• Nenhum resultado encontrado

PARTE B: CONCEITOS BASE DO NOSSO ESTUDO

2. SOBRE O CONCEITO ‘SUPERVISÃO’

Supervisão é um conceito central do nosso trabalho, pelo que sentimos a necessidade de tratar, brevemente, a ‘supervisão pedagógica’, revendo algumas das ‘vozes’ de referência da comunidade académica portuguesa: Isabel Alarcão, Flávia Vieira e Idália Sá-Chaves. Só em seguida nos debruçaremos, com um pouco mais de detalhe, sobre a ‘supervisão da investigação doutoral’, apoiando-nos em autores internacionais, face ao vazio conceptual existente em Portugal.

Podemos antecipar que consideramos ambos os ‘tipos’ de supervisão como ‘duas faces de uma mesma moeda’, na medida em que comungam de variadas características, mas cujo contexto ou operacionalização é diferente. Cremos que essa ‘moeda’ é o desenvolvimento holístico do ser humano através de um processo de aprendizagem interativo, dialógico, reflexivo, inquiridor, transformador, com vista à autonomia e ao desenvolvimento de uma identidade académica/profissional (consoante o contexto).

9

Relembramos que essas propriedades serão recolhidas junto da comunidade académica de uma determinada instituição de Ensino Superior. Desta forma, seguimos o que mencionámos sobre o facto de a qualidade dever ser um processo de construção, participação e negociação da parte de todos que fazem parte de uma determinada instituição. Cremos que, assim, a comunidade se poderá rever nos perfis de qualidade que serão apresentados como resultado do nosso estudo.

22

De facto, o conceito ‘supervisão da investigação doutoral’ atravessa todo o documento, mas as aproximações sucessivas que lhe faremos serão diferentes e complementares. Pensamos que devemos, desde já, explorar este conceito, em termos de definição e alguns pressupostos que lhe subjazem, na medida em que os capítulos teóricos se centrarão numa outra perspetiva mais integrada do fenómeno, nomeadamente em termos de referenciais de qualidade.

2.1. Supervisão (da prática) pedagógica

Embora não tenhamos como intento fazermos uma incursão pela história deste conceito no nosso país, pretendemos, no entanto, revisitar a forma como ele tem sido apresentado e trabalhado em Portugal. No quadro que se segue (quadro 0.1) sintetizamos os contributos que consideramos de relevo e incontornáveis para quem estuda esta temática. Manteremos uma ordem cronológica dos vários contributos para visualizarmos os aspetos comuns que o perpassam, assim como o seu próprio ‘amadurecimento’ ou ‘enriquecimento’.

Quadro 0.1: Definições de supervisão pedagógica.

Autores Definição

Alarcão & Tavares, 2003 – 2ª edição do livro cuja 1ª edição data de 1987

“(…) supervisão de professores como o processo em que um professor, em princípio mais experiente e mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional” (p.16)

Vieira, 1993 “(…) supervisão pode definir-se como ‘atuação de monitorização sistemática da prática pedagógica, sobretudo através de procedimentos de reflexão e de experimentação’ (…) Fazer supervisão é fundamentalmente interagir: informar, questionar, encorajar, avaliar” (p.11-12)

Amaral, Moreira & Ribeiro, 1996

“Supervisionar deverá (…) ser um processo de interação consigo e com os outros, devendo incluir processos de observação, reflexão e ação do e com o professor” (p.94)

Sá-Chaves, 2007 – 2ª edição do livro cuja 1ª edição data de 2000

“(…) perspetivas de supervisão que vão desde as intenções mais rígidas de inspeção e de direção até às mais flexíveis e facilitadoras de orientação e de aconselhamento” (p.117)

“Uma conceção de supervisão que, simultaneamente, abra a possibilidade do conhecimento mas, sobretudo, instaure a possibilidade do afeto, redimensionando e requalificando o clima relacional e, com ele, a qualidade da ambivalência nos sistemas de formação” (p.119)

23

Autores Definição

Alarcão, 2001  “(…) o objeto da supervisão redefinido como o desenvolvimento qualitativo da organização escolar e dos que nela realizam o seu trabalho de estudar, ensinar ou apoiar a função educativa por meio de aprendizagens individuais e coletivas, incluindo a formação dos novos agentes” (p.35)

Vieira, 2006a “(…) a supervisão, tal como a entendemos, deve conferir às práticas educativas: a transformação pessoal e social, inscrita nos valores da democracia. (…) supervisão como forma de estar na educação avessa à rotina, ao desgaste, ao ceticismo, ao cinismo… instauradora da esperança, da inventividade, da intuição, do gosto de experimentar, da descoberta, da reflexão e da dialogicidade… e promotora de ambientes de trabalho construtivos e intelectualmente estimulantes. (…) como teoria e prática de regulação de processos de ensino e de aprendizagem (…)” (p.8-9)

Alarcão & Roldão, 2008 “As novas tendências supervisivas apontam para uma conceção democrática de supervisão e estratégias que valorizam a reflexão, a aprendizagem em colaboração, o desenvolvimento de mecanismos de autossupervisão e autoaprendizagem, a capacidade para gerar, gerir e partilhar o conhecimento (…)” (p.19)

“A natureza questionadora, analítica, interpretativa, teorizadora e reflexiva do trabalho supervisivo, assente num acompanhamento e discussão permanente do processo e da ação e seus resultados, parece ser um alicerce para a construção do conhecimento profissional. A noção de supervisão remete para a criação e sustentação de ambientes promotores da construção e do desenvolvimento profissional num percurso sustentado, de progressivo desenvolvimento da autonomia profissional” (p.54)

Primeiramente, verificar-se-á que colocámos um símbolo no contributo de 2001 de Alarcão. Apesar de demonstrar uma evolução no seu pensamento, transferindo e abrangendo os pressupostos da supervisão para a organização educativa, não pretendemos debruçar-nos sobre essa perspetiva mais organizacional e de âmbito mais abrangente. Pretendemos, sim, focar-nos na supervisão que se opera a um nível mais ‘micro’ – portanto, entre indivíduos.

Há, inclusivamente, que constatar que, apesar de as várias citações revestirem a supervisão de uma perspetiva de facilitação, acompanhamento, orientação, tal como Sá- Chaves (2007), mas também como Alarcão e Tavares (2003) haviam mencionado, este é um conceito que havia sido entendido com um forte teor de diretividade, inflexibilidade, fiscalização, normas e poder por parte de quem exercia a supervisão. No entanto, verifica-se, pelos vários contributos, que o conceito apresenta uma carga semântica que poderemos chamar ‘positiva’.

Para além disso, um aspeto que perpassa todos os contributos é a tónica colocada no caráter processual da supervisão, o qual pressupõe o desenvolvimento humano e profissional.

24

No entanto, se o primeiro contributo coloca esse desenvolvimento no ‘outro professor ou candidato a professor’, verificamos que, progressivamente, todos os que estão envolvidos nesse processo supervisivo podem estar abertos a esse desenvolvimento ou transformação. Aliás, cremos que a referência à esperança, inventividade, intuição, gosto de experimentar, descoberta, reflexão e dialogicidade (Vieira, 2006a, 2006b), assim como aos mecanismos de autossupervisão e autoaprendizagem (Alarcão & Roldão, 2008) abrem espaço para que quem está em formação e o formador se encontrem expostos ao desenvolvimento e transformação: humano, pessoal, profissional, social. Estes são importantes objetivos do processo, para além do “progressivo desenvolvimento da autonomia do profissional” (Alarcão & Roldão, 2008).

Como também se pode verificar pelas várias citações, o processo supervisivo não ‘acontece’ apenas entre duas pessoas: pelo contrário, ‘acontece’ em colaboração, em interação, “consigo e com os outros” (Amaral, Moreira & Ribeiro, 1996), em coconstrução, como sublinha Alarcão e Sá-Chaves. Sá-Chaves (2007, p.154) salienta, aliás, que o triângulo fundamental é constituído por: formado – conhecimento – formando. Neste clima de natureza intra e inter-relacional, de partilha, as possibilidades dos afetos (Sá-Chaves, 2007) encontram- se permanentemente abertas, constituindo as emoções um aspeto fundamental no desenvolvimento de um ser humano.

Por sua vez, todo o processo e interação, com vista ao desenvolvimento, transformação e autonomia, estão fundamentados no que podemos considerar como um pilar estruturante da supervisão: a reflexão. A ela juntam-se a dialogicidade, o comprometimento, o questionamento. O supervisor, promotor, “facilitador ou gestor das aprendizagens, que exerce influência direta ou indireta sobre os outros” (Alarcão & Tavares, 2003, p.6) terá como papel fundamental a criação de “ambientes de trabalho construtivo e intelectualmente estimulantes” (Vieira, 2006) e, portanto, potenciadores de uma postura inquisitiva e de abertura ao desenvolvimento. Por isso mesmo, com base no pensamento de Schön e de Dewey, a reflexão antes, durante e depois, a meta-reflexão, a crítica e o questionamento constantes são o meio fulcral do processo supervisivo, o qual se deve entender em contexto, em situação.

De facto, embora não pretendamos focar-nos em todas as “abordagens supervisivas” apresentadas por Alarcão (2001) e Alarcão & Tavares (2003), desejamos sublinhar as abordagens reflexiva e dialógica cujos traços, cremos, se encontram patentes (embora não exaustivamente) nas perspetivas que mencionámos. Podíamos acrescentar, do nosso ponto de vista, a abordagem ecológica (inspirada na teoria de Bronfenbrenner), em que a pessoa, em desenvolvimento, se encontra ‘situada’ num contexto também ele em desenvolvimento. Consequentemente, as fronteiras entre os diversos contextos em que a pessoa em desenvolvimento se insere são permeáveis, de natureza dinâmica, sinérgica, dialogante,

25

interativa. Assim, tomando consciência da complexidade e influência dos contextos, através de um processo reflexivo e de questionamento constante, a pessoa poderá adequar as suas ações numa progressiva espiral de desenvolvimento, crescimento e autonomia.

2.2. Supervisão da investigação doutoral

Nesta primeira revisão, aproximamo-nos do conceito apoiando-nos em autores diversos e tentando seguir uma ordem mais ou menos cronológica. Dada a diversidade de perspetivas, torna-se interessante, para nós, observar as (re)elaborações das definições ao longo de um tempo – espaço temporal este não muito extenso. De facto, verificaremos que a diversidade de abordagens, apesar de semelhantes e complementares, denota a ‘juventude’ do conceito em termos de aproximação conceptual. Para além disso, o facto de os autores que o trabalham serem provenientes de vários países e, portanto, de contextos diversificados conduz, simultaneamente, a essa diversidade, mas também a perspetivas que poderão ser consideradas supranacionais. Se, por um lado, este último aspeto pode levar a uma aproximação teorizada sobre o conceito, por outro lado, do nosso ponto de vista, cremos existir a ausência de uma integração.

Em 1985, Connell menciona que a supervisão é uma tarefa extremamente complexa, bastante fluida (porque nunca parada no tempo) e que exige um mútuo compromisso (estabelecido entre supervisor e estudante), apesar de o processo supervisivo e investigativo não se circunscrever apenas à relação da díade, mas também a um ambiente social mais abrangente. Inclusivamente, é uma relação que envolve uma dimensão emocional, principalmente da parte do estudante, que se encontra em desenvolvimento. De facto, o crescimento intelectual é algo que caracteriza esta tarefa, mas para ambos os elementos: supervisor e estudante10. Do seu trabalho e envolvimento mútuos, um importante produto será criado: o avanço do conhecimento.

Por sua vez, Acker e colegas (1994), para abordarem a questão supervisiva, partem das tensões existentes sobre o objetivo e o processo do doutoramento, o qual pode ser:

10

É interessante observar como mais de 20 anos depois, Ismail e colegas (2011) referem o processo interativo e enriquecedor de natureza bidirecional que se estabelece entre estudante e supervisor. Nas suas palavras: “Supervision also can be interpreted as a two-way interactional process that requires both the student and the supervisor to consciously engage each other within the spirit of professionalism, respect, collegiality and open-mindedness. Supervision is a complex social encounter which involves two parties with both converging and diverging interests” (p.79).

26

“(…) either a training exercise or an original contribution to scholarship; the student and apprenticeship or an independent scholar; the goal scholarly creativity or speedy completion” (p.484).

Em termos de supervisão, apesar de os autores abordarem dois ‘modelos supervisivos’ que corresponderão a dois ‘estilos supervisivos’, os seus conceitos permitem-nos observar como eles consideram o processo: (i) de natureza técnica11, e/ou (ii) de natureza negociada12. Baseando-se no estabelecimento de uma relação entre supervisor e estudante, os autores caracterizam as duas ‘práticas’.

A primeira prática, como o próprio nome indica, coloca a ênfase no modo de realizar as várias tarefas associadas à investigação doutoral: há os passos que já se previa que tinham de ser seguidos, pelo que o estudante parece ser relativamente passivo e o supervisor mais diretivo. No caso da segunda, o seu nome remete para a negociação, sublinhando-se as mudanças e imprevisibilidades que podem decorrer ao longo do tempo. Por isso, o estudante tem ‘espaço’ para resolver problemas e ser criativo, sendo o supervisor um facilitador.

Face ao explanado, os autores consideram que a existência de ambas as perspetivas, como que mais operacionalizadas da supervisão, devem estar presentes ao longo do tempo em que o processo supervisivo decorre, devendo ser adotadas consoante as situações em que os sujeitos se situam.

Segundo Grant (1999), observamos uma definição que entrelaça aspetos de poder com o desenvolvimento de uma relação intersubjetiva, caracterizada pela identidade e o desejo de cada uma das pessoas que compõem a díade supervisiva. Por isso mesmo, situações expectáveis, mas principalmente imprevistas permearão o processo supervisivo:

“I map supervision as a particular pedagogical relationship to argue that it is simultaneously predictable and unpredictable in its course. It is predictable in that it is an institutionalized pedagogy predicated on the structural power and difference between the positions of supervisor and students; it is unpredictable because it is also an intersubjective relation which is subject to identity and desire – both of which mobilize, and are mobilized by, power” (Grant, 1999, p.1).

Por conseguinte, Grant (1999) observa o processo supervisivo como:

(i) Transparente: é uma relação estabelecida entre dois indivíduos autónomos, em que progressivamente o supervisor tenciona criar condições para que o estudante se desenvolva em todo o seu potencial, tornando-se um investigador independente. Porém, podem existir

11 Adaptado, do Inglês: “technical rationality model” (Acker, Hill & Black, 1994, p.484). 12

27

diferenças em termos de práticas, expectativas, para além de questões de poder, que podem tornar mais difícil o processo supervisivo.

(ii) Opaco: é uma relação que se baseia nas intersubjetividades que dela fazem parte. É, pois, uma relação afetiva, em que existem vários tipos de desejos (conceito entendido de forma abrangente): para agradar, para desafiar, para desenvolver um bom trabalho, para demonstrar autonomia, para ser respeitado, para ser reconhecido. O facto de o estudante se encontrar como que a ‘redefinir a sua identidade’ é uma relação processual que não se ‘faz’ apenas de previsibilidades.

Por conseguinte, Grant (1999) caracteriza a supervisão usando a metáfora de uma ‘ponte turbulenta’ (ou barulhenta, face às vozes provenientes das várias intersubjetividades)13: a supervisão não é algo previsível, havendo movimentos de mudança e erráticos. Por conseguinte, são necessárias atitudes de flexibilidade e negociação, devendo haver atenção a e sensibilidade para lidar com as várias situações14.

Johnson e colegas (2000) referem que a supervisão se encontra embebida por uma perspetiva de poder – ‘olhar sobre’, ‘super visão’ – no que concerne ao conhecimento e identidade académicos. Apoiando-se em outros autores, Johnson e colegas (2000) relevam o poder do supervisor, o qual deve assegurar as melhores condições onde a investigação se deve desenrolar, assim como o desenvolvimento dos estudantes. Consequentemente, fatores relacionados com o ambiente em que o supervisor se encontra e em que o estudante será, pois, envolvido, fazem parte também do processo supervisivo, uma vez que se encontram relacionados com o próprio acesso a recursos (humanos, financeiros, materiais).

Novamente uma autora já referida, Grant, num trabalho de 2001, refere que, no processo supervisivo, o supervisor tem a responsabilidade de saber lidar com as questões de poder15 (de natureza estrutural e relacional), com as diferenças entre si e o estudante que supervisiona em termos de motivação e não só (podendo essas diferenças ser, entre outras, de género, etnia, classe, idade, orientação sexual), de forma a existir bom senso, respeito entre os sujeitos e qualidade no processo investigativo. A essa perspetiva, Grant reconhece que, apesar

13

Traduzido, do Inglês: “rackety bridge” (Grant, 1999, p.9). 14

Aliás, é interessante notar que, mais tarde, Sambrook e colegas (2008) sublinham a importância da inteligência emocional no processo supervisivo, especialmente aliada ao feedback que o supervisor fornece ao estudante: de ambas as partes deve existir inteligência emocional para saber ligar com questões mais de âmbito académico do processo supervisivo, mas que não é isento de emoções.

15

Aliás, a perspetiva de ‘poder’ na relação supervisiva é uma linha conceptual que perpassa vários trabalhos em que esta autora se envolve. Já em 1999, num trabalho em coautoria com Graham, Grant sublinha que essas questões de poder são estabelecidas entre os dois ‘atores’ (ou mais, quando existem), devendo ser os dois capazes de agir, no sentido em que tanto um como o outro têm ‘poder’. Essa relação (embora baseada em questões de poder) pode, pois, ser considerada como uma relação de poder negociado, sempre que ambos os atores se predisponham a isso, ‘desafiando-se’ um ao outro.

28

dessas questões de poder, o processo envolve o supervisor e o estudante na sua completude, isto é, pessoas complexas e de natureza contraditória (em termos de (re)ação a situações diversificadas).

Num artigo de 2002, Pearson e Brew, ao focarem-se num programa de formação dirigido a supervisores, refletem também, embora brevemente, sobre a formação em investigação dirigida aos estudantes e sobre a prática supervisiva. Apesar de as suas perspetivas se ancorarem nos contextos australiano e britânico, apontamos aqui o que nos parecem ser aspetos supranacionais presentes no seu discurso. Face a um contexto complexo em que coexistem diversas expectativas e exigências, Pearson e Brew (2002) entendem a prática supervisiva como um meio de se proporcionar ao estudante um ambiente investigativo e de aprendizagem de alta qualidade. O estudante está, pois, no centro da prática supervisiva, sendo identificado como objetivo fulcral:

“(…) facilitate the student becoming an independent professional researcher and scholar in their field, capable of adapting to various research arenas, whether university or industry based (…)” (p.139).

Para além disso, as autoras não deixam de relevar que a prática supervisiva a nível de doutoramento tem também como objetivo o desenvolvimento, o crescimento pessoal do estudante16. Consequentemente, o supervisor tem um papel de facilitador, de ‘líder’ intelectual e profissional, devendo adaptar-se a várias circunstâncias de modo a atingir, da melhor forma, o objetivo mencionado. Para além disso, deve estimular também a interação com outros, a colaboração: este é um aspeto essencial, pelo que as competências de natureza interpessoal devem ser potenciadas. Considera-se, então, que o estudante se encontra num processo de socialização que o ajudará a tornar-se um investigador autónomo, conhecedor e membro de uma determinada disciplina. Inclusivamente, para que os objetivos referidos sejam alcançados, o supervisor tem de estimular um ambiente reflexivo. Na linha de Schön, as autoras sublinham a relevância de se aprender fazendo e da reflexão crítica sobre a experiência, não só individual, mas também num ambiente partilhado.

Por sua vez, Mackinnon (2004) considera que a supervisão se constrói entre pessoas e que, portanto, há tantas abordagens à prática supervisiva assim como há supervisores e estudantes. Por conseguinte, a autora sublinha a importância de se explorarem expectativas mútuas, assim como um compromisso e envolvimento mútuo em todo o processo, mas onde a reflexão, individual e partilhada, verbalizada e aberta, é essencial. Da parte do supervisor, é considerado que o enfoque é o estudante e a sua tarefa primordial é facilitar a contribuição do

16

29

estudante para o conhecimento e para a sociedade, tendo como base uma comunidade que partilha objetivos e valores académicos onde o estudante está enquadrado. Para que este objetivo seja atingido, usando a metáfora de uma ‘relação fiduciária’17, Mackinnon (2004) destaca que a relação supervisiva tem como base principal a confiança que pressupõe a partilha de responsabilidades, poderes e participação na tomada de decisões, que conduzirão, por sua vez, à potencialização da autonomia e independência académica.

Um pouco na linha da perspetiva de Grant (1999) que havia falado de intersubjetividades, Green (2005) destaca os conceitos de ‘subjetividade’ e ‘sujeitos’18. Assim, este estudioso compreende a supervisão como uma prática (i) que produz sujeitos, no sentido de ativa e diretamente implicada na formação do sujeito19, e (ii) de construção discursiva da subjetividade em termos de ‘constituição’ do tema/assunto de âmbito académico que o sujeito está a trabalhar. Esta conceção está, pois, de acordo com a que o autor releva no que concerne à educação doutoral: “(…) is as much about identity formation as it is about knowledge production (…)” (Green, 2005, p.153).

Para além disso, há que reter que o autor considera a supervisão como acontecendo num ambiente ecossocial, onde as trocas devem ser consideradas ‘em relação’ e dialógicas. Assim, apesar de o processo de trocas e transferências recíprocas se basear numa estrutura assimétrica (de poder e desejos, que têm de ser criticamente observados), a comunidade de prática é um local que proporciona ‘identificações’ e, como mencionado, transferências entre os que dela fazem parte. Em todas estas trocas, práticas e relações sociais, a linguagem é um veículo fundamental onde os sujeitos se desenvolvem.

Por sua vez, Petersen (2007) entende a supervisão como uma relação cujas fronteiras são negociadas, mantidas, desafiadas e reconstruídas – podendo verificar-se, aqui, que esse processo também terá subjacentes questões de poder. Para além disso, a autora observa, como ‘objetivo’ central da supervisão, a formação da identidade (do estudante), salientando- se, novamente, o seu caráter processual e a questão da subjetividade20. Por conseguinte, o processo em ‘tornar-se um académico’ vai ‘fundar-se’ numa relação negociada e dialógica, onde também as questões de poder têm de ser negociadas num ambiente simultaneamente diádico e social – sendo o social ‘operacionalizado’ com outros investigadores, assim como

17

Traduzido, do Inglês: “fiduciary relationship” (Mackinnon, 2004, p.395). 18

No Inglês, poder-se-á observar o ‘diálogo’ estabelecido entre os conceitos “subjectivity” e “subjects” (Green, 2005).

19

Embora pareça ‘simples’ e/ou linear, Green (2005) sublinha: “(…) subject formation is a never-ending