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Com base na análise dos dados quantitativos recolhidos, articulando com a análise dos discursos de dirigentes das ONGD foi possível perceber que estas organizações têm modos de construção da capacidades para o desenvolvimento próprios, relacionados com valores, instrumentos, recursos e estratégias.

São organizações da sociedade civil que se formaram em contextos históricos diferentes. As primeiras ONG portuguesas surgiram já no século XIX, mas sobretudo após a revolução de abril e mais tarde com a entrada na Comunidade Europeia em 1986. Factos que favoreceram a abertura a novas oportunidades de criação de organizações orientadas para a área do desenvolvimento. As primeiras ONG cujo trabalho se baseava, sobretudo, na ‘ajuda aos pobres’, em actividades de caridade levadas a cabo, em particular, por organizações de inspiração religiosa, tem pouco a ver com as ONGD de hoje, embora o espírito missionário de ‘ajuda ao próximo’, possa ser em alguns casos ainda um valor central e determinante na actividade de algumas ONGD.

Quanto aos outputs do desenvolvimento decorrentes da actividade das ONGD foi possível perceber que estes exigem a consciência um tanto sofisticada na reflexão das possibilidades de desenvolvimento que, por vezes, não se traduzem em resultados tangíveis – como infraestruturas, acesso a água potável, estradas. (tendência observada em algumas ONGD) E tem a ver mais com a intervenção ao nível das mudanças das mentalidades. Isto é, os resultados de sucesso não serão tanto a concretização no final de cada projecto de desenvolvimento dos objectivos iniciais, mas o que fica ou o que vai permanecer. Em resumo, a autonomia das populações.

Através da análise dos discursos dos dirigentes das ONGD identificámos a ocorrência frequente de termos associados às perspectivas teóricas do desenvolvimento baseadas na participação e empowerment. A sua utilização pode traduzir a simples apropriação de uma linguagem e terminologia própria do sistema de Ajuda ao Desenvolvimento, alimentada na interacção dos diversos agentes e isso ter pouca expressão nas actividades para o desenvolvimento ou, ir mais além desta apropriação e basear-se em práticas cada vez mais racionalizadas assentes num saber teórico e prático decorrente das experiências e conhecimento acumulado (note-se a idade das ONGD). Porém, tal facto não significa que nas actividades para o desenvolvimento acabem por conduzir ao empowerment das

populações (se for esta a intenção). No terreno, como vimos, podem interpor-se factores de bloqueio seja por estratégias nem sempre adequadas ou por razões de contexto (culturais, políticas) próprias às realidades onde actuam.

Também a consciência de que não se faz desenvolvimento, em contextos micro, mas que é necessária a ligação a estratégias de desenvolvimento globais em que estas organizações têm um papel a realizar, foi também notado a partir da análise dos discursos dos dirigentes das ONGD.

Além das possíveis orientações para modelos de desenvolvimento participativos juntam-se outros elementos que notam processos de construção de capacidades para o desenvolvimento como: a introdução de metodologias de investigação-acção, projectos apoiados em estudos conjunturais e sectoriais dos países onde actuam, reflexão e mudança de estratégias organizacionais, no sentido, de criação de competências e aposta na qualidade que lhes permitirá competir com as suas congéneres internacionais – embora estes elementos não tenham sido encontrados em todas as ONGD entrevistadas.

O seu contributo nos PALOP tem vindo a ser significativo aliado às próprias políticas oficiais portuguesas nesta área, ponderando entre necessidade e oportunidade. Como vimos, através dos dados globais relativos às ONGD (Plataforma Portuguesa das ONGD/Banco Mundial) a maior parte das ONGD nacionais seguem a linha estratégica da cooperação portuguesa ao privilegiarem como destino dos seus projectos os países PALOP, dos 179 projectos em curso em 2005 67% estavam a ser desenvolvidos nos PALOP.

Pela proximidade histórico-cultural, pela relativa facilidade de comunicação através da língua portuguesa ou mesmo por questões de oportunidade de financiamento, as ONGD do estudo seguem a mesma tendência, embora tenha sido referido por uma ONGD não serem estes os destinos prioritários no seu trabalho para o desenvolvimento.

De referir que a capacitação para o desenvolvimento encontra variações nas ONGD estudadas em termos de captação de fundos – que é a principal dificuldade quase consensual com que se debatem as ONGD. Porém, esta é vivida de forma diversa pelas ONGD entrevistadas. Desde da quase impossibilidade de sobreviver sem os fundos públicos (referência ao incumprimento dos prazos de entrega do financiamento estatal e às dificuldades que acarreta na gestão das actividades), passando por uma dependência relativa, a uma quase autonomia aos fundos oficiais portugueses. Por exemplo, em relação

a este último caso, uma das ONGD recebe 70% de fundos privados e 30% de fundos públicos.

As dificuldades ainda sentidas financeiramente tem conduzido por um lado, a sofisticar (com qualidade, rigor) as suas práticas, nomeadamente, na formalização das candidaturas a financiamento e por outro lado, a procurar oportunidades financeiras em diversas origens em Portugal através de doadores privados (empresas ou particulares, a fundos oriundos dos países beneficiários, mas também a fundos europeus e de outras agências de financiamento internacionais. Actualmente, foi referido, as ONGD apostam no sector privado na procura de fundos, embora tenha sido dito que desejavelmente uma ONGD deve ser financiada sobretudo por particulares como garantia de independência e como salvaguarda do seu papel interventivo e crítico sobre as políticas de desenvolvimento.

As ONGD, apesar de referirem a necessidade de contratação de trabalhadores em Portugal, debatem-se com dificuldades em mobilizar recursos humanos com perfil adequado ao trabalho desenvolvido por estas, por exemplo: pela formação inadequada, pela falta de experiência, pela mentalidade voluntarista mas pouco profissional, pela exigência de contrapartidas que as organizações não conseguem satisfazer. Face a esta dificuldade por vezes optam por contratar trabalhadores estrangeiros que trazem experiência e outros conhecimentos.

As ONGD estudadas notam diferentes envolvimentos nas causas que dizem respeito ao movimento das ONGD no seu conjunto e da importância reivindicada sobre os seus contributos para a sociedade – de um discurso mais militante e político para um discurso mais centrado e focado nas suas possibilidades de acção.