• Nenhum resultado encontrado

2.3 Concep¸c˜oes

2.3.1 Concep¸c˜oes ou cren¸cas?

Na ´area de Educa¸c˜ao Matem´atica, alguns estudos investigam como as cren¸cas e concep¸c˜oes influenciam a pr´atica pedag´ogica de professores em sala de aula, por exemplo, (SHOENFELD, 2011) e (FURINGHETTI; MORSELLI, 2011). O interesse em investigar cren¸cas ou concep¸c˜oes se justifica pela vis˜ao de que essas vari´aveis afetam a maneira como uma pessoa interage com seu mundo. Philipp (2007), por exemplo, sugere pensar em cren¸cas como lentes atrav´es das quais um indiv´ıduo olha para interpretar o mundo. Em rela¸c˜ao a estudantes, suas cren¸cas sobre matem´atica podem influenciar a imagem que eles formam da matem´atica como uma disciplina (JANKVIST, 2009).

A literatura sobre cren¸cas aponta uma variedade de descri¸c˜oes para os termos cren¸cas e concep¸c˜oes e n˜ao h´a consenso sobre uma defini¸c˜ao para cada um deles (PEHKONEN, 2004; FURINGHETTI; PEHKONEN, 2002). Pretendemos trazer as ideias de alguns pesquisadores sobre as dificuldades em definir esses termos, bem como algumas defini¸c˜oes apresentadas na literatura. Como parte do objetivo ini- cial, desejamos investigar se as reflex˜oes sobre metarregras tˆem impacto no modo como os estudantes vˆeem matrizes e determinantes. Ap´os discutir como a literatura diferencia cren¸cas de concep¸c˜oes, vamos justificar nossa escolha por investigar as concep¸c˜oes sobre matrizes e determinantes e apresentar nossa op¸c˜ao para definir o

termo “concep¸c˜oes”.

Furinghetti e Pehkonen (2002) tentaram caracterizar o termo cren¸cas por meio de uma pesquisa envolvendo 22 especialistas da educa¸c˜ao matem´atica que trabalham no campo das cren¸cas. Aos especialistas cabia responder um question´ario baseado em nove caracteriza¸c˜oes para cren¸cas colhidas na literatura e fornecer sua pr´opria caracteriza¸c˜ao. Dezoito especialistas enviaram suas respostas e apenas a metade for- neceu uma caracteriza¸c˜ao. Os resultados revelaram alguns pontos de convergˆencia, como o componente afetivo das cren¸cas e seu efeito no comportamento e nas rea¸c˜oes do indiv´ıduo. No entanto, uma das conclus˜oes apresentadas foi a dificuldade em for- necer uma caracteriza¸c˜ao comum para os poss´ıveis campos de aplica¸c˜ao (educa¸c˜ao matem´atica, filosofia, educa¸c˜ao geral, psicologia e sociologia). Os autores conclu´ıram ainda que qualquer caracteriza¸c˜ao desse termo deve levar em conta o contexto, a situa¸c˜ao espec´ıfica, a popula¸c˜ao e os objetivos que se tem em mente ao utiliz´a-lo.

Pehkonen (2004) aponta que a principal dificuldade em definir o termo cren¸cas est´a em distingui-lo de conhecimento. Observamos que alguns pesquisadores se preocupam em distinguir cren¸cas de conhecimento, cren¸cas de concep¸c˜oes e con- cep¸c˜oes de conhecimento. Segundo Thompson (1992), h´a duas caracter´ısticas que permitem distinguir cren¸cas de conhecimento: convic¸c˜ao e consensualidade. Cren¸cas podem ser mantidas com v´arios graus de convic¸c˜ao e n˜ao s˜ao consensuais, ao contr´ario de conhecimento:

[. . . ] uma caracter´ıstica do conhecimento ´e o acordo geral so- bre procedimentos para avaliar e julgar sua validade; conheci- mento deve atender a crit´erios que envolvem cˆanones de evidˆencia. Cren¸cas, por outro lado, s˜ao frequentemente mantidas ou justifi- cadas por raz˜oes que n˜ao atendem aqueles crit´erios e, assim, s˜ao caracterizados por uma falta de acordo sobre como devem ser ava- liadas ou julgadas28. (THOMPSON, 1992, p. 130, tradu¸c˜ao nossa)

No s´etimo cap´ıtulo do Second Handbook of Research on Mathematics Teaching

and Learning, voltado para o tema “cren¸cas e afeto de professores de matem´atica”,

28No original: [. . . ] a characteristic of knowledge is general agreement about procedures for

evaluating and judging its validity; knowledge must meet criteria involving canons of evidence. Beliefs, on the other hand, are often held or justified for reasons that do not meet those criteria, and, thus, are characterized by a lack of agreement over how they are to be evaluated or judged. (THOMPSON, 1992, p. 130)

Philipp apresentou as seguintes defini¸c˜oes para os termos cren¸cas, concep¸c˜oes e conhecimento:

Cren¸cas - Compreens˜oes, premissas ou proposi¸c˜oes, psicologica- mente mantidas, sobre o mundo que s˜ao entendidos como verda- deiros. Cren¸cas s˜ao mais cognitivas, s˜ao percebidas menos inten- samente e s˜ao mais dif´ıceis de mudar do que atitudes. Cren¸cas devem ser pensadas como lentes que afetam a vis˜ao sobre algum aspecto do mundo ou como disposi¸c˜oes em dire¸c˜ao a uma a¸c˜ao. Cren¸cas, ao contr´ario de conhecimento, podem ser mantidas com variados graus de convic¸c˜ao e n˜ao s˜ao consensuais. [. . . ]

Concep¸c˜ao - No¸c˜ao geral ou estrutura mental incluindo cren¸cas, significados, conceitos, proposi¸c˜oes, regras, imagens mentais e pre- ferˆencias.

Conhecimento - Cren¸cas mantidas com certeza ou justificadas como verdadeiras. O que ´e conhecimento para uma pessoa pode ser cren¸ca para outra, dependendo se a concep¸c˜ao ´e tida como inquestion´avel29. (PHILIPP, 2007, p. 259, tradu¸c˜ao nossa)

Na defini¸c˜ao de Philipp, concep¸c˜oes s˜ao vistas como algo mais geral, incluindo cren¸cas. Levando em conta que cren¸cas podem ser verdadeiras ou falsas, o conheci- mento ´e uma cren¸ca justificada como verdadeira.

Diferentes caracteriza¸c˜oes para o termo concep¸c˜oes s˜ao apresentadas e discutidas em (FURINGHETTI; PEHKONEN, 2002) e a maioria tamb´em aponta para a ideia de uma no¸c˜ao mais geral, que inclui cren¸cas como um subconjunto. Pehkonen (2004) afirma que, quando se fala em concep¸c˜oes, o componente cognitivo ´e destacado e, quando se fala em cren¸cas, o componente afetivo ´e destacado. Thompson (1992), apesar de diferenciar esses termos, diz que a distin¸c˜ao entre eles “n˜ao pode ser uma coisa terrivelmente importante”.

Um outro olhar sobre a diferen¸ca entre cren¸cas e conhecimento ´e apresentado por Furinghetti e Phekonen (2002). Eles recomendam que, ao lidar com cren¸cas e

29No original: Beliefs - Psychologically held understandings, premises, or propositions about

the world that are thought to be true. Beliefs are more cognitive, are felt less intensely, and are harder to change than attitudes. Beliefs might be thought of as lenses that affect one’s view of some aspect of the world or as dispositions toward action. Beliefs, unlike knowledge, may be held with varying degrees of conviction and are not consensual [. . . ] Conception - a general notion or mental structure encompassing beliefs, meanings, concepts, propositions, rules, mental images, and preferences. Knowledge - beliefs held with certainty or justified true belief. What is knowledge for one person may be belief for another, depending upon whether one holds the conception as beyond question. (PHILIPP, 2007, p. 259)

termos relacionados, dois tipos de conhecimento devem ser considerados: o obje- tivo, ou oficial, aquele que ´e aceito por uma comunidade e o subjetivo, ou pessoal, que n˜ao ´e necessariamente sujeito a uma avalia¸c˜ao externa e se baseia nas pr´oprias experiˆencias e percep¸c˜oes. Apoiados nessa dicotomia, esses pesquisadores argumen- tam que cren¸cas e termos relacionados pertencem ao conhecimento subjetivo, que possuem diferentes graus de estabilidade e, portanto, s˜ao abertos a mudan¸ca.

H´a uma intera¸c˜ao entre os conhecimentos objetivo e subjetivo. Quando um in- div´ıduo estuda matem´atica (conhecimento objetivo), ele amplia seu conhecimento subjetivo. Se o t´opico em estudo ´e matrizes, por exemplo, o conhecimento do in- div´ıduo sobre matrizes ´e reconhecido como conhecimento subjetivo, cuja tendˆencia ´e se aproximar assintoticamente do conceito oficial de matrizes (conhecimento obje- tivo). Por outro lado, o conhecimento objetivo tamb´em pode ser ampliado e enrique- cido quando um conhecimento subjetivo ´e compartilhado publicamente, justificado e aceito pela sociedade. (PEHKONEN, 2001, p. 15)

Muito pr´oxima da perspectiva acima de diferenciar o conhecimento oficial do pessoal, isto ´e, o conhecimento objetivo do conhecimento subjetivo, Sfard apresenta uma defini¸c˜ao para conceito e para concep¸c˜ao:

a palavra “conceito”(algumas vezes chamada de “no¸c˜ao”) ser´a mencionada sempre que uma ideia matem´atica ´e comunicada na sua forma “oficial” - como um construto te´orico dentro do “uni- verso formal do conhecimento ideal”; o agrupamento inteiro de representa¸c˜oes e associa¸c˜oes internas evocadas pelo conceito - a contrapartida do conceito no universo subjetivo, interno do conhe- cimento humano - ser´a denominado uma “concep¸c˜ao”30. (SFARD, 1991, p. 3, aspas no original)

As defini¸c˜oes de Sfard estabelecem uma rela¸c˜ao entre conceito e concep¸c˜ao, em que o primeiro pertence ao “universo formal do conhecimento” e se aplica quando “uma ideia matem´atica ´e comunicada na sua forma oficial”. J´a o termo concep¸c˜ao ´e associado `a contrapartida interna do conceito no universo subjetivo do conheci- mento, isto ´e, a todas as representa¸c˜oes e associa¸c˜oes que s˜ao evocadas em conex˜ao

30No original: the word “concept”(sometimes replaced by “notion”) will be mentioned whenever

a mathematical idea is concerned in its “official” form - as a theoretical construct within “the formal universe of ideal knowledge”; the whole cluster of internal representations and associations evoked by the concept - the concept’s counterpart in the internal, subjective “universe of human knowing” - will be referred to as a “conception”. (SFARD, 1991, p. 3)

com um determinado conceito. Assim, o conceito pode ser associado ao conheci- mento objetivo e, concep¸c˜ao, ao conhecimento subjetivo; no entanto, na defini¸c˜ao de Sfard, uma concep¸c˜ao ´e atrelada a um conceito. Assim, concep¸c˜oes dizem res- peito ao nosso entendimento sobre um determinado conceito matem´atico, o que internalizamos sobre o conceito.

As representa¸c˜oes e associa¸c˜oes internas `as quais Sfard se refere na defini¸c˜ao de concep¸c˜ao precisam ser melhor explicadas. Entendemos que essas representa¸c˜oes incluem tanto signos usados para representar os objetos matem´aticos, como qual- quer tipo de esquema visual que possa representar um determinado conceito na estrutura cognitiva de um indiv´ıduo. Ao pensar em fun¸c˜oes, as representa¸c˜oes evo- cadas por um estudante podem ser algumas express˜oes anal´ıticas como f (x) = x2, f (x) = 2x − 1, entre outras. Tais representa¸c˜oes podem levar o estudante a formar uma concep¸c˜ao de que fun¸c˜oes s˜ao express˜oes anal´ıticas. Entendemos as associa¸c˜oes internas como contextos, ideias, situa¸c˜oes que o indiv´ıduo relaciona com o conceito e que permite conferir um sentido a ele. Para exemplificar, a associa¸c˜ao da mul- tiplica¸c˜ao de n´umeros naturais com a ideia de adi¸c˜ao repetida, comum nos anos iniciais, costuma levar os alunos a formar a concep¸c˜ao da multiplica¸c˜ao como uma opera¸c˜ao que aumenta, isto ´e, o produto de dois n´umeros naturais ´e maior que multiplicando e multiplicador.

Sfard (1991) define o termo “concep¸c˜oes” em conex˜ao com “conceitos” para designar duas interpreta¸c˜oes, segundo as quais as no¸c˜oes matem´aticas podem ser concebidas: estruturalmente, isto ´e, como objetos e operacionalmente, isto ´e, como processos. Na concep¸c˜ao estrutural, no¸c˜oes matem´aticas s˜ao vistas como objetos abstratos, por exemplo, a circunferˆencia pode ser vista como o lugar geom´etrico dos pontos equidistantes de um ponto fixo. Na concep¸c˜ao operacional, no¸c˜oes ma- tem´aticas s˜ao interpretadas como processos, algoritmos e a¸c˜oes, por exemplo, a circunferˆencia pode ser vista como a curva obtida por girar o compasso em torno de um ponto fixo. Sfard argumenta que as duas concep¸c˜oes, apesar de aparentemente incompat´ıveis (como um conceito matem´atico pode ser um objeto e um processo ao mesmo tempo?), s˜ao complementares e defende que ambas s˜ao necess´arias para uma compreens˜ao profunda dos conceitos matem´aticos. As duas interpreta¸c˜oes da circun- ferˆencia trazem insights diferentes sobre o conceito. A interpreta¸c˜ao desse conceito

como um lugar geom´etrico enfatiza o conjunto de pontos que forma a curva, j´a a des- cri¸c˜ao operacional enfatiza o processo de constru¸c˜ao da circunferˆencia. Desse modo, conceber os conceitos a partir de apenas uma dessas interpreta¸c˜oes proporciona uma compreens˜ao limitada do mesmo.

Em outro artigo, Sfard sugere uma rela¸c˜ao entre metarregras e concep¸c˜oes, se- gundo a qual metarregras moldam concep¸c˜oes, no contexto da diferencia¸c˜ao entre metarregras e normas:

[. . . ] por repetir-se incessantemente, as regras n˜ao escritas e, em sua maior parte, n˜ao intencionadas, moldam as concep¸c˜oes de “conduta normal”das pessoas e, como tal, tem um impacto nor- mativo31. (SFARD, 2000, p. 170, aspas no original)

Na cita¸c˜ao acima, “as regras n˜ao escritas” s˜ao as metarregras. Apesar de suge- rir que metarregras moldam as concep¸c˜oes de conduta normal das pessoas passando ao status de normas, Sfard n˜ao investiga o impacto das metarregras na forma¸c˜ao de concep¸c˜oes no trabalho citado e nem nos trabalhos posteriores. O termo “con- cep¸c˜oes” n˜ao est´a sendo usado em conex˜ao com um conceito na cita¸c˜ao acima. A sugest˜ao de Sfard levou-nos a pensar em relacionar as reflex˜oes sobre metarre- gras com as concep¸c˜oes que os estudantes tˆem sobre matrizes e determinantes, no sentido de investigar se essas reflex˜oes influenciam na forma¸c˜ao de concep¸c˜oes sobre esses t´opicos. Para isso, apoiamo-nos na defini¸c˜ao de “concep¸c˜ao” proposta por Sfard (1991) como a contrapartida interna do conceito.

Uma outra perspectiva de investiga¸c˜ao seria analisar a influˆencia das metarregras dos estudantes em suas concep¸c˜oes sobre matrizes e determinantes, no entanto, con- sideramos tal quest˜ao complexa e delicada. Tal investiga¸c˜ao demandaria um levanta- mento das metarregras dos estudantes quando lidam com matrizes e determinantes, bem como de suas concep¸c˜oes sobre esses conceitos. N˜ao foi nosso objetivo fazer um mapeamento geral das metarregras dos estudantes quando lidam com matrizes e de- terminantes. Por outro lado, de acordo com Jankvist (2009, p. 87) que usou hist´oria da matem´atica para alterar cren¸cas de estudantes sobre a matem´atica como uma disciplina, “reflex˜oes parecem ser um elemento central para mudar cren¸cas”. Como

31No original: [. . . ] by incessantly repeating themselves, the unwritten and mostly uninten-

ded rules shape people’s conceptions of “normal conduct”and, as such, have a normative impact. (SFARD, 2000, p. 170)

nosso objetivo inicial ´e promover reflex˜oes sobre metarregras, decidimos investigar o impacto dessas reflex˜oes na forma¸c˜ao de concep¸c˜oes sobre matrizes e determinan- tes. Ao se conscientizarem sobre as suas pr´oprias metarregras quando lidam com matrizes e determinantes, os estudantes poder˜ao refletir sobre a vis˜ao que eles tˆem acerca desses conceitos, percebendo e (talvez) revendo as suas pr´oprias concep¸c˜oes sobre esses conceitos.

Na pr´oxima se¸c˜ao, apresentaremos alguns trabalhos que investigaram concep¸c˜oes sobre um determinado t´opico do curr´ıculo e que apontam a importˆancia de influen- ciar as concep¸c˜oes dos estudantes sobre um conceito.

2.3.2

Concep¸c˜oes sobre conceitos matem´aticos: o que as