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CONCEPTUALIZAÇÕES RELATIVAS A UM ESPAÇO MAIS MICRO DE INTRA E INTERPESSOALIDADE

QUALIDADE DA SUPERVISÃO DA INVESTIGAÇÃO DOUTORAL:

5. CONCEPTUALIZAÇÕES RELATIVAS A UM ESPAÇO MAIS MICRO DE INTRA E INTERPESSOALIDADE

Neste último ponto agrupamos duas contribuições que, quando comparadas com as anteriores, parecem ser de âmbito mais ‘micro’, remetendo para o que chamámos de uma perspetiva de intra e interpessoalidade. Verificaremos que, em ambos os casos, será mais difícil chegar-se a uma organização visualmente organizada/sistemática, fruto da ‘pessoalidade’ em que se inserem ambos os pontos de vista: o primeiro de Styles e Radloff (2001) e o segundo de Grant (2003) – seguindo a ordem cronológica.

No centro de ambos os estudos encontra-se o espaço preenchido pelas subjetividades do supervisor e do estudante. O enfoque será colocado sobre a sua individualidade, com características mais académicas (no caso do contributo de Styles e Radloff, 2001) e com características mais pessoais e sociais (no caso de Grant, 2003). De qualquer modo, verificar- se-á que essa individualidade se encontra em relação com outro.

5.1. Modelo de supervisão sinergético e autorregulado34 (Styles & Radloff, 2001)

“The idea that this relationship is in some sense the essence of the postgraduate experience has been highlighted in the literature (McMichael, 1993; Acker et al., 1994; Hockey, 1994; Rowley & Slack, 1998) and, in a discussion forum at the international EARLI conference in 1997, students and supervisors rated the quality of their interaction as the most important aspect of the research degree process” (Styles & Radloff, 2001, p.97).

A citação inicial sublinha, de forma clara, a importância do relacionamento estabelecido entre os elementos da díade supervisiva. Esse é, de facto, um dos principais fatores do sucesso do processo supervisivo e investigativo, sendo uma das premissas centrais em que os autores suportam o artigo no qual explanam um modelo de supervisão sinérgico e autorregulado. Nos subpontos seguintes explanaremos os conceitos base do modelo que Styles e Radloff (2001) apresentam, os seus componentes principais, alguns benefícios, assim como algumas sugestões práticas.

5.1.1. Conceitos base

O modelo sinergético advém do facto de, tal como referimos, uma premissa central ser a complementaridade dos papéis e contribuições de supervisor e estudante ao longo de todo o

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processo supervisivo e investigativo. Os elementos da díade são, pois, responsáveis pela supervisão e investigação, as quais devem ser encaradas como uma oportunidade de aprendizagem e de profunda e sistemática reflexão do processo de supervisão, de investigação e até de conteúdos disciplinares específicos.

A essa sinergia acrescenta-se o conceito de autorregulação que diz respeito tanto ao supervisor como ao estudante. De acordo com as bases teóricas que os autores seguem, a autorregulação é um processo através do qual um indivíduo controla a direção, persistência e intensidade do pensamento, assim como as emoções e o comportamento de forma a alcançar os objetivos. Neste sentido, os indivíduos autorregulados demonstram ser agentes assaz ativos da sua aprendizagem a nível metacognitivo, motivacional, emocional e comportamental. Tentam, pois, maximizar e/ou otimizar a sua aprendizagem, refletindo, interessando-se e envolvendo-se profundamente nesse processo, em qualquer contexto em que um sujeito se encontre.

Considerando esse conceito de autorregulação, os autores sustentam que tanto o supervisor como o estudante devem deter essa característica, na medida em que ambos continuam a aprender. Todavia, a contribuição e o papel de cada um será diferenciado, consoante a expertise e a experiência que cada um detenha, assim como o contexto em que se encontrem e as tarefas que têm de desenvolver. Por conseguinte, podemos assumir a existência do que os autores mencionam como simetria de papéis de supervisor e estudante35.

Nessa simetria de papéis, e tendo em conta dois dos conceitos principais deste modelo, verifica-se também a existência de outros conceitos chave que lhes são subsidiários, os quais serão fundamentais no modelo, cujos componentes abordaremos no subponto seguinte. Assim, um desses conceitos chave, segundo os autores em questão, é a metacognição (“metacognition”): a consciência do que está envolvido na experiência pós- graduada e capacidade para refletir e agir sobre essa mesma experiência. Por sua vez, essa experiência pós-graduada é composta por aspetos como os seguintes (sendo também providenciada a respetiva definição):

• Objetivos (“goals”): motivos operacionalizados que conduzem ao envolvimento no processo investigativo e na realização de uma tese;

• Valores (“beliefs”): conceções, atitudes e sentimentos sobre si próprio, a tese, o contexto/ambiente;

• Estratégias (“strategies”): estratégias que permitem a consecução de diversas tarefas, nomeadamente estratégias de escrita, estratégias de persistência numa tarefa;

35 Traduzido, do Inglês: “the symmetry of the roles of the supervisor and the student” (Styles & Radloff, 2001, p.99).

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• Resultados (“outcomes”): os resultados podem ser de diversa natureza, como cognitivos (domínio do tema da tese) e/ou emocionais (por exemplo, satisfação e orgulho).

Por conseguinte, nesta sequência, os autores sublinham que um supervisor e um estudante autorregulado serão capazes de refletir sobre cada um dos quatro pontos mencionados, os quais serão regulados através de processos de metacognição.

5.1.2. Apresentação dos componentes principais do modelo

Na sequência dos conceitos abordados no subponto anterior, os autores identificam quatro componentes do modelo, que se articulam com os conceitos chave mencionados e que são definidos de forma contextual, considerando o processo supervisivo e investigativo pós- graduado:

• Motivação/Objetivos: É relevada a importância de supervisor e estudante partilharem alguns valores (mesmo que genéricos) e interesses semelhantes, nomeadamente em relação ao tema da investigação, para além de uma relação dialógica.

• Valores/Conceções: Embora a relação dialógica possa não existir imediatamente no início do processo supervisivo e investigativo, é essencial que os elementos da díade desenvolvam e demonstrem um entendimento comum no que concerne à temática de investigação e que partilhem de um mesmo conceito de tese e de trabalho pós- graduado.

• Estratégias: É essencial que supervisor e estudante partilhem de responsabilidades que dizem respeito a procedimentos, métodos de ação/atividades, estratégias, principalmente quando se trata de se ultrapassarem dificuldades.

• Emoção (ou afeto): É sublinhado o facto de a relação sinérgica e dialógica se suportar no compromisso que ambos os elementos da díade devem assumir em termos de apoio mútuo, confiança e respeito pelas ideias de um e do outro, assim como empatia, designadamente em relação a constrangimentos e problemas de um e de outro. Os autores sublinham que o estudante deve sentir compromisso e ownership em relação ao seu próprio trabalho. Para isso, o outro (o supervisor) não deverá impor ao estudante o(s) seu(s) próprio(s) interesse(s), nem, pelo contrário, deixar o estudante sem o apoio necessário para este concluir, com sucesso, o trabalho.

153 Motivação/ Objetivos Valores/ conce- ções Estratégias Emoção (ou afeto)

Apesar de os autores não apresentarem uma organização visual, podemos entender aqueles quatro componentes do modelo como interligados, ensaiando a sua integração na figura seguinte (figura 2.11).

Figura 2.11: Modelo: Elementos sinérgicos da experiência pós-graduada36 (Stykes & Radloff, 2001, p.100).

5.1.3. Alguns benefícios

Face ao modelo apresentado, cada autor revelou os benefícios que considera ter tido ao seguir o modelo apresentado.

O estudante sublinhou que: (i) desenvolveu a sua autoconfiança enquanto estudante de pós-graduação; (ii) as discussões regulares com a sua supervisora foram uma poderosa ferramenta de aprendizagem; (iii) encontrou a sua própria identidade e ‘voz’ enquanto investigador; (iv) desenvolveu diversas competências, devido ao estímulo dado pela sua supervisora; (v) desenvolveu uma relação profissional recompensadora e produtiva com a sua supervisora, baseada, nomeadamente, num estímulo intelectual mútuo e escrita colaborativa; e (vi) essa relação profissional transformou-se numa relação de amizade.

Por sua vez, a supervisora mencionou os seus ganhos em termos de: (i) conhecimentos relativos a processos e estratégias supervisivas, face à reflexão permanente a nível individual (ela própria) e conjunta (com o estudante); (ii) conhecimentos em termos do processo de autorregulação e aprendizagem do adulto; (iii) oportunidade em envolver-se numa investigação estimulante e criativa; (iv) aprendizagem específica de tópicos desenvolvidos e

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Traduzido, do Inglês: “The Model: synergic elements of the postgraduate experience” (Styles & Radloff, 2001, p.100).

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trabalhados pelo estudante, assim como confiança no uso dessa aprendizagem nas suas atividades enquanto docente; e (v) amizade, camaradagem intelectual e apoio mútuo investigativo e académico.

5.1.4. Outras notas e algumas sugestões práticas

De acordo com o modelo apresentado pelos autores, assim como a sua reflexão individual sobre as suas experiências enquanto estudante e supervisora, emerge como central o facto de a relação supervisiva dialógica e sinérgica adquirir contornos diferentes, consoante os elementos da díade supervisiva. Isto é, os autores assumem claramente que há muitos e diferentes estilos supervisivos, os quais têm de ser adequados ao contexto, às situações e às pessoas. Porém, isto requer uma reflexão profunda e continuada, mormente da parte do supervisor que terá de lidar com estudantes com diferentes personalidades e formas de trabalhar. Acrescente-se, ainda, a importância do processo de autorregulação da parte de estudante e supervisor, de modo que o processo supervisivo e investigativo seja considerado de qualidade.

Face ao que foi mencionado, os autores defendem que departamentos e universidades devem:

• Valorizar e estimular explicitamente práticas supervisivas sinergéticas (como foram caracterizadas);

• Providenciar tempo e recursos para supervisores e estudantes desenvolverem essas mesmas práticas;

• Estimular uma supervisão conjunta e colaborativa, assim como mentoria, para além de tempo para reflexão conjunta e aberta;

• Desenvolver um sistema de recompensa que estimule estas práticas;

• Desenvolver seminários formais e informais, dirigidos a estudantes, sobre diversos tópicos académicos relacionados com o seu trabalho pós-graduado – nomeadamente: escrita de tese, recurso a software específico para diversos momentos da investigação e tratamento de dados;

• Estimular o estabelecimento de equipas de supervisão constituídas por supervisores mais e menos experientes.

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5.2. Mapa para a supervisão37 (Grant, 2003)

“(…) supervision is not only concerned with the production of a good thesis, but also with the transformation of the student into an independent researcher. This transformation is effected through an individualised working relationship between the student and an ‘expert’ researcher (or two), a relationship that engages student and supervisor/s in productive power relations” (Grant, 2003, p.175).

De acordo com a citação inicial, a investigadora define o seu entendimento relativo à supervisão da investigação doutoral. Destacamos, assim:

(i) A ênfase colocada no estudante (e no seu trabalho): a supervisão tem como objetivo não só a produção de uma tese, mas também da transformação do estudante num investigador autónomo;

(ii) A ênfase colocada no processo relacional: a supervisão assenta numa relação cujo cerne principal são os elementos da díade. Por conseguinte, essa relação, de caráter particularmente intenso, assenta numa interação de ‘poder produtivo’38, apesar da negociação que também se observa.

Partindo do pressuposto de que a supervisão é complexa, instável (portanto, ‘sensível’ a mudanças e a contextos), uma mistura de aspetos de índole pessoal, social e institucional, racional e irracional, assim como repleta de (im)possibilidades e de até de riscos, Grant (2003) conceptualiza um ‘mapa para a supervisão’ onde todas essas características estão consignadas. É esse ‘mapa’ que descreveremos no subponto seguinte.

5.2.1. Apresentação e descrição do mapa para a supervisão

Primeiramente, há que relevar que Grant (2003) usa uma metáfora para caracterizar o ‘mapa’ que apresenta: a metáfora do palimpsesto. Isto, devido ao facto de o ‘mapa’ ser constituído por quatro camadas (“layers”) ou planos sobrepostos e integrados (figura 2.12), que passaremos a descrever, segundo a descrição que Grant providencia no seu artigo (2003).

De facto, ao observarmos a figura seguinte (figura 2.12) e respetiva legenda, identificamos as quatro ‘camadas’ que passamos a descrever nos parágrafos seguintes.

Uma primeira camada, tal como seria expectável, diz respeito à relação supervisor – estudante. Como Grant (2003) menciona, antes de ser uma relação de natureza individual (e que tem em atenção a individualidade de cada pessoa), ela é uma relação institucionalizada, pois o processo supervisivo de investigação doutoral é fundamentado nela. Normalmente, o

37 Traduzido, do Inglês: “A Map for Supervision” (Grant, 2003, p.176). 38

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supervisor representa a ‘autoridade’, pois detentor de conhecimentos, devendo guiar o estudante, assim como ajudá-lo a desenvolver competências de diversa ordem: de ética académico-científica, de escrita académico-científica, por exemplo.

Figura 2.12: Mapa para a supervisão, constituído por quatro camadas (Grant, 2003, p.186).

Por sua vez, uma segunda camada diz respeito às relações de poder entre três agentes de natureza ativa, que se transformam (em si mesmos) e que são transformadores (potenciando a transformação dos outros): o supervisor, o estudante e o conhecimento (que será consubstanciado na tese). É interessante verificar que a tese, sendo um artefacto de natureza institucional se encontra também incluída nessa relação de poder. Porém, é ‘natural’ que assim seja, uma vez que tem de obedecer a determinadas normas e critérios. Para além disso, encontra-se numa ‘posição’ para onde convergem relações de poder entre o supervisor, que ‘conhece’, e o estudante, que ‘irá conhecer’.

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Uma terceira camada diz respeito aos posicionamentos sociais de estudante e supervisor. Neste caso, o enfoque encontra-se na individualidade e na identidade específica e particular de cada pessoa que se encontra na supervisão. Consequentemente, nesta camada encontram-se aspetos de natureza idiossincrática e imprevisível que definem cada indivíduo em termos de: género, idade, etnia, sexualidade, expectativas, conceções.

Finalmente, a quarta camada é constituída por aspetos de natureza mais invisível e imprevisível. É como se a individualidade da pessoa da terceira camada se estendesse para esta. Porém, neste ‘espaço’, encontramos os aspetos e os desejos inconscientes de cada sujeito envolvido na supervisão.

Porém, apesar do caráter sistemático e organizado do mapa apresentado por Grant (2003), é-nos relembrado que a relação supervisiva é confusa e interseta as várias camadas referidas. É, portanto, de natureza dinâmica, sendo que supervisor e estudante interferem um no outro – daí também o uso da expressão de ‘poder produtivo’. Por isso mesmo, Grant (2003) vê a supervisão como um processo que será sempre diferente, consoante as pessoas que dele fazem parte, e, portanto, sempre caracterizado por diferentes individualidades, desejos, expectativas, riscos e poder(es).

SÍNTESE DO CAPÍTULO

Este capítulo surge do nosso esforço em encontrarmos sistematizações - fruto de revisão e aprofundamento teórico, de experiências mais pessoais e/ou de outros trabalhos empíricos - que apresentassem uma tentativa em conceptualizar o fenómeno sobre o qual colocamos a nossa atenção. Assim, face ao descrito, podemos chegar a algumas conclusões que sintetizamos nos parágrafos seguintes.

Apesar de termos encontrado alguns modelos/referenciais/sistemas/mapa (relembramos que a nomenclatura não é homogénea) que descrevem a qualidade do processo da supervisão da investigação doutoral, constatamos a inexistência, da parte da comunidade académica que se tem debruçado sobre este tema, em integrar as contribuições que têm vindo a emergir. Talvez este facto revele a ‘juventude’ académico-científica desta temática, assim como das discussões que têm vindo a surgir, progressivamente e cada vez com mais veemência. Porém, consideramos que essa não pode ser uma justificação para não existir uma discussão aberta que vise apresentar conceptualizações consensuais e/ou contraditórias (mas agregadoras) que reflitam os esforços e os trabalhos desenvolvidos nos mais diversos pontos do mundo. Consideramos que trabalhos e produtos individuais ou provenientes de grupos de investigação são essenciais para se avançar com o conhecimento sobre esta temática. Todavia,

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também cremos ser fundamental o esforço teórico-conceptual em dialogar as várias contribuições e trabalhos com o objetivo de se compreender melhor, mais aprofundadamente e com mais rigor um determinado fenómeno em estudo. Do agrupamento crítico e reflexivo das partes, poderá surgir um olhar mais enriquecedor sobre o ‘todo’.

Para além disso, apesar de ser consensual o facto de a qualidade da supervisão da investigação doutoral se centrar nos dois elementos da díade supervisiva, a maior parte dos estudos e conceptualizações apresentados tem vindo a focalizar a atenção na voz do supervisor, embora prevendo reações ‘em espelho’ relativamente ao estudante. Consideramos que, embora reconheçamos que o supervisor tem um papel fundamental na socialização do estudante, assim como na ação de ‘abrir de portas’ para o mundo académico-científico (que tem as suas normas, regras, prescrições), apesar de os estudantes apresentarem perfis diversificados, deve atentar-se nas suas expectativas, nas suas conceções, nas suas motivações, assim como experiências. Pensamos que, desta forma, a voz do estudante poderá ser mais ouvida.

Embora o agrupamento conceptual que apresentámos seja uma tentativa em organizarmos os vários contributos - devendo, por isso, ser revisto no futuro – parece-nos interessante observar que o maior número de trabalhos se ‘situa’ sobre o chapéu semântico dos estilos supervisivos. Por um lado, consideramos que esta é uma aproximação de cariz mais pragmático que poderá ajudar a atingir objetivos, também eles pragmáticos e operacionais, nomeadamente: ajudar os supervisores (que assim entendam e sintam essa preocupação) a refletir sobre a prática supervisiva e, eventualmente, a ‘orientar’ as suas ações. Por outro lado, revela uma preocupação de investigadores, também eles ‘atores’ supervisivos, em sistematizarem práticas, para melhor compreendê-las. De qualquer modo, cremos que ambas as perspetivas se conjugam e demonstram uma preocupação com a qualidade do processo de supervisão da investigação doutoral.

CAPÍTULO 3

OBJETIVOS E METODOLOGIA DO