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CAPÍTULO 2 IMAGINÁRIO DE PAZ

2.4 Imaginário social

Imaginário deve ser entendido de acordo com a concepção de Castoriadis (2006), um autor fundamental para o entendimento dessa capacidade humana: “O

imaginário de que falo não é a imagem de. É criação incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/ imagens a partir das quais somente é possível falar-se de “alguma coisa”. Aquilo que denominamos “realidade” e “racionalidade” são seus produtos”. (idem:173)

Assim, segundo Castoriadis, cada sociedade elabora uma imagem do mundo natural, do universo onde vive: “Esta imagem, esta visão mais ou menos estruturada do conjunto da experiência humana disponível, utiliza as nervuras racionais do dado, mas as dispõe segundo significações e as subordina a significações que, como tais, não dependem do racional (nem aliás, de um racional positivo), mas sim do imaginário”. (ibidem: 179)

Desta maneira, é importante salientar que a imagem que o indivíduo projeta do mundo e de si mesmo estão sempre ligadas, mas sua unidade é trazida pela definição que cada sociedade faz de suas necessidades, tal como ela se inscreve na atividade, o fazer social efetivo. “A imagem de si mesma que se dá a sociedade comporta como momento essencial a escolha dos objetos, atos, etc., onde se encarna o que para ela tem sentido e valor. A sociedade se define como aquilo cuja existência (a existência “valorizada”, a existência “digna de ser vivida”) pode ser questionada pela ausência ou escassez de tais coisas e, correlativamente, como atividade que visa a fazer existir essas coisas em quantidade suficiente e segundo as modalidades adequadas” (ibidem: 180)

Esse autor cita como exemplo a santidade, mas há muitos outros, como o tipo de alimentação, o vestuário, a moradia, e, inclusive a paz, que, via de regra, não obedecem a orientações puramente utilitárias ou racionais.

Quando se fala em imaginário, está se falando também em simbólico, memória, imaginação ou fantasia e representação, todos elos da mesma cadeia, que não são sinônimos, mas fazem parte da cultura.

Cultura deve ser entendida também, segundo a concepção de Canclini (2005) como “o conjunto de processos sociais de significação, ou, de modo mais complexo, abarca o conjunto de processos sociais de produção, circulação e consumo da significação na vida social”. (idem : 41)

cotidianas”, onde se desenvolvem processos de significação seja no trabalho, no transporte e em outros movimentos comuns. Em todo esse processo. estão entrelaçados cultura e sociedade, o material e o simbólico.

Castoriadis (2006) assinala que “o imaginário social ou a sociedade instituinte é na e pela posição – criação de significações imaginárias sociais e da instituição; da instituição como “presentificação” destas significações e destas significações como instituídas”.(idem: 414)

Por sua vez, Canclini (2005) menciona o papel-chave que o imaginário desempenha no cultural: “Em suma: o cultural abrange o conjunto de processos mediante os quais representamos e instituímos imaginariamente o social, concebemos e administramos as relações com os outros, ou seja, as diferenças, ordenamos sua dispersão e sua incomensurabilidade por meio de uma delimitação que flutua entre a ordem que possibilita o funcionamento da sociedade (local e global) e os atores que a abrem ao possível.”(idem: 57 e 58)

Desse modo, é no cultural que se presentifica e se institui o social e onde se manifestam os ideais, as crenças, os valores e as condutas, tendo como referência o imaginário social, aquilo que se acredita que é, muitas vezes, não tem relação com a realidade.

Há também outros componentes que contribuem para que cada sociedade construa seu imaginário, conforme assinala Fernandes (2006): imagens propagadas pela mídia em geral, cinema, televisão (objeto do presente estudo), rádio, jornais, internet, e por outros meios institucionalizados, como material religioso (dogmas, rituais), histórias (reais e inventadas), regulamento de espaços públicos e privados, conteúdos místicos e mágicos (superstições, lendas, mitos), repertórios tradicionais e convencionais de jogos e brincadeiras, agregados às imagens individuais. (idem: 324 e 325)

Dessa forma, as crenças culturais contribuem para dar sentido às nossas ações no mundo, e, nesse sentido, não há como ignorar o poder do imaginário para modificar a realidade, como afirma Freire (2004): “Dizer que uma concepção é imaginária não significa dizer que ela é impotente para alterar a realidade. Ao contrário, boa parte do que condiciona os ideais de vida e as condutas cotidianas

são crenças imaginárias. Imaginário não é sinônimo de ilusório, mas do que não tem existência independente da imaginação. Ou seja, diferentemente das coisas materiais, que independem dos desejos e das aspirações humanos para existir, as crenças culturais são produtos de nosso modo de agir e dar sentido às nossas ações”. (idem: 76)

O que está em jogo, são, portanto, as representações sociais, que fazemos de nós próprios, dos objetos, dos indivíduos, das crenças e valores, que se expressam por palavras e pensamentos, e que são mediadas pela linguagem ou pelos meios de comunicação de massa, principalmente pela televisão.

Deste modo, o imaginário social sobre os jovens moradores do bairro da Vila Embratel gira em torno de uma visão predefinida de que são “violentos” ou “marginais”. Embora sua situação seja outra, a construção de imagens pejorativas é também reforçada pelos meios de comunicação de massa, particularmente a televisão, que, muitas vezes, faz com que essa forma de representação social assuma um cunho de realidade, sendo legitimada e sustentada pelos agentes sociais.

As representações sociais podem ser individuais ou coletivas e, neste caso, Durkeim (2003), ao fazer uma análise da vida religiosa, menciona que as representações religiosas são coletivas porque exprimem realidades coletivas. Neste sentido, assumem um caráter diferente das representações puramente individuais. “As representações coletivas são o produto de uma mesma cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para fazê-las, uma multidão de espíritos diversos associaram, misturaram, combinaram suas idéias e sentimentos; longas séries de gerações acumularam aqui sua experiência e seu saber.” (idem: 216)

Portanto, as representações coletivas se constituem no fazer social como um somatório das formas de pensar, de sentir e agir, exteriores aos indivíduos, que exercem sobre eles formas coercitivas, como as propagações religiosas. Elas são expressas em palavras, mas mobilizam sentimentos com vistas a gerar comportamentos.

podem confirmar certas representações sociais, ou mesmo rejeitá-las, no dia-a- dia, a sua vigência. Muitas idéias, crenças, etc., que se adquirem ao longo da vida, são representações de algo ou alguém que não tem existência real, que muitas vezes, nos enredam como fios de um tecido. Mesmo não nascendo com elas, passamos a agir a partir delas. Por isso, lembra Pais, (2003) “as representações sociais aparecem entre os indivíduos como fios sociais que por eles passam e que eles tecem, mas que não nasceram neles nem podem ser consideradas sua propriedade”. (idem: 126).

São crenças, visões de mundo, ausentes, mas “presentificadas”. Neste aspecto, Moscovici (2003) dá o exemplo da tela de um quadro. Para ele, quem entra na moldura tem que aceitar a imagem como realidade, uma vez que a representação é um conceito diante de um objeto “real”. Fora dela é “menos real”. Assim, a realidade é determinada por aquilo que é socialmente aceito como realidade, por um indivíduo ou grupo social (idem: 36).

As significações imaginárias de paz representam o modo pelo qual a sociedade se refere a ela, e esse significado pode variar de acordo com o contexto sócio-historico-cultural onde os indivíduos se inserem.

“Hoje, eu quero paz de criança dormindo, quero ternura de flores se abrindo para enfeitar a noite do meu bem.” Este é um trecho da letra e música de autoria de Dolores Duran, lançada na década de 50, que capta o imaginário de paz, traduzindo-o em beleza e harmonia. A paz é representada como tranqüilidade, serenidade, sossego, e essas representações passam a ser aceitas como realidade, na medida em que se associa a imagem aos sentimentos de paz.

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