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Cultura de paz e a Unesco

CAPÍTULO 2 IMAGINÁRIO DE PAZ

2.2 Cultura de paz e a Unesco

Entende-se por cultura, de acordo com a concepção do antropólogo Geertz, apresentada em Burke (2005), enquanto “um padrão historicamente transmitido de significados incorporados em símbolos, um sistema de concepções

herdadas, expressas e simbólicas, por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atitudes acerca da vida”. (idem: 52)

Assim, a cultura de paz não pode ser definida como ausência de guerra ou de conflitos, ou mesmo identificada com passividade, submissão ou resignação; é ativa, mobilizadora, fundamenta-se na resolução não violenta dos conflitos; busca disseminar valores como a solidariedade, a diversidade, o respeito aos direitos humanos individuais e coletivos, a responsabilidade humana com o outro, com a natureza e com as fontes espirituais que contribuem para o desenvolvimento interior.

A terminologia “cultura de paz” começou a ser empregada pela Unesco a partir de 1989, embora o significado dessa expressão, como hoje vem sendo utilizado pelos movimentos pela paz (no sentido da promoção de valores), já tenha sido sugerido por ocasião da fundação desse organismo em 1945-1946. Contudo, outra ordem internacional emerge após a II Guerra Mundial.

Nesse contexto, foram identificados os principais problemas que impedem a construção de uma cultura de paz e que ainda permanecem nas sociedades contemporâneas, e, dentre eles, Peinado (1998) cita os conflitos atuais, que tem sua origem nos múltiplos fatores, como a escassez de recursos, as questões étnicas, religiosas, os nacionalismos excludentes, os fatores geopolíticos, as migrações, o narcotráfico entre outros. (idem: 108)

Questões como pobreza, desigualdade e grave crise ambiental atentam, segundo Peinado, “contra a igualdade de direitos que está na base de uma concepção da democracia19 e não contribuem para criar uma cultura de paz. Para atingi-la seria necessário o esforço de pessoas, grupos, instituições, Estado, organismos nacionais e internacionais governamentais e não-governamentais.” (ibidem: 108)

19 Democracia vem das palavras de origem grega, demos = povo e cracia = governo. É uma forma de

organização política na qual o poder e a responsabilidade cívicas são exercidos por todos os cidadãos, diretamente ou através de seus representantes livremente eleitos. Neste estudo, deve ser entendida como a negação da violência, da intolerância, do autoritarismo, segundo Hannah Arendt. Disponível em: www.renascebrasil.org.br.com. Acesso em: 2008.

De acordo com Peinado (1998), a cultura de paz passou a ter grande impacto quando a assembléia da Unesco, realizada em 1974, fez uma série de recomendações para o fortalecimento da paz mundial, com ênfase às práticas educativas. (ibidem: 113)

No ano de 1995, a Unesco aprovou a Declaração e Plano de Ação Integrado sobre a Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia. O documento propõe como política principal de ação, a introdução nos currículos escolares, de todos os níveis de ensino, das ações educativas relacionadas à paz. Desse modo, a Unesco começou a investir na construção de uma cultura de paz, e a educação passou a ser um direito intimamente ligado à conquista da paz.

A partir dessa data, esse organismo coloca em pratica um projeto transdiciplinar para atuar em quatro temas: educação para a paz, o entendimento internacional e a tolerância, a promoção dos direitos humanos e da democracia, a luta contra a discriminação, o pluralismo cultural e o diálogo intercultural, a prevenção dos conflitos e a consolidação da paz depois dos conflitos.

Em 1996, a Assembléia Geral das Nações Unidas declarou o ano 2000 Ano Internacional da Cultura de Paz, lançando o Manifesto 2000 da Unesco, envolvendo 75 milhões de pessoas no mundo todo, instituindo a Década Internacional por uma cultura de paz e não-violência para as crianças do mundo (2001-2010).

Esse ato desencadeou o movimento mundial pela cultura de paz, tendo sido a Unesco a agência designada pelas Nações Unidas como responsável em disseminar os valores propostos pelo Manifesto 2000. Assim, o objetivo da cultura de paz é promover uma consciência universal, baseada nos princípios da liberdade, justiça, direitos humanos, boa governança e tolerância20.

O Movimento Global para o ano Internacional da Cultura de Paz da Unesco apresenta uma definição de caráter universalista, que não menciona a paz como resultante de um processo histórico: “A cultura de paz é a paz em ação: é o respeito aos direitos humanos no dia-a-dia; é um poder gerado por um triângulo interativo de paz, desenvolvimento e democracia. Enquanto cultura de vida trata-

se de tornar diferentes indivíduos capazes de viverem juntos, de criarem um novo sentido de compartilhar, ouvir zelar uns pelos outros, e de assumir responsabilidade por sua participação numa sociedade democrática que luta contra a pobreza e a exclusão; ao mesmo tempo em que garante igualdade política, equidade social e diversidade cultural.”

Baseia-se também em valores propostos pelo Manifesto 2000, referente ao respeito pela vida (respeito à dignidade de cada pessoa, sem descriminar nem prejudicar); a rejeição à violência, (repelir a violência em todas as suas formas: física, sexual, psicológica, econômica e social); ser generoso (compartilhar o tempo e os recursos materiais cultivando a generosidade); ouvir para compreender (privilegiar a escuta e o diálogo); preservar o planeta (considerar a importância de todas as formas de vida e o equilíbrio dos recursos naturais); redescobrir a solidariedade (respeitar os princípios democráticos, criando novas formas de solidariedade).

No sentido de repensar a educação e a cultura para este século, a Unesco apoiou também a Comissão Internacional de Educação para o século XXI, presidida por Jacques Delors, que produziu o chamado Relatório Delors (1998). O documento ressalta que a educação deve ser organizada com base em quatro pilares do conhecimento: aprender a conhecer, aprender a viver juntos, aprender a fazer e aprender a ser.

Outros documentos foram elaborados, em várias partes do mundo, todos mencionam a cultura da paz, mostrando que seus princípios passaram a fazer parte da agenda, tanto dos organismos internacionais, como dos movimentos e das organizações pacifistas do mundo inteiro, destacando-se, entre eles o Programa do Século 21 pela Paz e Justiça (1999), elaborado pela Conferência do Apelo de Haia pela Paz, o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (2001), redigido por líderes de vários países (bases para um mundo pacífico e justo), a Carta da Terra (2002), (princípios sobre a preservação do planeta), a Carta das Responsabilidades Humanas, entre outros.21

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