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PERTINÊNCIA DO ESTUDO E ALGUNS DESAFIOS PARA A SUPERVISÃO DA INVESTIGAÇÃO DOUTORAL

PARTE A: APRESENTAÇÃO GERAL

1. PERTINÊNCIA DO ESTUDO E ALGUNS DESAFIOS PARA A SUPERVISÃO DA INVESTIGAÇÃO DOUTORAL

para o contexto português. Face ao que será mencionado, exporemos as questões de investigação e identificaremos o objetivo central da nossa investigação. Concluiremos esta parte apresentando, brevemente, os capítulos que constituem este trabalho.

1. PERTINÊNCIA DO ESTUDO E ALGUNS DESAFIOS PARA A SUPERVISÃO DA INVESTIGAÇÃO DOUTORAL

“Much research has explored the characteristics of ‘effective’ supervision, and much has focused on collecting information about postgraduate research students’ positive and negative experiences that can inform guidelines about supervision, and improve supervisory arrangements and practices.”

(Petersen, 2007, p.476)

Atualmente, temos vindo a assistir a um aumento na produção científica que enfatiza a necessidade de se melhorar continuamente a qualidade do ensino, da aprendizagem e da investigação no Ensino Superior. Normalmente associado a este discurso, encontramos outro cujo enfoque se situa na avaliação. De qualquer modo, sejam estudos de índole nacional e/ou internacional reforçam a importância do incentivo e da promoção de uma cultura suportada no sucesso, na qualidade e na excelência em todos aqueles processos mencionados.

Nesta sequência, a citação da autoria de Petersen (2007) salienta uma temática assaz atual e relevante para ser investigada no contexto do Ensino Superior. Na verdade, a qualidade da supervisão da investigação pós-graduada, mais especificamente do 3º ciclo de Bolonha/Doutoramento, tem vindo a revestir-se de uma pertinência crescente nos contextos nacional e internacional. Consequentemente, revela-se fundamental refletir sobre, entre outros tópicos, as conceções que supervisores e estudantes de investigação manifestam relativamente à qualidade da supervisão da investigação, assim como sobre a definição do que caracteriza um processo supervisivo de qualidade, mais especificamente no que concerne às

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responsabilidades e papéis que devem ser desempenhados pelos supervisores e pelos estudantes (por exemplo: Connel, 1985; Cullen et al., 1994; Grant & Graham, 1999; Grant, 1999, 2001, 2005; Kandlbinder & Peseta, 2006; Manathunga & Goozée, 2007; Park, 2005, 2007, 2008; Pearson & Brew, 2002).

De facto, a preocupação com estas questões baseia-se na existência de múltiplos fatores, que permanentemente se entrecruzam, dialogam e, inclusivamente, se vão alterando e diversificando. Porém, sistematizando o contexto genérico no qual o ser humano e as instituições se movem, enfatizamos os seguintes tópicos, que reforçam a importância de desenvolvimento de investigação neste âmbito:

• As novas características da sociedade do conhecimento repleta de mudanças avassaladoras, que reforçam os conceitos de incerteza, perplexidade e “supercomplexidade” (Barnett, 2000; Brew, 2007; Park, 2005);

• As pressões de inúmeros stakeholders externos, nomeadamente do mundo do trabalho, da esfera económica e governamental sobre as instituições de Ensino Superior (Hodson & Thomas, 2003; UK Council for Graduate Education, 1996);

• Mais particularmente, a pressão das políticas económicas, sociais e profissionais, exigindo altos níveis de formação e consequente ‘demonstração’ de competências transversais e específicas para que um país se torne científica e economicamente mais competitivo (Burgess, Band & Pole, 1998; Chambaz, Biaudet & Collonge, s/d; Harman, 2003).

Os três grandes aspetos elencados, apesar de aparentemente externos às instituições de Ensino Superior, irão influenciar a sua realidade, assim como a dinâmica em que se movem (Hodson & Thomas, 2003). Mais especificamente, os desafios colocados ao Ensino Superior, em particular na temática que abordamos – o processo da supervisão da investigação doutoral - são ‘visíveis’ e variados. Podemos enunciar alguns como os seguintes:

• A ênfase na construção de uma ‘Europa do Conhecimento’ onde a investigação é vista como prioridade e desafio para o aumento da competitividade e atratividade das Áreas Europeias de Ensino Superior e de Investigação, bem como para o desenvolvimento económico, cultural e coesão social. Neste âmbito, o doutoramento e os programas doutorais são fundamentais para o avanço da investigação, da formação interdisciplinar e desenvolvimento de competências transversais (Bergen Communiqué, 2005; Berlin Communiqué, 2003; Leuven Communiqué, 2009; London Communiqué, 2007);

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• O aumento do número de estudantes de pós-graduação, no geral, e a nível doutoral, em particular, aliado à heterogeneidade e diversidade de características ou percursos desses estudantes (Harman, 2003; Henard & Leprince-Ringuet, 2008; Hodson & Thomas, 2003; Pearson & Kayrooz, 2004; Taylor, 2009);

• A mudança no ambiente de investigação das instituições de Ensino Superior, na conceção de investigação e de trabalho académico, nomeadamente devido a fatores relacionados com avaliação e financiamento, tempo e taxas de conclusão, assim como à existência de um maior número de projetos de investigação que são de natureza interdisciplinar e, progressivamente, outros transdisciplinares, onde o fenómeno de ‘fertilização cruzada’1 se tem começado a revelar crescente (Bissett, 2009; Brew, 2001, 2007; Coaldrake & Stedman, 1999; Enders, 2005);

• A mudança no desenvolvimento de estudos de investigação de pós-graduação e, nomeadamente, de doutoramento, onde se tem verificado uma diversidade de tipos de doutoramento - como o doutoramento ‘tradicional’, o doutoramento por publicação, o doutoramento em ambiente empresarial e, noutros contextos, o professional doctorate e o practice-based doctorate (Chambaz, Biaudet & Collonge, s/d; Park, 2005, 2007);

• A tónica colocada, em alguns países (nomeadamente no Reino Unido), na avaliação da qualidade da supervisão de investigação doutoral, seja na sua faceta de investigação, seja na sua vertente de formação (considerando os cursos e/ou disciplinas pelos quais os estudantes têm de passar) (Aspland et al., 1999; Bennet & Turner, 2012; Hodsdon & Buckley, 2011; Park, 2008);

• A conceptualização e definição de um ‘Código de (Boas) Práticas’ ou outros documentos de regulação a nível central, que definam as responsabilidades do supervisor, do estudante e da instituição de Ensino Superior - documentos esses que têm de ser integrados e adequados em cada instituição, face à sua própria cultura (QAA for Higher Education, 2004);

• O desenvolvimento de programas de desenvolvimento pessoal e profissional dirigidos a supervisores, em especial, pois assume-se que a qualidade do processo supervisivo de doutoramento depende bastante das competências dos supervisores (Brew & Peseta, 2004; Pearson & Kayrooz, 2004; Reid & Marshall, 2009).

De facto, a formação de um grupo de trabalho da EUA (European University Association) em 2008 - o Council for Doctoral Education – cujo enfoque, como o próprio nome

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indica, é a educação doutoral (da sua perspetiva geral que abrange formação, investigação e supervisão) revela a urgência de se debaterem variados temas, de âmbito mais amplo ou mais específico, que dizem respeito ao 3º ciclo de Bolonha. De facto, tal como é mencionado na página web da Associação2, os principais objetivos daquele grupo em particular podem ser identificados como: (i) continuar a desenvolver o 3º ciclo de Bolonha; (ii) fomentar diálogo e discussões sobre as mudanças e desafios na educação doutoral, na formação em investigação e na nova visão colocada sobre o doutoramento; (iii) partilhar casos de boas práticas; e (iv) melhorar a qualidade da supervisão de investigação, nomeadamente pelo desenvolvimento profissional dos supervisores.

Por conseguinte, face ao que acabámos de elencar, consideramos que é relevante pensar-se, refletir-se e discutir-se conjuntamente, com base em estudos teórico-conceptuais e em estudos empíricos mais sistemáticos ou mais baseados numa reflexão sobre práticas/ experiências, sobre os fatores que conduzem a ou ‘traduzem’ a qualidade do processo da supervisão da investigação doutoral.

A um nível mais específico, revela-se essencial compreender o que constitui ou define os perfis de qualidade do supervisor e estudante de doutoramento, principalmente no que concerne a competências transversais a todos os domínios científicos, por um lado, e específicas a cada área disciplinar, por outro, que os indivíduos deverão demonstrar e continuamente desenvolver e/ou otimizar. Como abordaremos mais à frente, para o nosso estudo, devido a constrangimentos de tempo e face à inexistência de estudos em Portugal sobre esta temática, elegemos debruçar-nos sobre a primeira perspetiva: a definição dos perfis de qualidade dos dois elementos da díade considerando competências transversais e supradisciplinares.

Apesar de já existirem inúmeros estudos cujos autores já têm vindo a trabalhar este tópico (como, por exemplo: Bartlett & Mercer, 2001a; Bills, 2004; Cullen et al., 1994; Felton, 2008; Petersen, 2007; Soothill, 2006), constatamos, por outro lado, a inexistência de uma sistematização agregadora/integradora, coerente e metódica que ‘cruze’ e/ou ‘dialogue’ as contribuições de vários estudiosos, grupos de investigação e/ou instituições sobre esta temática. Uma justificação para o facto que acabámos de salientar pode, eventualmente, residir na ‘juventude’ desta temática e, por conseguinte, na falta de tempo ou oportunidade para se realizar essa integração sistemática. No entanto, cremos que, antes disso, emerge como essencial conhecerem-se as conceptualizações que já existem, de modo a pensar-se sobre a melhor forma de agregar os vários contributos, no futuro, e as potencialidades de tal

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integração, em especial para o conhecimento aprofundado de determinado fenómeno e para uma discussão aberta, consciente e enriquecedora dentro da Academia (e também fora dela).

1.1. O contexto português

Apesar de em Portugal constatarmos a existência de uma diversidade de estudos, de material teórico e empírico sobre supervisão pedagógica (Alarcão, 1996, 2001; Alarcão & Roldão, 2008; Alarcão & Tavares, 2003; Sá-Chaves, 2007; Vieira, 1993; Vieira et al., 2006), a qual apresenta uma grande proximidade conceptual com a supervisão da investigação doutoral (como relevaremos na ‘Parte B’ deste capítulo), concluímos que existe um vazio téorico-conceptual e empírico sobre a temática específica em que nos debruçamos. Todavia, verifica-se que, junto da comunidade académica, começa a existir um maior enfoque e preocupação em torno de aspetos como os seguintes: (i) o aumento e a diversidade do número de alunos por supervisor de investigação; (ii) as estratégias de supervisão de investigação que deverão ser adotadas; (iii) a qualidade dessas estratégias e intervenções; e (iv) as competências e os papéis que são exigidos aos supervisores e aos estudantes de investigação pós-graduada. Contudo, são aspetos que emergem muito timidamente e por ‘entre silêncios’.

Para além disto, se internacionalmente verificamos a existência, mesmo que recente, de documentos de nível central e governamental, que tentam regulamentar a supervisão da investigação doutoral, em Portugal tal não se observa. Em contexto nacional, encontramos o Decreto-Lei nº 216/92 de 13 de outubro que se refere à obtenção dos graus de mestre e de doutor. No que concerne ao doutoramento relevamos apenas a definição que é dada:

“O grau de doutor comprova a realização de uma contribuição inovadora e original para o progresso do conhecimento, um alto nível cultural numa determinada área do conhecimento e a aptidão para realizar trabalho científico independente” (capítulo III, artigo 17º, ponto 1).

Para além disto, são descritos aspetos relacionados com acesso, candidatura, constituição do júri relativo à defesa pública e todos os procedimentos relacionados com esse tópico mais ‘organizacional’. Não há qualquer menção relativa ao que se espera do supervisor e/ou do estudante de doutoramento, à exceção do facto de:

“O orientador informará, anualmente, o órgão competente da universidade, por meio de relatório escrito, sobre a evolução dos trabalhos do candidato” (capítulo III, artigo 23º).

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Face ao que é mencionado, consideramos ‘surpreendente’ não haver um artigo ‘espelho’ que se refira ao estudante de doutoramento.

Acrescente-se, unicamente, a referência ao chamado ‘Estatuto do Bolseiro de Investigação’ da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), regulado pelo Decreto-Lei nº 202/2012, de 27 de agosto, e pela redação da Lei nº 12, 2013, de 29 de janeiro. Apesar de se referir aos indivíduos que beneficiam de bolsa de investigação, nomeadamente de doutoramento, o que observamos, novamente, é a inexistência de qualquer referência ao papel do supervisor e do estudante. Apesar do artigo 5º-A, no capítulo I, denominado “Deveres do orientador científico” e do artigo 9º e 12º, no capítulo II, denominados, respetivamente, “Direitos dos bolseiros” e “Deveres dos bolseiros”, ao analisá-los não encontramos qualquer menção ao que é expectável em termos de responsabilidades e competências que devem deter em termos do processo supervisivo. Apenas encontramos referência a aspetos operacionais dos seus papéis: cumprimento do plano de trabalhos, emissão de declarações verdadeiras sobre o decurso do plano de trabalhos, realização de relatórios sobre a consecução do plano de trabalhos (ou sua conclusão).

Para além disso, a temática sobre a qual nos focamos, torna-se ainda mais pertinente ser abordada em Portugal, uma vez que, embora se tenham reestruturado os doutoramentos ‘antigos’ ou ‘tradicionais’ para a nova estrutura do 3º ciclo de Bolonha, a verdade é que não se assistiu, nem no meio académico, nem governamental, a qualquer discussão sobre essa mesma reestruturação (muito menos sobre o processo de supervisão investigativa). Os silêncios têm, pois, permeado o contexto português.

Contudo, desde 2009/2010, aproximadamente, começa a surgir na instituição onde realizámos este estudo – a Universidade de Aveiro – a preocupação e intenção de criar uma Escola Doutoral, um pouco no seguimento das Doctoral/ Graduate Schools em especial dos países anglo-saxónicos. Apesar de não termos assistido a discussões de âmbito público em que tivessem sido explanadas as razões primordiais que estiveram subjacentes à sua criação, parece-nos que elas estão relacionadas com o contexto genérico e os desafios colocados à educação doutoral – na sua dupla componente de formação e investigação. Isso é o que, de facto, perpassa no documento da sua criação – Despacho nº 6403/2011 da Universidade de Aveiro.

Centrando-nos no Despacho mencionado constatamos a definição da missão da Escola Doutoral (artigo 4º):

“1 — A EDUA, de harmonia com o modelo organizacional estabelecido nos Estatutos da Universidade, tem como missão a coordenação de todas as atividades a nível do terceiro ciclo de estudos, interna e externamente, competindo-lhe ainda nesse âmbito

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emitir pareceres e formular propostas perante os órgãos competentes, designadamente sobre novas perspetivas de intervenção, cursos inovadores e admissão de alunos.

2 — Na prossecução da sua missão, a EDUA promove as condições adequadas ao desenvolvimento de programas doutorais de excelência e à cooperação, nacional e internacional, bem como à realização de ações específicas, com vista à inserção profissional dos seus doutorados, em conformidade com as correspondentes habilitações formativas e as exigências de mercado”.

O enfoque é, portanto, no 3º ciclo de estudos e apresenta um espectro amplo a ele relativo. Devemos ainda relevar que, no que concerne às suas áreas de atuação e competências (artigo 5º), há um ponto no qual focamos a nossa atenção:

“Monitorar e avaliar os programas doutorais, em articulação com os órgãos comuns competentes, de modo a contribuir para elevados padrões de qualidade, em particular ao nível da orientação e da lecionação” (ponto g).

Assim, face ao indicado, consideramos que o nosso trabalho poderá constituir um contributo para a instituição em que ele foi conduzido, como se constatará pelo objetivo central que identificamos no ponto seguinte. Porém, podemos avançar que, antes de qualquer monitorização e avaliação, é necessário perceber-se em que consiste a qualidade de um determinado fenómeno. Contudo, o conhecimento sobre essa qualidade não deve estar unicamente associado a processos de avaliação que sejam acríticos. Pelo contrário, um pouco na linha do que é relevado por Correia (2010), é importante que a qualidade não se resuma à “multiplicação de dispositivos de avaliação que, sustentando-se, em geral, em aparelhos e indicadores estatísticos, [contribuam] para a intensificação do processo de coisificação organizacional” (p.467). É essencial que a temática – e a reflexão que realizaremos sobre a qualidade de um determinado fenómeno – seja incorporada e (re)interpretada pela comunidade onde futuros processos de monitorização e avaliação se realizarão.

Por conseguinte, tais processos devem basear-se na reflexão sobre o papel da monitorização e da avaliação, sobre o que subjaz ao conceito de qualidade e a sua adequação à realidade, sobre as práticas. Por isso mesmo, será necessário, posteriormente, que esses processos de monitorização e avaliação sejam de índole formativa e sumativa, compreendam diversos instrumentos e com diversos propósitos (auto e heterorreflexão), para além de preverem a existência de diversos contextos (a título de exemplo: disciplinar, por um lado; e características das pessoas envolvidas, por outro) e objetos de avaliação.

Pensamos que, adotando e assumindo uma perspetiva em que o conceito de qualidade e a avaliação confluem um no outro, é que estará criada a condição principal para uma

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melhoria constante relativo ao fenómeno – neste caso, o processo supervisivo de investigação doutoral, tendo em conta os perfis de qualidade de supervisores e estudantes. De facto, o que acabámos de referir vai na linha do que Conrad (1999) sublinha:

“Recognising the context in which postgraduate supervision occurs is not the only important factor in effectively managing quality. Creating supportive context for evaluation to improve is also crucial. There must be an atmosphere of trust in which finding weaknesses and addressing them is cause for reward, not blame in which collegial cooperation and mutual support rather than competition are encouraged. It is the institution’s responsibility to create such supportive context” (p.20-21).

‘Localizamos’, pois, o nosso trabalho considerando o que a autora menciona não só em relação ao conceito de qualidade do fenómeno que estudamos3, mas também em termos prospetivos quando um processo de avaliação e monitorização for desenhado.