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Condição juvenil e estigmas

No espaço urbano, os jovens moradores, que pertencem às camadas populares, distribuem-se pelos bairros mais afastados, ou nas favelas, em locais geralmente denominados por periferia15. Esses locais não possuem infra- estrutura adequada de saúde, educação, cultura, as habitações são precárias, etc. Como assinala Novaes (2006), o local de moradia, ou seja, o bairro onde se vive, pode ser critério de diferenciação, abona ou desabona, amplia ou restringe acessos: “Hoje, certos endereços, também trazem consigo o estigma das áreas urbanas subjugadas pela violência e a corrupção dos traficantes e da polícia - chamadas de favelas, subúrbios, vilas, periferias, morros, conjuntos habitacionais, comunidades”. (idem: 106)

Em contraponto, para Magnani (2006), periferia seria “uma categoria operativa em termos de dicotomia espacial (pois há condomínios de luxo em bairros afastados, assim como a presença de pobres e moradias precárias em regiões centrais)”. (idem: 39) Contudo, em alguns bairros da cidade de São Paulo, por exemplo, a denominação periferia também aparece no discurso dos rappers, enfatizando não a carência, mas o pertencimento. Configura-se assim, “uma certa visão propositiva, segundo a qual, “ser da periferia” significa participar de um certo ethos que inclui tanto uma capacidade para enfrentar as duras condições de vida, quanto pertencer às redes de sociabilidade, a compartilhar certos gostos e valores”. (ibidem 39)

Essa capacidade dos jovens de enfrentar as dificuldades inerentes a sua condição social, criando redes de sociabilidade e de integração social nos bairros onde vivem, reagindo às condições adversas é que faz a diferença e se contrapõe à visão muitas vezes preconceituosa e homogeneizante de quem olha os moradores dos bairros distantes, de fora e de longe.

15 “Ser da periferia” palavra que vem do grego peri “em volta de” - pode estar associado a um processo de

sujeição, ora a um processo de subjetivação. O primeiro ocorre nos casos em que se é objeto de políticas públicas precárias, limitantes, subjugadoras e por vezes arrasadoras, ou de práticas domesticadoras e assistencialistas pseudo-piedosas de algumas “entidades”, ou do clientelismo de certos representantes de comunidades; o que não dizer de imagens redutoras, homogeneizantes e estigmatizadoras produzidas em muitas reportagens, romances e filmes pelos que olham a periferia de fora e de cima, e que só tem olhos para a privação e a destruição. (In: Sexta feira, no. 8, Periferia, 2006)

Nesse caso, são caracterizadas pela situação de pobreza, que nem sempre é determinante, pois há a presença de pobres nas regiões centrais ou que se distribuem em outras localidades, nem sempre localizadas em bairros distantes. Assim, pobreza deve ser entendida como um conceito comparativo, e sua qualidade relativa aos outros gira em torno das desigualdades sociais. Para tanto, referendamos a abordagem da pesquisadora Zaluar (2000) quando afirma que “(a pobreza) não é uma conseqüência de sua cultura, mas o resultado de políticas sociais que provocam uma real privação material e uma real exclusão dos pobres nos campos ocupacional, educacional e político”. (idem 41)

Entretanto, os adeptos da corrente da “cultura da pobreza”, segundo essa autora, “acreditam que os pobres desenvolvem uma cultura exclusiva que se caracterizaria pelo mínimo de organização acima da família e pela falta de integração às instituições da sociedade mais ampla” (ibidem:42). Ou seja, uma forma discriminatória de encarar os segmentos sociais populares, pois há diferentes formas de organização familiar, que nem sempre obedecem ao modelo de família tradicional, mas que são igualmente legítimas, dependendo do meio social onde se vive.

Outra questão que se coloca é que, geralmente, as organizações governamentais e não-governamentais atribuem o fato dos jovens moradores das áreas periféricas estarem vivendo em situação de risco e/ou vulnerabilidade social. Para Abramovay (2003), o conceito de vulnerabilidade social, comumente empregado em certos estudos realizados na América Latina e elaborado a partir de critérios econômicos, baseia-se na carência de recursos, tanto materiais como simbólicos, que impedem atores sociais de terem acesso às oportunidades sociais, econômicas e culturais. É uma carência que atingiria, principalmente, os jovens das classes populares, podendo conduzi-los a uma situação de violência social.

Compreender vulnerabilidade, dessa forma, significa, conforme Vignoli (2001) “traduzir a situação em que o conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social se revelam insuficientes, inadequados ou difíceis de lidar com o sistema de oportunidades oferecidas pela

sociedade, de forma a ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir probabilidades de deteriorização das condições de vida de determinados atores sociais”. (idem : 30)

É preciso admitir que existe a dificuldade do acesso, mas esse tipo de abordagem não leva em consideração a forma como esses jovens vivem, como enfrentam as situações de carência ou privação dos recursos materiais e simbólicos, quais são suas escolhas, ou mesmo qual a percepção que têm dos serviços que lhes são oferecidos.

De outra parte, considerar que os jovens das camadas populares vivem em permanente situação de “risco”, é, segundo Pais (1999), “favorecer um “pânico social” ocasionado pelo consumo de drogas ilícitas e manifestações e condutas consideradas como “rebeldes”, aliadas aos lazeres marcados por excessos e transgressões”.(idem 9)

Assim, surge para esse autor um processo social de “etiquetagem” desses jovens, geralmente aliados à noção de “desvio”, que ignora quais são suas formas de expressão, suas trajetórias de vida, seus desejos e frustrações.

A propósito dessa prática de confundir a realidade com as representações sociais construídas sobre os jovens, é que Pais (2004) afirma: “Os jovens são o que são, mas também são (sem que o sejam) o que deles se pensa, os mitos que sobre eles se criam. Esses mitos não refletem a realidade, embora a ajudem a criar. O importante é não nos deixarmos contagiar por equívocos conceptuais que confundem a realidade com as representações que dela surgem”. (idem: 11)

As palavras, conforme Pais (2004), “nos tribalizam”, pois têm um poder mágico, mas apenas representam coisas. “O modo como este poder opera parece razoavelmente óbvio, manifestando-se na construção de um mundo feito de palavras, qualificativos, etiquetas. Uma vez que uma coisa é concebida como palavra, algo surge que transcende ambas.”. (ibidem: 11)

Esse algo seria o conceito, com o qual compomos outro mundo - o das significações. Desta forma, quando se faz referência aos “jovens da periferia”, classificando-os como “violentos” ou “marginais”, ou, quando muito, como “carentes”, os agentes sociais se deixam contagiar pelos equívocos conceptuais,

confundindo a realidade com as representações sociais.

Assim, a associação dos jovens pertencentes aos segmentos populares com a violência é uma imagem disseminada e elaborada pelos agentes sociais, e, mais acentuada, quando se menciona a existência do comércio de drogas nos bairros da periferia.

Soares (2004) pontua sobre a situação que envolve esses jovens, principalmente entre os do sexo masculino e que estão na faixa etária entre 18 e 24 anos: “Cerca de 45 mil brasileiros são assassinados por ano no Brasil. Em algumas regiões das grandes cidades, marcadas pelo drama da desestruturação familiar, do desemprego, da degradação da auto-estima, da falta de acesso à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, os números chegam a patamares mais alarmantes”. (idem: 131)

Esse ponto de vista atribui à falta de oportunidades de acesso aos bens e serviços e à ausência de políticas sociais o comportamento violento dos jovens dos bairros periféricos, fatores que nem sempre são determinantes. A pobreza condiciona as vivências pessoais na medida em que limita as oportunidades de escolha e pode até dificultar a integração social.

Porém, essa forma de generalizar, afirmando que o jovem da periferia será um “futuro marginal” ou “bandido” não se aplica a todos e não justifica que esse seja o único caminho, conforme argumenta Miraglia (2006): “Ao mesmo tempo não dá para acreditar que essas são as únicas escolhas, uma vez que num mesmo lugar, numa mesma região, há pessoas que vivem sob as mesmas condições e não necessariamente estão envolvidas em padrões violentos de sociabilidade”. (idem:115).

Portanto, a relação direta entre pobreza e violência parece bastante problemática, porque há locais onde há pobreza e não são violentos, enquanto há outros, em situação de melhores condições de vida, onde os jovens apresentam atitudes violentas.

Apesar das condições sociais dos entrevistados, neste estudo, não corresponderem a esses padrões de violência, os documentos, relatórios e até pesquisas acabam endossando estigmas, como, por exemplo, o relatório de

pesquisa16 sobre a Vila Embratel. Esse relatório aponta o bairro como “violento” e justifica que essa violência resulta do envolvimento de crianças e adolescentes com o consumo de drogas, da exploração do trabalho infantil, das crianças em idade escolar fora da escola e da existência de pontos de tráfico.

Mas há também outras formas de rotular as juventudes, justificando suas ações no mundo contemporâneo, quando se costuma associá-las a “problema” ou a “fator de risco” A esse respeito, Abramo (2007) corrobora: “A juventude só está presente para o pensamento ou para ação social como “problema”, como objeto de falha, disfunção ou anomia no processo de integração social e numa perspectiva mais abrangente, como tema de risco para própria continuidade social”. (idem : 80)

Essa visão passa a ser uma projeção da sociedade que acaba canalizando seus medos, suas angústias, suas esperanças, encarando os jovens como “problema”, o que dificulta, muitas vezes, enxergá-los da forma como eles se apresentam na realidade, ou seja, ressalta Abramo “como a encarnação de todos os dilemas e dificuldades que a sociedade, ela mesmo, tem se enfrentado, eles nunca podem ser vistos, ouvidos e entendidos, como sujeitos que apresentam suas próprias questões para além dos medos e das esperanças dos outros”. (ibidem: 80)

Essa forma de encarar os jovens como incapazes de qualquer ação propositiva, dificulta interpretar “o significado das tendências sociais do nosso presente e de enxergar saídas e soluções para esse segmento social.” (ibidem: 81)

Apesar dessa visão predominante nas pesquisas sociais, a partir dos anos 90, valoriza-se mais a participação juvenil. Nesse momento, ela é vista “como parte da solução”, conforme assinala Novaes (2007): “Hoje, contudo, as pesquisas apontam para a necessidade de pensar de maneira articulada, tanto os “problemas”, quanto as “soluções”. (idem: 116)

Nessa mesma época, os “etiquetados” como “jovens da periferia” e

estigmatizados como “marginais”, pelos agentes sociais, começaram a ter maior visibilidade ao se apresentarem nos espaços públicos com uma proposta contestadora dos valores da sociedade contemporânea, dando origem ao movimento hip-hop, ao rap, ao funk, ao reggae, mostrando outras formas de enxergar esses jovens, que não somente através do “olhar preconceituoso”.

A expansão dos meios de comunicação de massa, como o rádio, o cinema e, particularmente, a televisão, favorece o aparecimento de uma “cultura juvenil” que se baseia em novos padrões de comportamento centrados em valores como a liberdade, a autonomia e no prazer imediato, entre outros. É nesse contexto que surgem, na década de 80, grupos juvenis, como os teds, mods ou rockers, e outros, com uma proposta alternativa de sociedade, como os beats e os hippies, que, conforme assinala Dayrell (2005), “se organizam e criam um estilo próprio”.(idem: 30)

Daí a importância de se considerar as atividades sociais dos jovens durante as chamadas horas de lazer17.

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