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A prática do planejamento para o alcance do desenvolvimento evoluiu historicamente das ações informais dos primórdios das sociedades humanas, assumindo o perfil atual após inúmeras fases onde essa prática político-social internalizou aspectos profundamente centralizadores, de valorização etnocêntrica dos recursos naturais e de priorização da dimensão econômica. E, apesar das profundas diferenças ideológicas entre os sistemas econômicos das nações comunistas e dos países capitalistas, o perfil dos processos de planejamento manteve o aspecto centralizador estatal, diferenciando-se apenas no grau de intervenção do Estado nos processos econômicos. E, embora os regimes democráticos dos contextos capitalistas repassassem a idéia da participação social no planejamento, essa participação se deu sob dois eixos principais:

a) o “cálculo egocêntrico” que Habermas (sd, apud GONÇALVES, 2008) definiu como a ação dos atores sociais motivadas pela lógica da dominação, aprisionando a comunicação livre pela lógica instrumental do sistema e incorporando-a nas relações hierárquicas e de intercâmbio que encobrem a dominação;

b) a “teoria do conflito” na qual, mesmo em cenários não-revolucionários, a participação se dá mediante o conflito social, onde os privilegiados buscam manter, consolidar e ampliar os seus ganhos materiais, contrapondo-se aos desfavorecidos que buscam ampliar os seus acessos individuais ou coletivos (OBERSCHALL, 1973, apud ALEXANDER, 1988).

Em função dessas posturas originais, e apesar das inúmeras crises econômicas, sociais e ambientais que forçaram discussões e revisões dos processos de planejamento para modelos mais participativos (focados menos na economia e mais nas preocupações sócio- ambientais), esses processos ainda trazem em si as essências da centralização decisória e da dominação política. Na Amazônia Brasileira, aonde nos últimos quinze anos experiências participativas de planejamento vêm sendo tentadas, essas limitações históricas apresentam-se como principais fatores de frustração das mesmas. Seja na esfera pública local, seja nas instituições públicas ou civis existentes para gerar mudanças, predominam as limitações impostas (legal ou ilegalmente) pelas classes sociais organizadas na configuração dos espaços políticos, nas estratégias de focalização reducionista e nas formas de planejamento. Por corresponder aos valores hegemônicos da sociedade regional e dos contextos externos, predomina o planejamento centralizado, focado na visão etnocentrista e pragmático-utilitarista dos recursos naturais e na acumulação econômica desigual (VIEIRA, 1989; CAMPANHOLA e GRAZIANO, 2000; CABUGUEIRA, 2000; BARQUERO, 2002; ALMEIDA, 2004; MIRANDA, 2007). Por assim ser e pelos resultados sociais insatisfatórios, ampliam-se na região os confrontos entre o Estado e os movimentos sociais autônomos e o número de segmentos sociais em inércia política (ARATO, 1994; CAMPANHOLA e GRAZIANO, 2000; MIRANDA, 2007). E por persistir, esse cenário tradicional inibe as iniciativas concebidas sob referenciais participativos, o aperfeiçoamento metodológico das mesmas e a organização dos segmentos populares.

Mas, apesar da realidade comentada, vários pensadores (como VIEIRA, 1989; CAMPANHOLA e GRAZIANO, 2000; CABUGUEIRA, 2000; BARQUERO, 2002; ALMEIDA 2004; VERDEJO, 2006), embora comentem as limitações políticas impostas pelo Estado à participação social ampla, defendem a reformulação pacífica da esfera pública, através de processos e metodologias participativas adequadas. E mesmo outros estudiosos como Arato (1994) e De Toni (2006), que reforçam o distanciamento político existente entre o Estado e a sociedade civil autônoma, reconhecem a necessidade e a possibilidade de pressões dos movimentos sociais como caminhos democráticos para a obtenção dos direitos instituídos

e demandados. Todas essas percepções teóricas parecem aglutinar-se em torno idéia de Habermas da “racionalidade aprendente” onde os grupos sociais podem desenvolver competências mais complexas para conhecer a realidade e superar os desdobramentos autoritários das explicações apenas racionais. Igualmente, encontram eco nas reflexões de Freire (1987), para quem a carência de conhecimentos formais da população excluída dos processos de planejamento não impede a sua participação efetiva na esfera publica, já que possuem experiências, conhecimentos e percepções que complementam o saber formal na construção de estratégias de desenvolvimento.

Ocorre que, embora as linhas de raciocínio e conclusões de todos estes autores sejam conseqüentes, complementares entre si e adequadamente inseridas no cenário regional comentado, apresentam algumas lacunas cognitivas carentes de respostas contextualizadas:

a) apesar do fracasso histórico das experiências centralizadas de qualquer ideologia e das possibilidades teóricas da reformulação democrática da esfera pública, como resolver na prática o conflito entre as tendências radicais dos movimentos sociais contestadores e as práticas políticas tradicionais?

b) dentro da perspectiva democrática, como se dá a superação das situações reais de participação alienada e manipulada, para alcançar-se a participação interativa?

c) qual a real capacidade de participação dos segmentos sociais pobres no planejamento participativo, face às suas limitações escolares, à desinformação sobre os espaços políticos instituídos, à inexperiência político-organizacional e aos comportamentos de lateralidade cultural internalizados como forma de resistência?

d) como superar as práticas políticas tradicionais que são reproduzidas pelas lideranças comunitárias (formais e informais) e que contribuem para manter a população pobre em processos manipulados de participação ou em inércia política?

e) que papel desempenha a participação (des)organizada dos grupos informais (associações não-legalizadas, movimentos sociais de contestação e/ou desobediência civil), no contexto do desenvolvimento sustentável?

f) como a perspectiva “aprendente” de Habermas se expressa no cotidiano das populações locais politicamente marginalizadas, no contexto de sua cultura e organização e diante das influências externas?

g) que metodologias podem contribuir para o afloramento do conhecimento informal nos planejamentos participativos?

Embora a maioria destas indagações supere os limites deste estudo de caso (metodologias para a participação na construção de projetos de desenvolvimento local), carecem de respostas a serem obtidas por novas pesquisas, pois, em maior ou menor intensidade, estão ligadas às questões da participação das localidades interioranas no planejamento para o desenvolvimento sustentável. E no plano das especificidades regionais, a literatura visitada mostrou a existência de lacunas significativas de conhecimento, tais como:

a) carência de estudos de caso sobre experiências concretas de desenvolvimento em nível de comunidade, na Amazônia;

b) ausência de estudos que abordem de forma concomitante, ação e reflexão, nas iniciativas das pequenas comunidades rurais amazônicas para o desenvolvimento local;

c) inexistência de estudos sobre iniciativas locais para o desenvolvimento a partir da mobilização dos próprios atores residentes, sem a participação de um órgão externo, tais como as ONG’s, universidades e institutos de pesquisa.

Nestas lacunas de conhecimento se localizaram as inserções do presente estudo de caso, abordando as questões ligadas à participação social e aos procedimentos metodológicos estimuladores dessa participação. Focado na questão central de conhecer em que medida a participação das pessoas no planejamento participativo corresponde à incorporação do saber tradicional e das demandas locais no planejamento (enriquecendo-o e legitimando-o), buscou conhecer a real capacidade de participação política das populações pobres, como se dá essa participação objetiva e as metodologias potencializadoras da interação social.

Pretendeu também contribuir para o melhor entendimento da mobilização e desmobilização dos atores locais em função dos fatores internos e externos ao território local.

Em termos externos, analisando, a partir das evidências e percepções dos moradores, as práticas tradicionais de planejamento e gestão, as metodologias ocorrentes nas iniciativas inovadoras e o entendimento dos agentes institucionais em relação às culturas locais e suas implicações na participação.

Em nível interno, e sob a mesma ótica, buscou apreender a lógica de socialização dos atores locais entre si e nos processos do funcionamento social da comunidade.

Assim, buscou o entendimento destes aspectos limitadores das iniciativas locais de planejamento participativo e desenvolvimento sustentável. Aplicando os recursos metodológicos (detalhados no próximo capítulo) para detectar aspectos da realidade que influenciem a participação dos atores residentes (as relações sociais, a percepção dos mesmos sobre o seu território, seu modo de vida e sobre o universo institucional externo) e analisando os resultados destes recursos metodológicos na obtenção destas informações.