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A ESCOLA NUNCA É NEUTRA: ESCOLHE, VERIFICA, PRESSUPÕE, CONVENCE, ELOGIA E DESCARTA

6 SKOLHÉ E DEMOCRACIA: TEMPO LIVRE PARA APRENDER A IGUALDADE

7 A ESCOLA NUNCA É NEUTRA: ESCOLHE, VERIFICA, PRESSUPÕE, CONVENCE, ELOGIA E DESCARTA

A educação transmite por que quer conservar; e quer conservar porque valoriza certos conhecimentos, certos comportamentos, certas habilidades e certos ideais. Nunca é neutra: escolhe, verifica, pressupõe, convence, elogia e descarta.

(Fernando Savater)

A escola nutre-se de mudança e, por isso, ela torna a sociedade possível. Desconstrói- se a ideia habitual de um lugar fechado, rachando pensamentos retrógrados, levando-nos a pensar em uma escola transformadora, compromissada com as discussões da sociedade e com a organização humana. A escola nunca é neutra, pois nela há vida, há memória histórica, experiência humana, o tesouro das gerações, a anterioridade pedagógica. Preservar é preciso.

De fato, tem sido difícil não entregar à escola a responsabilidade de todos os problemas da sociedade, como a violência, a corrupção, a alienação, as injustiças, a fome, as guerras. Tudo culpa da escola. Em meio à urgência de resolver os problemas e as grandes preocupações do nosso tempo deixamos à escola, somente à escola, a responsabilidade de tudo resolver, exigindo pressa e excelência nessa tarefa.

Na ânsia de culpar o outro, nesse caso, a escola, por ser incapaz de melhorar o mundo com as próprias ações, passa-se a investigar a escola e denunciá-la, deixando professores vulneráveis à sua condição, fechados em salas de aula, que a todo o tempo são espiados e rastreados, pelas críticas da economia, da elite, da política, da religião, que temem que a escola se torne um espaço de conscientização humana. Parece-me tão atual se debruçar nesse tipo de discussão, descaracterizando o espaço escolar e tornando-o vilão.

A escola existe porque ela é um lugar de construção humana, geradora do diálogo, das relações, a troca de pensamento crítico e inovador. Lugar de formação e, por isso, um lugar de amor. Em um olhar mais complexo a escola se torna mundo, cheia de culturas, infâncias, histórias e singularidades. Ela é plural, é diferença, é dificuldade, desafio, exploração. É a possibilidade de pensar o mundo, não simplesmente para existir nele, mas para vivê-lo por uma

51 experiência democrática, onde todos têm possibilidades de produzir significado nele e praticar o conhecimento.

Em vidas rotineiras do cotidiano escolar, com hábitos de práticas pedagógicas que muitas vezes, deixam a desejar por uma educação de qualidade, nos deixam escapar entre dedos uma parte importante de ser pensada, a parte mais importante de ser construída, a emancipação do homem na sociedade. Que ideia de homem e mulher queremos formar para o mundo? Quais os arranjos da aprendizagem em termos da liberdade são decisivos para que a sociedade se torne um futuro melhor? Construindo justiça e possibilitando a mudança e a transformação social, a equidade entre as classes, os gêneros, a sexualidade, entre as pessoas?

Eu trago nas minhas escritas a ideia de uma educação que emancipe os sujeitos, que provoque e que construa conhecimentos que deem sentido às aprendizagens e à vida em sociedade e, para isso, eu preciso de professores que caminhem comigo, que sejam cúmplices desse novo mundo de escola que queremos, uma escola que se constrói com professores que deem partido às ações, professores que não silenciem, que não escolham ensinar a intolerância ao invés da tolerância, o ódio ao invés do amor, o preconceito ao invés da inclusão, o machismo ao invés do feminismo, a homofobia ao invés do respeito.

É mais do que necessário, é urgente, a formação de qualidade para nossos educadores. Uma formação que seja responsável pela docência e pelo espaço escolar. Não dá para simplesmente ignorar que os professores estão carentes e fracos, sem cuidados. Temos que pensá-los com amor. Vivemos para educar de modo que o sujeito compreenda o seu espaço, o seu tempo e a sua própria liberdade. Isso requer responsabilidade na educação, consciência e apropriação da própria cultura. Compreender o amor em sua amplitude e singularidade, o respeito, a dignidade, a empatia e a compreensão da sua vida no mundo, o torna um sujeito emancipado, com suas razões e emoções equilibradas e em sintonia com a aprendizagem que nasce de si próprio e se entrelaça com a relação do outro, tornando-se, assim, uma pessoa transformadora.

Na visão dialética a escola surge como um espaço de mediação, na busca por superar a visão de uma "escola salvadora da sociedade", e de uma "escola reprodutora das desigualdades". Enquanto a visão salvadora nos mostra as questões positivas e necessárias da escola e nos propõe um consenso, a visão reprodutora nos apresenta que estas questões positivas e necessárias são pertinentes somente à classe dominante, pregando, assim, um conflito de antagonismo de classes. A escola é instituição da conscientização da vida humana, das

construções sócio- históricas e, por isso, ela carrega consigo a responsabilidade de uma dívida histórica com as classes trabalhadoras e um compromisso de luta incansável pela educação popular e, principalmente, ela se torna responsável por aquelas que estão, por inúmeros motivos, fora da escola. Essas condições nos levam a pensar a educação como uma prática de liberdade, a formação do pensamento crítico e não mais a formação de um povo ingênuo e incapaz de interpretar o mundo em que vivem, que trabalham e constroem enquanto se corrói. Para isso a escola precisa discutir.

Como aprender a discutir e a debater com uma educação que impõe? Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhes uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autentico, porque recebendo as formulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e procura. Exige reinvenção (FREIRE, 1977, p. 96).

Não será possível a democratização da cultura da liberdade por este caminho. A escola se torna refém das fechaduras e não despertará a consciência, a descoberta, a autonomia, a criticidade, o novo para um povo que se renova. As novas gerações nos lembram as falhas, e a escola se torna ainda mais responsável por ela.

Liberdade é partido. Por isso, lutamos por uma escola sem censura e que, acima de tudo, toma decisões conscientes e responsáveis com o mundo comum, verifica, analisa, pressupõe e descarta, porque uma escola formadora da justiça, da dignidade do povo, da igualdade e da democracia, não pode ficar do lado da injustiça, da desigualdade, do preconceito, da intolerância e do ódio.

A escola cria um bem comum, que é o foco na aprendizagem e no conhecimento. Este saber poderoso que é capaz de emancipar os sujeitos, torná-los conscientes do seu mundo, e despertar a ideia de serem livres e não presos a um sistema, a uma condição social, ou a uma condição econômica, até mesmo de gênero e sexualidade. Para mim, este é o grande tesouro que a escola carrega. A capacidade de conscientização e emancipação do seu aluno. Um sujeito consciente não se curvará diante do opressor, mas se tornará livre. Essa tarefa educacional, que é também uma questão de atenção e de mundo, consiste em educar para a liberdade, para a emancipação, formando sujeitos empoderados. E isso não se faz na neutralidade, não se faz no vazio. Faz-se, acima de tudo, pela construção de ideias, de conceitos, que trazem consigo uma história, uma memória, um lado. É claro que educar para a liberdade pode doer muito para

53 alguns que insistem em dizer que a escola não pode tomar partido das construções e narrativas históricas. Como já vimos, propor uma educação de tempo livre para tornar os humanos livres e o mundo comum não convém para manter a ordem do mundo como ele está.

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Por que a essência dos pássaros é o voo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que eles amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado (Rubem Alves)4.

Escolher pássaros em voo é escolher uma história para contar. É tomar partido de uma dimensão humana que, sobretudo, está do lado da liberdade. Escolher uma educação democrática é estar junto dos princípios da igualdade, compreender que não somos iguais, o que é absolutamente revolucionário. Encorajar o voo faz parte da tomada de decisão da escola. A escola não só precisa assumir um partido, como tem um caráter partidário por essência da sua institucionalização. Não correremos o risco de receber uma carta de denúncia de algum aluno sobrevivente de nossas aulas, nos cobrando o partido da justiça, da tolerância, da democracia, da igualdade e do amor. Não falharemos como professores, nem como escola, para não falharmos como humanidade.

“Prezado Professor,

Sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver. Câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas por médicos diplomados. Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas.

Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades.

Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educação. Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis.

Ler, escrever e aritmética só são importantes Para fazer nossas crianças mais humanas.”

(Carta dirigida a professores encontrada em concentração nazista)5.

4https://contadoresdestorias.wordpress.com/2012/02/19/gaiolas-e-asas-rubem-alves/.

CONCLUSÃO: UMA DIMENSÃO DEMOCRÁTICA E COMUNISTA, O COMEÇO