Youtube10 e Vimeo11 para localizar as produções. Essa primeira tentativa de delimitação da amostra resultou na identificação de 96 animações (produções brasileiras, majoritariamente em curta metragem) veiculadas nos festivais contemplados, considerando, inclusive, aquelas exibidas em mostras de caráter não competitivo. Contudo, onze dessas animações não foram localizadas para download12 de modo que uma primeira amostra em potencial fora constituída por 85 obras, as quais foram previamente analisadas - submetidas a uma triagem de forma a observarmos sua adequação ao referencial teórico sobre animação adotado e, sobretudo, sua vinculação à temática ambiental propriamente dita. Durante essa etapa, várias produções foram descartadas, o que, finalmente, resultou, no corpus de pesquisa. Na verdade, esse filtro teórico e conceitual foi decisivo para considerarmos apenas obras que atribuem centralidade e relevância aos aspectos e entidades

8 Ambos os festivais possuem canais de vídeo no Youtube em que constam reportagens, clipes e vinhetas sobre as edições e eventos realizados. Contudo, nesses canais, ou mesmo nos sites oficiais dos festivais, não

localizamos as animações que foram veiculadas em suas mostras.

9 No contexto desta pesquisa foi inusitado constatar que os festivais contemplados não disponibilizam as animações para o acesso do público em geral através de seus websites, nem mesmo incluem links de acesso para repositórios mantidos pelos autores das produções. Na verdade, vários destes filmes não são disponibilizados para acesso público pelos seus realizadores, sendo então necessária, para o desenvolvimento desta pesquisa, a obtenção prévia de senhas de acesso para as plataformas de vídeo em que se encontram hospedadas, mediante justificativa de interesse etc. Um dos motivos alegados é a preservação dos direitos de exibição decorrente de interesses por contratos com emissoras de tv. Aqui, notamos uma contradição em ambos os casos: como contemplar um tema de interesse público e que exige, sobretudo, a ação plena da sociedade para seu enfrentamento, tornando esses discursos inacessíveis a considerável parcela de indivíduos?

10 O Youtube, criado em 2005, é uma plataforma de compartilhamento de vídeos que conecta pessoas ao redor do mundo. Embora seja adotado para distribuição de conteúdo audiovisual por produtores integrados ao mercado e também por anunciantes, é a produção amadora que constitui a maior parte do seu acervo. Segundo estatísticas de acesso do próprio Youtube, a plataforma conta com mais de 1 bilhão de usuários e o total de visualizações diárias ultrapassa essa quantidade. Ver mais em http://www.youtube.com/yt/press/pt-BR/statistics.html

11 O Vimeo surgiu em 2004 com o objetivo de promover a divulgação de produções audiovisuais independentes. Dada a essa origem, a plataforma é privilegiada por profissionais e técnicos da área para a circulação e comercialização de suas obras, contando com um amplo acerco de documentários e de curtas experimentais. Assim como o Youtube, a plataforma oferece vídeo sob demanda, os quais podem ser assistidos mediante pagamento. Ver mais em https://vimeo.com

12 Até o período de encerramento de coleta do corpus, as animações Na linha do Horizonte (IV FICA, 2004), Zoo (VIII FICA), A Origem das Espécies (XIV FICA, 2012), Da banca para fora (VIII FestCineAmazonia, 2010), Engole ou Cospervilha (XI FestCineAmazonia, 2013), Luzes Da Madrugada (III FICA, 2001), Ser

Humano (VIII FestCineAmazonia, 2010), Solitário Não Quer Solidão (XI FestCineAmazonia, 2013),

Soterópolis de Ruy (IX FestCineAmazonia, 2011), Um Passo Para Frente e Dois para Trás (VII FICA, 2005) e Viagem na Chuva (XVI FICA, 2014) não foram localizadas nas principais plataformas de compartilhamento de

(22)

22

22

do mundo natural, às relações e implicações entre mundo social e mundo natural - as problemáticas ambientais. Além disso, desconsideramos obras que não fossem caracterizadas pela especificidade técnica da produção animada (elaboração quadro a quadro), a exemplo de filmes que apenas apresentam uma sucessão de fotogramas estáticos, apesar de sua validação enquanto filme animado pelos festivais. Dessa forma, 45 animações foram descartadas dessa amostra preliminar, o que resultou em um corpus constituído por 40 obras.

Sobre essa redução quantitativa da amostra inicialmente delimitada para o corpus da pesquisa, e, considerando-se o fato dos três festivais apresentarem um discurso13 que valoriza critérios de seleção que consideram a relevância dos assuntos ambientais e das abordagens apresentadas pelas animações inscritas, algumas considerações se fazem relevantes acerca dos critérios adotados: (i) o Filmambiente parece adotar critérios de seleção dos filmes inscritos para as mostras competitivas (longas e curtas) e para as mostras temáticas14 que sintonizam com nossa concepção de temática ambiental, de forma que todas as seis animações identificados em suas edições permaneceram no corpus; (ii) o FICA é composto por mostras competitivas específicas que contemplam longas, médias, curtas metragens e séries televisivas, e pela mostra de Cinema Goiano (ABD-GO), além de contar com mostras paralelas tais como a mostra Fica na Comunidade e a mostra infantil FICA Animado - em todos esses casos, inclusive na mostra competitiva, observamos que a “temática ambiental” é percebida de forma mais “alargada” e flexível em relação à nossa perspectiva, considerando, inclusive, obras em que o meio ambiente é meramente cenário ou paisagem para as narrativas, ou mesmo quando o mundo natural não é representado, mas sim questões urbanas como violência, relação interpessoal e crises afetivas assumem centralidade; (iii) o FestCineAmazonia apresenta, além da mostra competitiva, filmes convidados que são

13 O Filmambiente, na seção de curadoria de seus relatórios de atividades, explicita entre seus critérios de seleção, “[...] a qualidade da produção, a relevância dos assuntos tratados no cenário atual e a sua pertinência para a plateia brasileira [...]” (FILMAMBIENTE, 2011, p. 4). Além disso, destaca que sua seleção ocorre “[...] entre as melhores e mais premiadas produções contemporâneas do gênero e aborda, em diferentes linguagens, questões relevantes do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável.” (FILMAMBIENTE, 2013, p. 5). Relatórios de atividades do júri de seleção do FICA também esclarecem acerca dos critérios de avaliação das obras inscritas, ressaltando “[...] 2º - adequação do filme a temática ambiental; 3º - originalidade, criatividade e relevância na abordagem do tema; [...]” (FICA XIII, 2011). No caso do FestCineAmazonia observamos que os critérios de seleção são mais genéricos, “[...] curta e média metragens, de ficção, documentários, animações e experimentais, com temática ambiental, produzidas em qualquer parte do mundo [...]” (FESTCINEAMAZONIA, 2007, p. 33).

14 Na primeira edição do festival, realizada em 2011, identificamos 4 mostras temáticas: Instituto Francês,

Filmes de Floresta, Clima, Cultura e Mudança, e ECOMOVE. Em 2012 foram 7 as mostras temáticas: Água, Poluição, Escassez e Solução, Povos Nativos, Cotidiano de Alto Risco, Empreendedorismo e Sustentabilidade, Geração 92, Panorama e Família ECO. Em 2013 foram realizadas 5 mostras, Do DDT e Hormônios à Segurança Alimentar, Será Mesmo Ficção, Planeta Ultrajado, Agir & Mudar e Carta Branca: National Film Board. Em 2004 as mostras foram Mostra Cine´Eco 20 anos, O Futuro Chegou, Senhores de seus Destinos, Mostra Suíça e Mostra Nacional nas Naves do Conhecimento.

(23)

23

23

exibidos na abertura do evento e entre as exibições competitivas, e também realiza mostras temáticas (cinema nos terreiros, cinema nos bairros, cinema no circo, mostra arco-íris etc) - nesse caso, observamos haver uma flexibilidade ainda maior que a do FICA quanto ao reconhecimento e enquadramento das obras sob a “temática ambiental”. Em síntese, ressaltamos que entre as 45 animações “descartadas” na primeira amostra, 33 foram exibidas no FestCineAmazonia (V, VII, VIII, IX e XI edições), enquanto as 12 restantes foram veiculadas no FICA (VII, IX, XIV, XV e XVI edições).

É pertinente destacar que esses festivais, mesmo não ocupando aqui a centralidade do debate desta pesquisa, configuram-se como espaço em potencial de disputas discursivas, e nesse caso, entre discursos ambientais legítimos. São, portanto, fóruns relevantes à arena ambiental, viabilizando e promovendo a circulação das mais diversas obras para um público abrangente. Nesse sentido, observamos esses festivais como espaços privilegiados para o estabelecimento de condições para as práticas discursivas, portanto, decisivos, enquanto prática social (FAIRCLOUGH, 2001), à produção e ao consumo de “textos animados” associados aos discursos ambientais.

Plano analítico da pesquisa

De natureza qualitativa, a pesquisa empreendeu uma abordagem indutivo-comparativa (GIL, 2008) para analisar como os discursos ambientais estavam representados nos filmes animados veiculados nos festivais de audiovisual contemplados, cujo intuito era ressaltar similaridades e diferenças discursivas entre eles. Para tanto, o plano analítico da pesquisa contou com duas etapas.

Na primeira etapa, tipificamos o corpus através das dimensões autoral, técnica, estética, de circulação, narrativa e discursiva (elementos constitutivos), descrevendo-as a partir de estatísticas simples dos indicadores delimitados, das distribuições de frequências das categorias identificadas e das tabelas de referências cruzadas entre vários desses indicadores. E na segunda, observando os discursos ambientais que permeiam esse corpus, fez-se o exame das suas configurações e características tomando como referência a análise crítica de discurso de Norman Fairclough.

(24)

24

24

Primeira etapa: a tipificação das animações ambientais

Para o desenvolvimento da análise foi delimitado um quadro explicativo constituído por indicadores que configuraram a base de codificação do corpus da pesquisa. Essa etapa compreendeu a investigação exploratória do corpus, a fim de identificar e de tipificar seus aspectos gerais e também das representações do meio ambiente inscritos nos filmes selecionados. Trata-se, sobretudo, de apontar as características gerais dessas animações e dos seus discursos ambientais a partir da transcrição do material audiovisual para “[...] um conjunto de dados que se preste a uma análise cuidadosa e a uma codificação.” (ROSE, 2000, p. 348), transladando e simplificando a complexidade das animações.

Nesse sentido, ainda apoiando-se em Rose (2000), quando ela ressalta que a tradução prescinde de decisões acerca do que será descrito nesse processo, optamos por contemplar a identificação e a codificação dos elementos que estruturam o “todo do sentido” das histórias ou narrativas, tomando-se aqui a sua macroestrutura (temas, personagens e conflitos) enquanto unidade primeira de análise para o objetivo proposto. Assim, os dados decorrentes da transcrição, os aspectos narrativos, foram codificados juntamente com aqueles relativos aos aspectos autorais, técnicos e estéticos das produções, considerando ainda aspectos relativos à circulação das animações e aos elementos discursivos, conforme seguem abaixo:

• autoral: realizadores, produtoras, ano de realização, região de produção, patrocínio e apoio obtidos;

• técnico/estético: duração, técnica animada empregada, tipo de movimento estabelecido, uso de recursos sonoros, formato/gênero;

• de circulação: festivais veiculados, ano de inscrição, mostras e premiações contempladas;

• narrativos: temas, personagens, espacialidade, temporalidade, conflitos, resolução dos conflitos e sucessão de eventos (sinopse);

• discursivos: temas ambientais, atores sociais, entidades do mundo natural, problemáticas ambientais identificadas, desdobramentos (tempo e espaço) das problemáticas, responsabilidades causais, responsabilidade pelo enfrentamento, soluções adotadas, discurso ambiental vinculado;

(25)

25

25

Também adicionamos ao quadro explicativo indicadores que nos permitissem compreender a comunicação ambiental dessas animações em relação às discussões acerca do cinema ambiental e das enviro-toons. Dessa forma, consideramos a codificação do corpus a partir das temáticas ambientais no audiovisual apresentadas por Corbett (2006), dos padrões narrativos de temáticas ambientais no cinema de animação estabelecidos por Murray e Heumann (2011), e também a partir dos modos retóricos (lamentação, otimista e apocalíptico) que orientam as histórias ambientais, conforme Cox (2010) aponta. Vale ainda sinalizar que as categorias relativas aos indicadores previamente estabelecidos foram definidas durante a própria dinâmica de transcrição do corpus, sendo a priori adotada a proposta de Cox (2010) acerca das vozes e interesses sociais que orientam a comunicação ambiental: cidadãos, grupos sociais, grupos ambientais, cientistas, empresas, lobistas, grupos antiambientalistas, mídia, legisladores e reguladores.

Nessa lógica, muito embora seja evidente a especificidade da animação enquanto complexo multimodal, dotado de um código semiótico particular (LEEUWEN, 2008), cuja produção de sentidos decorre das interações entre suas dimensões verbal e visual (ROSE, 2000), é necessário atentar, conforme Penafria (2009), para o fato de que a análise de um filme deve levar em consideração os objetos maiores de uma pesquisa. Sendo assim, alinhamos nosso estudo a uma abordagem não cinematográfica, mas que se interessa por uma compreensão do filme no que diz respeito ao conteúdo temático, ou seja, sobre o que ele diz a respeito de determinado tema (PENAFRIA, 2009). Com base nessa estratégia, utilizamos o conceito de narrativa audiovisual de Bordwell e Thompson (2001), os quais a entendem como uma forma de contar histórias que é adotada nos mais diversos produtos audiovisuais, sejam eles filmes de ficção, de ação ao vivo, documentários, obras experimentais e também animações, podendo ser longa ou curta metragem. Para os autores, no audiovisual, os eventos de uma narrativa são tanto aqueles que integram o plot da história (o que é explicitamente mostrado à audiência, o que é visível e audível), como também aqueles que são inferidos pela audiência. Consideram ainda que o plot da narrativa inclui tanto os elementos diegéticos, aqueles que fazem parte do mundo da história, como aqueles não diegéticos, a exemplo das trilhas sonoras, dos créditos, dentre outros. Assim, como a codificação é multidimensional (ROSE, 2000), privilegiamos aspectos da história a partir de sua superfície (atributos narrativos), consideramos os aspectos visuais das animações.

Nesse sentido, tomamos a narrativa audiovisual como um encadeamento de eventos relacionados a partir de causalidade (causa-efeito), os quais se desenvolvem em um contexto espaço-temporal estabelecido. Disso decorre que os eventos são usualmente desenvolvidos e

(26)

26

26

experimentados pelas personagens, sejam elas seres humanos, animais ou objetos antropomorfizados. Também pode haver uma diversidade de eventos, inclusive aqueles de ordem natural, tais como catástrofes ou fenômenos ambientais. Assim, numa narrativa são as ações das personagens que produzem consequências, e estas, por sua vez, estimulam novas ações, estabelecendo a ideia de encadeamento de eventos. Sob essa perspectiva, o tempo e o espaço se mostram cruciais, pois situam os eventos e suas consequências. Conforme os autores, observamos que o tempo da história corresponde à ordem dos fatos percebida pela audiência, que pode ser a ordem temporal do plot da narrativa, tanto recorrendo a flashback (apresentação de eventos passados) quanto a flashforward (antecipação de eventos futuros); e corresponde à duração temporal, o tempo que envolve o início e o fim dos eventos relacionados à história, e à frequência de exibição de determinados eventos, a frequência temporal. O espaço também, neste caso, suporta e contextualiza todos os eventos numa narrativa.

Portanto, aqui a narrativa não se resume às falas. Pelo contrário, as imagens, as alterações de iluminação, a trilha sonora, o enquadramento, dentre outros elementos, foram todos considerados em relação à sua atuação para o desenvolvimento das narrativas. Trata-se, portanto, de um processo aberto em que a tradução pressupõe a simplificação do audiovisual, levando-o de uma linguagem à outra (ROSE, 2000). Nesse caso, do plano multimodal da animação para o plano da narrativa.

Convém observarmos que, ciente da complexidade do texto animado, tendo em vista sua natureza semiótica, adotamos a narrativa como instrumento analítico do discurso ambiental. Dessa forma, tomando a estratégia de desconstrução e reconstrução do objeto, os discursos ambientais das animações foram apreendidos a partir das unidades estruturais de suas narrativas, conforme a perspectiva de Bordwell e Thompson (2001), considerando a evolução cronológica dos eventos, sua espacialidade e temporalidade, as personagens em suas caracterizações, motivações e transformações, os conflitos e seus fechamentos, e o seu caráter organizador, o que permitiu identificar e analisar, além dos temas ambientais, atores sociais, suas percepções e atitudes sobre o mundo natural, suas responsabilidades diante das problemáticas, seus impactos e desdobramentos, entre outros aspectos, conforme sugere Carvalho (2000).

Esse entendimento crítico da narrativa aponta para dois focos de interesse nessa tese. O primeiro recai sobre o plano da expressão textual (a superfície do texto), caracterizado pelas personagens, ações e conflitos desenvolvidos e resolvidos na macroestrutura da narrativa (o filme em sua totalidade) e também pelos seus desdobramentos internos (a

(27)

27

27

microestrutura da narrativa); já o segundo foco consiste no plano da “história”, dos significados e das representações desenvolvidas pela narrativa acerca do ambiente e das suas questões. Esta etapa empreendeu, portanto, uma análise quantitativa e também qualitativa do

corpus, explorando descrições estatísticas simples das categorias delimitadas e análises das

narrativas, de modo a tipificar as animações quanto aos aspectos propostos. Com base nessa tipificação, foi possível a identificação de similaridades e diferenças entre as animações observadas, no sentido de estabelecer um primeiro passo em sua ordenação e caracterização (BAUER, 2000). A codificação dos dados foi realizada utilizando-se o software SPSS, tendo como ponto de partida a transcrição das animações no NVIVO.

Segunda etapa: a análise dos discursos ambientais

A partir da tipificação das narrativas realizadas no primeiro momento, esta segunda etapa pretendeu estruturar os discursos ambientais presentes nas animações, tomando como base o instrumental da análise crítica de discurso e as tipologias dos discursos ambientais apresentadas por Dryzek (2004) e Corbett (2006). Com base nessas abordagens, foi possível conjugar os seus elementos discursivos como categorias essenciais ao exame das histórias ambientais animadas, conforme as tipologias dos discursos ambientais contempladas no terceiro capítulo.

Convém observar que a opção pelas duas tipologias se faz apropriada à heterogeneidade das animações contempladas. A tipologia de Dryzek (2004) permite-nos observar de forma mais explícita como os discursos ambientais reconhecem e atribuem responsabilidades pela causa e também pelo enfrentamento dos problemas ambientais, sendo, então, importante para compreender o discurso ambiental a partir de sua dimensão política, enquanto aquela apresentada por Corbett (2006) ocupa-se das relações homem/natureza em um contexto diferente, relacionado às hierarquias aí estabelecidas. Dessa forma, assumimos que essas tipologias se complementam, sendo possível observar os discursos ambientais a partir de três dimensões: (i) aproximação ou afastamento em relação à estrutura social e econômica vigente (industrialismo), podendo assumir uma orientação reformista ou radical diante dos mesmos; (ii) percepção das questões ambientais e suas implicações na estrutura social, sejam como problemas ou entraves (prosaico) ou alternativas de mudanças

(imaginativo); (iii) hierarquia entre homem e natureza, antropocentrismo ou ecocentrismo.

Assim, ao considerarmos essas duas tipologias, favorecemos a análise de discursos ambientais não somente em animações que discutem explicitamente problemas ambientais, mas também

(28)

28

28

naquelas em que o meio ambiente é contemplado de forma secundária, com ênfase na representação de valores e atitudes do homem sobre o ambiente.

Em conformidade com essa perspectiva ambiental, adotamos os pressupostos teóricos da análise crítica do discurso desenvolvida por Norman Fairclough, sobretudo pelo seu empenho em reconhecer e evidenciar relações entre o discurso, o poder e a ideologia, exercidas sobre o contexto social (FAIRCLOUGH, 2001). Conforme essa perspectiva, o discurso é tomado como prática social, como modo de ação sobre o mundo e também como um modo de representá-lo, estabelecendo uma relação dialética com a estrutura social, pois tanto deve ser percebido como efeito dessa estrutura quanto como condição de sua existência. Sob essa orientação teórico-metodológica de Fairclough (2001), que concebe o discurso como um processo de representação e significação do mundo, e que constrói identidades e relações sociais, bem como sistemas de crenças e conhecimento, é possível entender os discursos ambientais, os quais são impregnados de conflitos de poder, o que resulta em uma pluralidade de discursos, cujas disputas e negociações direcionam para uma hegemonia15 instável e dinâmica. Conforme ressalta Gil (2000), a análise crítica de discurso tornou-se bastante popular nos estudos da mídia e assume como eixo central a rejeição da neutralidade da linguagem, destacando sua relevância à construção da vida social. Fairclough (2001), por sua vez, entende que a análise de discurso não impõe uma prática padrão, mas se mostra suscetível e flexível às particularidades das propostas e dos analistas. Contudo, evidencia que o pesquisador deve levar em consideração a tridimensionalidade analítica, uma vez que a análise de discurso é simultaneamente uma análise dos textos, das práticas discursivas (intertextualidade e interdiscursividade) e da prática social, na qual se encontram inseridas.

Em conformidade com a análise de discurso de Fairclough (2001), foi possível confrontar particularidades discursivas de um determinado tipo de discurso (sistema de restrição semântica) e examinar tais elementos na amostra estabelecida, mediante adoção de

15 É a noção gramsciniana de hegemonia que sustenta a perspectiva teórico-metodológica desse trabalho. Nesse contexto, hegemonia desponta como poder exercido por uma determinada classe social sobre a sociedade como um todo, assegurado através do consenso e da liderança nas esferas política, ideológica e cultural. Trata-se, portanto, de um poder exercido, sobretudo, através da influência ideológica. Além disso, tal poder é instável e necessita atuar constantemente na construção de alianças dada a emergência de pontos críticos que ameaçam as relações de dominação e subordinação - a ideologia dominante. No plano midiático, onde encontra-se inserido este trabalho, essa perspectiva gramsciniana orienta as noções de discurso hegemônico (aquele empenhado em assegurar a hegemonia estabelecida, a ordem do poder e da dominação), contra-hegemônico (aquele que se orienta pela tensão direta com o discurso hegemônico, opondo-se ao mesmo, reivindicando mudanças nesta ordem hegemônica - de poder) e não-hegemônico (aquele que não necessariamente configura um confronto com a ordem de poder estabelecida, embora ofereça alternativas no contexto social relacionado). Ver mais em Gruppi (1978).

(29)

29

29

categorias analíticas que permitiram identificar revestimentos políticos e ideológicos. Portanto, considerei nas análises as três dimensões propostas por Fairclough (2001): a dimensão do

texto, caracterizada pela função ideacional (a construção da realidade, das crenças e

significados) e pela função interpessoal (construção de identidades e relações sociais); a

dimensão da prática discursiva, centrada na interdiscursividade (discursos marcados no texto)

e na intertextualidade (textos marcados); e na dimensão da prática social, focada na relação ideológica e política do texto com a matriz hegemônica desse tipo de discurso.

Apoiando-se também nos argumentos de Cox (2010) acerca das funções da comunicação ambiental, observando que a comunicação constitutiva (relacionada à representação do mundo natural e de sua problemática) e a comunicação pragmática (que objetiva uma determinada prática sobre o meio ambiente) se estabelecem no cinema de animação, enquanto locus onde circula uma ampla variedade de discursos, especialmente no contexto da legitimidade da problemática ambiental, quando entram em disputa os mais diversos atores sociais. Daí nosso interesse em situar o cinema de animação ambiental a partir dessa perspectiva, visando compreender suas operações discursivas na representação e significação do meio ambiente a partir da análise crítica do discurso. Em síntese, partimos destes autores para analisar os elementos discursivos nas animações, tentando observar e identificar o tema do meio ambiente e suas questões presentes, direta e indiretamente, enfatizando suas relações hierárquicas (CORBETT, 2006), suas relações políticas (DRYZEK, 2005) e suas orientações hegemônicas e contra-hegemônicas (COX, 2010).

Dessa forma, entendemos o discurso ambiental enquanto prática social que orienta as relações entre a sociedade e a natureza, que se materializa a partir de uma diversidade de textos linguísticos ou semióticos, os quais se encontram inseridos em variadas configurações de interações relativas à sua produção e interpretação. Assim, considerando que o discurso atravessa os mais diversos textos e não apenas os linguísticos (LEEUWEN, 2008), situamos os filmes animados delimitados no corpus da pesquisa como nosso texto de análise empírica.

Portanto, tomando essa estrutura epistemológica, teórica e metodológica, espera-se com este trabalho contribuir para a compreensão das representações do ambiente e de suas problemáticas no cinema de animação, apresentando a relação do corpus com os diversos discursos ambientais que orientam nossas ações e percepções, enfatizando a relevância do cinema de animação brasileiro, relegado em grande medida nos estudos acadêmicos, para a legitimidade de discursos diversos, a exemplo dos discursos ambientais. Entender como se estruturam estes discursos no cinema animado brasileiro é condição salutar para se pensar a

(30)

30

30

relação homem/natureza em estratégias marcadas por categorias temáticas como: poder, hegemonia, naturalização de hierarquias, vilanização, individualização e sobrevivência.

A estrutura da tese

O trabalho foi estruturado em quatro capítulos. O primeiro, intitulado Bases para uma

compreensão da natureza e da degradação do ambiente, teve como objetivo discutir

transformações nos dignificados da natureza e as implicações da degradação ambiental nas sociedades modernas. Para tanto, inserimos de início um debate sobre o conceito de natureza, trazendo as contribuições da filosofia de Rousseau, Foucault, Descartes e Heidegger. A partir desses autores, evidencia-se a polissemia do termo e como este foi marcado por profundas mudanças nas relações entre o homem e o meio ambiente. O debate da noção de natureza segue examinando a tradição ambiental de sociedades que adotam valores e atitudes alternativos ao modelo ambiental ocidental, a exemplo da China, Japão e África. O capítulo finaliza com algumas abordagens sociológicas a respeito das causas estruturais da degradação ambiental nas sociedades ocidentais modernas.

No segundo capítulo, Comunicação ambiental e discursos sobre a natureza, fez-se uma análise acerca da representação da natureza a partir da comunicação ambiental. No primeiro momento, situamos o campo e a prática da comunicação ambiental, tomando como referência Jurin, Roush e Danter (2010) e Cox e Depoe (2015). O texto segue com um debate sobre a relação entre meio ambiente e as diversas áreas específicas da comunicação, destacando trabalhos voltados para o jornalismo (CORBETT, 2006, HANSEN, 2010, HANNIGAN, 2009, DRYZEK, 2004, COX, 2010), entre outros; para a publicidade (CORBETT, 2006; HANSEN, 2010); e para o cinema (INGRAM, 2010; MACDONALD, 2004; IVAKHIV, 2008). Finaliza-se o capítulo abordando as tipologias dos discursos ambientais de Dryzek (2004) e de Corbett (2006), entrecruzando com a análise de discurso de Fairclough (2001) e de Maingueneau (1984).

O terceiro capítulo, A comunicação ambiental no cinema de animação, foi desenvolvido com o objetivo de evidenciar a questão ambiental no caso particular do cinema animado. Aqui iniciamos o debate mostrando a animação como um produto cultural, enfatizando seus aspectos conceituais, seu valor e sua potencialidade estética e discursiva, além da sua perspectiva comercial (predominantemente hegemônica), autoral e experimental. Neste ponto, as contribuições teóricas mais importantes foram de Wells (2003; 2006), Stabile e Harrison (2003), Lucena (2005), Furniss (2007), Nogueira (2010) e Denis (2010). Focando

Referências

Documentos relacionados

Obedecendo ao cronograma de aulas semanais do calendário letivo escolar da instituição de ensino, para ambas as turmas selecionadas, houve igualmente quatro horas/aula

A disponibilização de recursos digitais em acesso aberto e a forma como os mesmos são acessados devem constituir motivo de reflexão no âmbito da pertinência e do valor

Sobretudo recentemente, nessas publicações, as sugestões de ativi- dade e a indicação de meios para a condução da aprendizagem dão ênfase às práticas de sala de aula. Os

José Arno Appolo do Amaral, Prefeito Municipal, no uso de suas atribuições legais e de acordo com o Processo nº 2808/2020 da Secretaria Municipal de

[r]

Lista de preços Novembro 2015 Fitness-Outdoor (IVA 23%).. FITNESS

os atores darão início à missão do projeto: escrever um espetáculo para levar até as aldeias moçambicanas para que a população local possa aprender a usufruir e confiar

Este artigo tem por objetivo a avaliação da vida marinha e terrestre na praia da vila no Município de Imbituba em Santa Catarina, o estudo traz uma avaliação da vida existente