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3. O CENÁRIO DE ITACOÃ-MIRI: HISTÓRIA, PARTICIPAÇÃO E CONFLITO

3.2. O perfil comunitário de desenvolvimento atual

3.2.2. Os eixos do desenvolvimento local

A aplicação da matriz MLIPC (para identificação do perfil comunitário) no estudo de caso descortinou a visão dos atores locais sobre a realidade em que vivem, a partir da percepção coletiva local sobre os cinco eixos de desenvolvimento considerados: capital socioambiental, capital produtivo, governança, capital social e capital humano.

Em termos gerais, os três primeiros eixos apresentam-se como os mais problemáticos, por terem recebido avaliação inferior a três (ver quadro abaixo). Isso porque as

avaliações de cada um deles, através de suas variáveis componentes, apresentaram resultados insatisfatórios, como evidenciaremos na sequência descritiva.

Quadro 5: Avaliações Médias dos Eixos de Desenvolvimento, segundo a MLIPC

EIXOS DE DESENVOLVIMENTO CONSIDERADOS MÉDIA POR EIXO

1. Capital Socioambiental 2,6

2. Capital Produtivo 2,4

3. Governança 2,2

4. Capital Social 3,8

5. Capital Humano 4,1

MÉDIA GERAL DOS EIXOS 3,0

Fonte: MIRANDA, com base em pesquisa de campo, 2008

O detalhamento das variáveis de cada eixo, realizadas a partir de agora, evidenciaram claramente as áreas problemáticas e os pontos fortes.

No eixo temático relacionado à área sócio-ambiental (ver quadro a seguir), embora se apresentem como potencialidades para crescer a relativa fertilidade da terra, as condições climáticas e o conhecimento tecnológico dos moradores sobre os recursos naturais disponíveis, os demais indicadores (à exceção dos recursos hídricos) apresentam-se problemáticos. A reduzida consciência ambiental da população gerou baixos índices de preservação ambiental, com redução quase que total das matas primárias. Com isso, praticamente desapareceram os recursos madeireiros nobres e os animais silvestres. E a caça e a pesca, em face da degradação do ambiente e às práticas predatórias de captura, praticamente desapareceram do cotidiano dos moradores.

Quadro 6: Avaliações Médias do Eixo Capital Socioambiental, segundo a MLIPC

1. CAPITAL SÓCIOAMBIENTAL MÉDIA

1.1. Água 3,0 1.2. Pesca 2,0 1.3. Matas 2,0 1.4. Madeiras 1,0 1.5. Preservação matas 1,0 1.6. Caça 2,0 1.7. Terra 4,0 1.8. Clima 5,0 1.9. Tecnologia 4,0 1.10. Consciência ambiental 2,0

MÉDIA GERAL DO EIXO 2,6

Fonte: MIRANDA, com base em pesquisa de campo, 2008

Em termos econômicos, a realidade não é muito diferente: excetuando-se a segurança da titulação fundiária, a facilidade do acesso à terra e as razoáveis possibilidades de escoamento da produção (transporte), todas as outras variáveis ligadas à produção apresentam-se em condições precárias. A organização dos produtores, embora aparente um bom nível de interação por se estruturar em grupos de produção e/ou em núcleos familiares, apresenta problemas de gestão interna (comentados no capítulo III). Além disso, a ineficiência e/ou insuficiência dos atendimentos públicos e civis em termos assistência técnica, crédito e fomento, limitam a produtividade dos cultivos. E estas baixas produtividades, associadas aos baixos preços recebidos nos mercado, rebaixam os ganhos econômicos e limitam a capacidade

de investimentos próprios dos produtores. Além disso, a indisponibilidade e/ou insuficiência de energia estreita o leque de possibilidades para agregação de valor aos produtos locais, limitando o acesso dos mesmos a patamares do mercado melhor remunerados.

Quadro 7: Avaliações Médias do Eixo Capital Produtivo, segundo a MLIPC

2. CAPITAL PRODUTIVO MÉDIA

2.1. Acesso à terra 5,0 2.2. Titulação fundiária 6,0 2.3. Energia 1,0 2.4. Transporte 4,0 2.5. Mercado 2,0 2.6. Rentabilidade 1,0 2.7. Recursos financeiros 2,0 2.8. Acesso ao crédito 1,0 2.9. ATER 1,0 2.10. Organização 1,0

MÉDIA GERAL DO EIXO 2,4

Fonte: MIRANDA, com base em pesquisa de campo, 2008

No que concerne às políticas públicas (governança), apenas o abastecimento local das habitações com água potável destaca-se como algo positivo no atual estágio da comunidade. A educação fundamental, os atendimentos em saúde e o abastecimento doméstico de energia elétrica, funcionam em termos do razoável. Mas a segurança pública, o saneamento básico, o ensino secundário, as estradas e o transporte coletivo deixam muito a desejar, na percepção dos moradores. Além disso, a reduzida descentralização da esfera

pública local, aliada à limitada legitimação dada aos Conselhos Municipais, evidenciam poucas possibilidades de mudanças breves, via participação dos moradores no planejamento público.

Quadro 8: Avaliações Médias do Eixo Governança, segundo a MLIPC

3. GOVERNANÇA MÉDIA

3.1. Descentralização planejativa 3,0

3.2. Legitimação dos Conselhos 2,0

3.3. Ensino Fundamental 3,0 3.4. Ensino Secundário 0,0 3.5. Saúde pública 3,0 3.6. Energia 3,0 3.7. Água tratada 4,0 3.8. Saneamento básico 0,0 3.9. Estradas e transporte 2,0 3.10. Segurança pública 2,0

MÉDIA GERAL DO EIXO 2,2

Fonte: MIRANDA, com base em pesquisa de campo, 2008.

Do ponto de vista consensual dos atores locais, estes são os eixos mais problemáticos da realidade local. O que não significa a ausência de problemas nos dois outros eixos de desenvolvimento, como se verá a seguir.

Apesar da valorização extrema que os comunitários dedicam à educação, esta atitude coletiva é prejudicada pela ausência significativa do Estado local e pelas atitudes político-partidárias que embasam as decisões sobre a escola (professores, materiais, merenda

escolar, a implantação do ensino secundário, etc.). Exemplo recente disso foi a substituição da coordenadora escolar anterior (de origem local, atuante e com graduação em pedagogia) por outra sem a mesma formação pedagógica, apenas por critérios de proximidade política com a nova administração eleita em outubro. E a solidariedade interpessoal, apesar de ser um dos pontos fortes da comunidade, apresenta um caráter religioso e acrítico que dificulta a sua prática no universo objetivo e formal da produção e da organização associativa. Isso porque desvincula os direitos individuais e coletivos (acesso a créditos, benefícios sociais e ganhos econômicos das atividades, etc.) dos respectivos deveres (participação assídua, responsabilidade, esforço e comprometimento). Assim, esse desvio cultural, reforçado pelas práticas políticas clientelistas e pelas incipientes atuações institucionais, dificultam a auto- mobilização nas organizações sindicais e associativas.

Quadro 9: Avaliações Médias do Eixo Capital Social, segundo a MLIPC

4. Capital Social MÉDIA

4.1. Solidariedade 5,0

4.2. Interação lideranças 4,0

4.3. Mobilização p/ os problemas 4,0

4.4. Mobilização p/ projetos internos 3,0

4.5. Mobilização p/ projetos externos 4,0

4.6. Valorização da educação 6,0

4.7. Participação político-eleitoral 4,0

4.8. Participação sindical 3,0

4.9. Participação associativa 3,0

4.10. Atuação dos agentes externos 2,0

MÉDIA GERAL DO EIXO 3,8

Por último, a auto-avaliação dos atores locais sobre a sua coletividade, indica potencialidades significativas: formação escolar básica e bom nível de conhecimentos técnicos (não só em face dos conhecimentos empíricos do cotidiano organizacional e produtivo, como pelas inúmeras capacitações executadas localmente por agentes institucionais). Igualmente, consideram que os moradores, as lideranças e os técnicos têm adequada percepção dos problemas locais e que os dois últimos segmentos conseguem articular-se satisfatoriamente na construção de alternativas aos problemas, apesar da restrita capacidade criativa das lideranças.

Quadro 10: Avaliações Médias do Eixo Capital Humano, segundo a MLIPC

5. Capital Humano MÉDIA

5.1. Formação escolar 4,0

5.2. Capacitação técnica 4,0

5.3. Percepção dos moradores 6,0

5.4. Percepção das lideranças 5,0

5.5. Conhecimentos tecnológicos 4,0

5.6. Conhecimentos associativos 5,0

5.7. Criatividade das lideranças 2,0

5.8. Atuação externa das lideranças 5,0

5.9. Criatividade dos Agentes 4,0

5.10. Qualidade de vida 2,0

MÉDIA GERAL DO EIXO 4,1

Em assim sendo, evidencia-se claramente que a baixa qualidade de vida local não é gerada por deficiências de capital humano, mas de impossibilidades objetivas de articulação proativa destes recursos humanos com as demais variáveis e eixos (ligados à esfera socioambiental, produtiva, política e institucional).