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CONCLUSÃO: UMA DIMENSÃO DEMOCRÁTICA E COMUNISTA, O COMEÇO DA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO COMUM

Os edifícios escolares ainda estão de pé, muitos deles tão maciços e imemoriais como sempre- construídos de pedra sólida. E novas escolas também estão sendo construídas.

(Jan Masschelein e Maarten Simons)

Durante toda a minha caminhada de vida sempre suspeitei da escola, mas não era uma suspeita de denúncia que renunciasse ao seu lugar de força. Era uma suspeita desconfiada que via na escola potencialidades gigantes de mudar o mundo. Eu sempre quis mudar o mundo, porque mudar o mundo para mim significava na infância dar à minha mãe e ao meu pai uma nova oportunidade de estudar, o direito de ir à escola, de aprender a ler e a escrever o mundo em que vivem e que compartilham.

Eu sempre quis mudar o mundo porque o mundo que minha mãe me contava era um lugar que a julgava por ser mulher, que não a deixava sonhar, voar, explorar, e que era um mundo que não representava os princípios de igualdade nos quais acredito e tanto defendo.

Eu sempre quis mudar o mundo porque o mundo do meu pai quando ele era criança, e mesmo quando ele foi adulto, era um mundo racista, que o tirou da escola por ser preto e o colocou no “seu lugar”, na fábrica, na indústria. Esse mundo não me parecia nem um pouco justo.

Eu sempre quis mudar o mundo porque o mundo que eu vejo nas ruas, de intolerância, violência, fome e frio, é um mundo que não cabe no meu mundo. Este mundo que me contaram sobre a escravidão, as guerras, as torturas, as mortes, um mundo que quase eu nem poderia acreditar que existia, senão fossem os livros e as memórias que eles registram, era o mundo que eu queria mudar.

Por amor a minha vida, meus pais me legaram a escola. A experiência do aprendizado, das relações. Tornei-me exploradora do mundo e lhe digo que me aventuro nas aventuras mais radicais, da igualdade e do amor.

Por amor à escola eu a defendo, porque na minha caminhada de vida, de estudante, da escola básica e da universidade, eu experienciei um espaço tão vivo que não me permite ser a

55 mesma. Um espaço que, acima de tudo, é construído por pessoas e, por ser assim, é construído pelas diferenças, pelos conflitos, pela dor, por gotas de suor, de alegria, de paixão e de sangue, mas que assume um caráter de justiça e de democracia quando assim é representada e construída como serviço público.

Pode ser, e eu não nego, porque sei que lutar pela justiça e pela democracia, é perigoso para alguns que não querem mudar uma suposta ordem do mundo (porque se beneficiam com ela, com o produto humano girando no mercado), mas defendo como nunca os edifícios escolares que sustentam a sociedade e luto para que cada vez mais, e sempre, a escola se torne viva no mundo humano e em toda e qualquer construção de humanidades. Mesmo que haja interessados em destruí-la e esquecê-la, “[...] os edifícios escolares ainda estão de pé, muitos deles tão maciços e imemoriais como sempre - construídos de pedra sólida. E novas escolas também estão sendo construídas” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 100).

A grande verdade é que a escola está aí, firme e forte, sendo construída, inventada e (re) inventada sempre, assim como a humanidade e as pessoas. O caminho que tracei durante vinte e duas primaveras pela educação foi certeiro, ressoou, significou, transformou, e é o que fez a minha voz.

Por isso apresento-lhes, em hipóteses sinceras, o verdadeiro motivo de existir a escola e porque a defendo tanto como um espaço de democracia, de igualdade e de tempo livre para aprender o conhecimento.

A escola renova o mundo, pois a educação educa as pessoas e as pessoas experenciam e compartilham umas com as outras este mundo criado, inventado. Vemos a educação como inserção no mundo humano pela aprendizagem, pela experiência e pela relação com o outro, responsável por preservar a existência individual e coletiva, por criar cultura humana e a preservar.

A escola é o princípio da igualdade, um lugar de todos, numa dimensão democrática, onde todos são capazes “de”. Trata-se da ideia radical de tornar homens e mulheres livres da condição social, econômica e política. Sendo assim, a escola e a experiência escolar de ser capaz “de” é eminentemente revolucionaria e produz um caráter de democracia. “Oferece o mundo como um bem comum, a fim de permitir a sua renovação através da formação de interesse e de curiosidade” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 101).

A escola torna o conhecimento uma prática comum entre todos, tornando-se assim um espaço de caráter comunista. O comunismo nesse sentido é a ideia de que todos compartilharão dos mesmos direitos e deveres, dos mesmos conhecimentos, das mesmas possibilidades de aprendizados na escola. Comunismo significa no latim communis, o que é comum, o que é universal. E o que esperar da escola senão uma construção coletiva de um conhecimento comum de um mundo público?

Verdadeiramente a escola é esse espaço de compartilhar o mundo, o comum. As experiências são postas para todos, sem exclusão, sem silenciamento. Todos são capazes “de”. A escola passa a ensinar que o filho do pedreiro pode andar no andar de cima, que o operário pode dizer não, que o metalúrgico pode ser presidente. É a arte da escola de tempo livre, que democraticamente canta a igualdade, a liberdade. A escola sente o pulsar do coração da alma e da mente de cada aluno que vive o tempo presente. Está envolvida nela milhares de pessoas. Podem ficar certos, a escola revolucionará nesse caminho.

A escola forma para a liberdade. A liberdade dos cidadãos associa-se ao conhecimento, à aprendizagem, ao pensamento crítico e responsável por suas ações no mundo. A sua força é também a sua fragilidade, pois ninguém tem piedade da escola. E ouso dizer, nem precisam ter. A escola resiste por si só. Não se trata de a cada tempo a escola ficar cada vez mais abandonada. Se trata, sim, e cada vez mais e sempre, de a escola se tornar um espaço de discussão, de análise e de reflexão e, assim, lembrada em cada nova geração. Lembrada como formadora de sujeitos emancipados, capazes de tomar decisões conscientes, críticas e responsáveis, por isso, transformadoras.

Educação e conscientização transcendem o inevitável cotidiano da escola. Formar o cidadão na sua complexidade, numa relação verdadeira, segundo Paulo Fensterseifer, “entre o não abandonar e o não sufocar”, mas razoavelmente educá-lo, construiremos um novo significado para a escola, forçando os muros de modo que a sociedade não precisará mais espiar o trabalho pedagógico dos professores, porque ela confiará no trabalho realizado do lado de cá.

Há um esforço por educar e insistir na educação. Esse esforço se dá porque apesar de todos os problemas de cada tempo, amamos as novas gerações e o mundo e queremos que ele seja preservado para que possamos nos manter nele, mesmo depois da nossa partida. E por essa tentativa de contar o mundo às novas gerações, em que ouvimos as histórias e perguntamos sobre ela, duvidamos e nos esforçamos para animar as nossas crianças a viverem e a compartilharem um mundo comum.

57 Queremos uma educação que sinta amor pelas crianças, uma educação que ame. Uma educação que não mata, não mata os sonhos, não mata a curiosidade, não mata os pensamentos. E essa escola se torna tão possível quando acreditamos no seu potencial, quando conversamos com as pessoas que não puderam estar nela, quando somos provocados a conflitá-la, quando pensamos na sua força e quando ouvimos histórias de pessoas como eu, que tiveram suas vidas transformadas por ela.

Há uma cumplicidade fluindo, sendo construída pela dialogicidade, pelo compartilhamento e trocas. A escola assume um caráter de responsabilidade social, deixando de ser uma máquina reprodutora de desigualdades e injustiças. O estado deixa de machucar os professores, cuida-os e educa-os com amor. Os professores deixam de machucar as crianças para cuidá-las e educá-las e, assim, conquistaremos o tesouro das revoluções. E lembramos que só a boa teoria e a boa prática não funcionam. A escola precisa ser amada e experienciada. Se não amas a escola, não esteja nela para educar sem amor.

A escola está sob ataque agora mais do que nunca. Como já indicamos, esses ataques não são novos. Desde a sua criação, e ao longo da história, a escola tem sido confrontada com as tentativas de domar a sua dimensão democrática e comunista. Esses esforços são mais mortais hoje do que nunca. Pode haver muitas escolas novas, e quase todo mundo pode (querer) ir para a escola, mas, como já dissemos, as estratégias e táticas, para domar a escola permanecem. E essas estratégicas e táticas atingem o coração da própria escola; a única coisa que torna a escola uma escola e anima a sua existência é o amor pelo mundo e à nova geração (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 100).

Sem carga dramática e sem responsabilidade de carregar o mundo, a escola permite tempo livre de experimentação do potencial como sujeito, como aluno, como pessoa. Com tempo de ser gente, de ser aluno, é possível a democratização e a justiça social. Para isso é preciso, sem dúvida, criar espaços escolares que permitam essa revolução do educar mediante a oferta de tempos de experienciar a democracia e a igualdade.

A escola de tempo livre para aprender a igualdade, a democracia e o amor. Ensinar a arte, a filosofia e a ética garante que os cidadãos avancem como humanos e que a sociedade se transforme. O sinal não pode estar fechado para nós que somos jovens, para nós que nascemos para o mundo.

A escola não pode ser substituída se ainda quisermos que o mundo se renove. E para isso acreditamos que é preciso um distanciamento da escola com o mundo externo, tornando-a

capaz de conduzir a aprendizagem, sendo colocada em primeiro lugar, acima de qualquer condição.

Por fim, por amor aos professores, precisamos cuidá-los e preservá-los, porque também precisam de atenção. É difícil estar na escola, sobretudo numa escola tão suspeita e denunciada. Criar condições que formem educadores para a sua responsabilidade é uma questão pública. Educar para que eduquem com compromisso. “Valorizamos os professores porque eles são os únicos que desbloqueiam e animam um mundo comum para as nossas crianças” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 108). “Somos pedagogos, e isso significa que, para nós, a escola, seus professores, sua matéria, e seus alunos são o que nós amamos” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 100).

Por amor a todos os adultos que um dia já foram crianças. Por amor às crianças que estão nas infâncias. Por amor à democracia, a igualdade e à revolução, verás que um professor teu não foge à luta e não fugirá, por cada nova geração. É melhor errar com a escola do que acertar sem ela.

59 REFERÊNCIAS

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ANJOS, Francieli da Silva. Um tempo livre para a igualdade: a skolé onde todos são capazes “de”. UNIJUÍ: 2017.

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ARENDT, Hannah. Que é liberdade? In: Entre o Passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2002.

BOUFLEUER, J. P. A aprendizagem em situação pedagógica e na mediação da docência. In: SANTIAGO, Anna. R. F.; FEIL, Iselda T. S.; ALLLEBRANDT, Lídia I. (Org.). O Curso de Pedagogia da UNIJUÍ - 55 anos. 1ed.Ijuí: UNIJUÍ, 2013, v. 1, p. 103-121.

BOUFLEUER, José Pedro. Formação de professores para o ensino de filosofia. In: TREVISAN, A. L.; ROSSATTO, N. D. (orgs.). Filosofia e Educação – Confluências. Santa Maria: FACOS – UFSM, 2005, p. 147-154.

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MARIN, Eulália Beschorner. Juventude escolar: escolarização e normas – A sujeição dos corpos e a extinção da paixão. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006.

MARQUES, Mario Osorio. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006.

MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

MORAES, Dênis. A esquerda e o golpe de 64. São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2011.