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4 O ECLIPSE EDUCACIONAL DA FAMÍLIA: A ÉTICA, A RELIGIÃO, O SEXO, AS DROGAS E A VIOLÊNCIA

Note-se que todas essas são questões sobre as quais boa parte da demanda social reclama urgência quase histericamente, solicitando à escola, com angústia irritada, a consolidação quase taumatúrgica dos mesmos valores que ela, em casa ou na rua, renunciou a definir e a defender.

(Fernando Savater)

Fernando Savater propõe à escola o seu único caráter, o ensino para humanizar, se assim os pais assumirem suas utopias. Na sua obra O valor de educar ele traz algumas socializações primárias necessárias, que são de ordem familiar, para que na escola os educadores se preocupem e dediquem o seu tempo em ensinar e praticar o estudo. Savater refere-se à ética, à religião, ao sexo, às drogas e à violência.

Não precisamos de muitos esforços para saber que a primeira socialização está frágil. Assuntos como a ética, a religião, a violência e, principalmente, temas mais polêmicos, como o sexo e as drogas, são cada vez mais escassos nas famílias. Há um conservadorismo ou, até mesmo, uma falta de compreensão/informação que faz com que pais se isentem dessa responsabilidade, reclamando com urgência e solicitando às escolas essa consolidação, pois a falta dessa formação traz problemas sérios para a sociedade, como já estamos vivendo e experienciando atualmente.

As discussões em torno da ética e religião são crescentes. Por um lado, compreende-se que a ética é uma alternativa laica à disciplina da religião, pretendendo transformá-la numa doutrinação para quem não ouve os sermões dominicais nos templos. E podemos analisar, a partir disso, que em muitos países e lugares a ética e a religião “chegam a se mesclar de tal modo que a formação moral é deixada pelas autoridades civis diretamente nas mãos de eclesiásticos” (SAVATER, 2000, p. 91). Por outro lado, compreende-se uma reflexão mais alargada de sua condição, distinguindo-se da religião quanto ao seu objetivo. Já que “a ética é uma coisa de todos, ao passo que a religião é questão de alguns” afirma Savater.

Longe de ser uma alternativa, a ética e a religião servem para exemplificar para os alunos a diferença entre os princípios racionais que todos nós podemos

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compreender e compartilhar (sem deixar de discuti-los criticamente) (SAVATER, 2000, p. 94).

Outra questão é a educação sexual. As crianças crescem na frente da televisão, do computador, do YouTube, das tecnologias em geral, e isso as atravessa cada vez mais e sempre. Num mundo que gira em torno do consumo desenfreado de conteúdos que estão ao fácil alcance das crianças, os pais ficam apavorados e, inseguros, pois cada vez menos têm tempo para seus filhos para educá-los nessa condução, ou sequer sabem como fazer. Com isso, os pais também deixam de assumir a tarefa de se preocupar e educar para a cultura digital, mais uma vez responsabilizando os produtores de conteúdos pela má educação de seus filhos e dos jovens.

As crianças já não crescem em um mundo de segredos cujo recato com frequência devia-se mais à hipocrisia do que ao pudor, mas num contexto de solicitações e imagens literalmente desavergonhado. Antigamente a educação sexual tinha de combater os mitos propiciados pelo ocultamento, que transformava tudo o que era sexual em “obsceno” (ou seja, deixava-o fora do cenário, nos bastidores), ao passo que agora ela tem de enfrentar os mitos nascidos de um excesso de explicitude tumultuoso e comercializado, que coloca o sexo constantemente sob os refletores da atenção pública (SAVATER, 2000, p. 95).

Sem dúvida, uma boa instrução é uma importante tarefa educacional. Pelo dialogo responsável, que considere o sexo uma grande e grandiosa ligação humana, pode-se “explicar que o sexo não tem nada a ver com recortes olímpicos, que ele é mais rico quando envolve sentimentos e não apenas sensações” (SAVATER, 2000, p. 98). Os jovens necessitam de (in) formação. Jovens formados são mais responsáveis e conscientes com a sua condição.

As drogas também trazem uma grande problemática para a atualidade e para os pais,

[...] por que as drogas estão aí, por toda a parte, exatamente como continuarão estando em qualquer futuro previsível das sociedades democráticas: sua quantidade e número de variedades não deixaram de aumentar um só dia desde que foram proibidas (SAVATER, 2000, p. 99).

Por experiência humana já sabemos que as drogas se tornam curiosidade de muitos jovens. Em alguns casos, influem a situação familiar; em outros, os jovens se drogam para conhecer, para experienciar algo novo, descobrir o proibido. Mas na maioria das situações, “o longo período de escolaridade e a longa dependência dos pais diante de um futuro de trabalho

incerto” (SAVATER, 2000, p. 99), é que são as principais causas que levariam, segundo Savater, os jovens a se drogar.

Pais sem tempo livre para educar só podem deixar para a escola a responsabilidade de ensinar a “dirigir o carro” quem decidir usar esse veículo. “Na escola só se pode ensinar os responsáveis da liberdade, não aconselhar os alunos a renunciarem a ela”. Que culpa tem as drogas pelo seu desenfreado abuso? Que culpa tem a noite por causa dos ladrões?

Na situação atual, enquanto continuar em vigor a absurda penalização do uso de drogas, os esforços dos professores para preparar os jovens para enfrentarem esse confuso disparate não poderão ir além de lhes recomendar que não mitifiquem a ilegalidade... e muito menos a legalidade (SAVATER, 2000, p. 101).

E, por fim, Fernando Savater discute sobre violência. A pergunta horrorizada, por que os jovens são tão violentos? E eu lhes pergunto: por que não seriam? Certamente seus pais são, seus avós o foram, as sociedades humanas são. A violência está em toda a parte, em toda a nossa historicidade. Foi pela violência que chegamos até aqui, pela violência coletiva e por suas consequências.

É certo que os pais temem que seus filhos sejam violentos e a sociedade também. Mas “uma sociedade humana desprovida de qualquer traço de violência será uma sociedade perfeitamente inerte” (SAVATER, 2000, p. 102). A virtude de nossa condição violenta é nos ter ensinado a temer a violência e valorizar as instituições que fazem desistir dela, afirma Savater. A escola é uma instituição que nos faz desistir dessa condição e nos leva para outro lugar de aprender, sem necessariamente viver a violência.

De fato, os pais, as ruas e a sociedade renunciaram a definir e defender essas socializações, deixando para a escola a responsabilidade de fazê-lo.

Tanto com respeito à violência como respeito ao sexo, nada é menos aconselhável pedagogicamente do que as grandes de virtuosas do tipo “tudo ou nada”, lançadas de vez em quando pelos políticos que não sabem o que dizer e doentiamente secundadas pelos menos de comunicação. Os professores devem sempre lembrar, embora os outros esqueçam, que a escola serve para formar pessoas sensatas, não santos. Caso contrário, por querermos tornar os jovens bons demais nãos os ensinaremos a serem suficientemente bons (SAVATER, 2000, p. 104).

37 Nem santos nem demônios, nem o céu nem o inferno. Apenas aquilo que é razoável para a educação.

É imprescindível que pais remontem a essas questões na relação com os seus filhos. O esforço de compartilhar a vida, o conhecimento sobre essas questões como a ética, a religião, o sexo, as drogas e a violência, fazem parte do processo de humanização de um sujeito que, com certeza, viverá em uma sociedade que lhe oferecerá essas condições em inúmeras circunstâncias. Preparar os seus filhos, caminhar juntos, “ajudar a crescer”, requer esse compromisso. Exige dos pais esse empenho, que pode ser e, sem dúvida, é muito doloroso. Mas será mais doloroso do que ver o seu filho crescido e sendo educado pela força de um “superpai”? Quando os pais não assumem a responsabilidade de serem pais, outros poderes assumirão por eles.

No próximo capítulo iremos discorrer sobre esses assuntos, perguntado como a escola, na falta responsável dessa primeira socialização pelos pais ou responsáveis, é capaz de se preocupar e também assumir essa educação.