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Condições de neutralidade, aceitabilidade e conforto térmicos

No documento Carolina de Oliveira Buonocore (páginas 46-49)

2.2 Percepção térmica humana em ambientes naturalmente

2.2.2 Condições de neutralidade, aceitabilidade e conforto térmicos

Os estudos de campo realizados em ambientes naturalmente ventilados – a maioria salas de aula universitárias – ao longo de estações quente-úmidas reuniram uma série de respostas às principais questões térmicas investigadas nesse tipo de trabalho. A análise quantitativa dos votos de percepção térmica, bem como a análise de votos entre si, pode indicar o provável cenário que será encontrado ao final do tratamento das informações provenientes dos estudos de campo em São Luís.

A distribuição dos votos de sensação, preferência, aceitabilidade e conforto térmicos varia em função de alguns fatores contextuais. É natural pensar que as variáveis ambientais – especialmente as temperaturas – cumprem um papel determinante na configuração total desses votos, como, por exemplo, um aumento do percentual de desconforto em função de temperaturas internas mais elevadas. Ao analisar os estudos referenciais, no entanto, constatou-se a existência de circunstâncias em comum (que vão além da dimensão física do ambiente construído) as quais tornam os resultados desses estudos bastante semelhantes.

Em climas ou estações de característica quente-úmida, é comum que o voto de sensação térmica seja, em sua maioria, de “neutro” e “levemente com calor” em ambientes naturalmente ventilados. Isso foi percebido nos trabalhos de Cândido et al. (2011) – Brasil, Mishra e Ramgopal (2014) – Índia, Kumar et al. (2016) – Índia e Hamzar et al. (2016) – Indonésia, em condições de temperatura interna que variaram de 25 a 35 °C. Quando analisada a preferência térmica em função do voto de sensação térmica, constatou-se que houve entre 30 a 50% de preferência por maior resfriamento quando a sensação térmica correspondeu ao “neutro” (MISHRA e RAMGOPAL, 2014b; KUMAR et al., 2016; LU et al., 2018) e mais de 80% de preferência por maior resfriamento quando a sensação foi de “levemente com calor” (MISHRA e RAMGOPAL, 2014b; LU et al., 2018).

A aceitabilidade térmica esteve sempre acima de 80% nos referidos estudos. Na cidade indiana de Kharagpur, o percentual de no mínimo 80% de aceitabilidade foi encontrado quando a temperatura operativa esteve em torno de 30-31 °C (MISHRA e RAMGOPAL, 2014; MISHRA e RAMGOPAL, 2015). Em Maceió, a aceitabilidade esteve em torno de 90% em todas as categorias de temperatura, até mesmo a 31 °C (CÂNDIDO et al., 2011). É provável que o maior percentual de aceitabilidade em Maceió esteja relacionado à maior oferta de movimento do ar, já que as velocidades do ar registradas nesse trabalho foram consideravelmente maiores que as demais.

Mishra e Ramgopal (2014b) analisaram a distribuição do voto de aceitabilidade térmica em função do voto de sensação térmica (Figura 6). Nessa análise, os autores destacaram três pontos: o percentual de votos “não aceitável” para a sensação térmica “levemente com calor” (+1), bem maior do que o percentual para a sensação “levemente com frio” (-1); a existência de uma quantidade considerável de votos “aceitável” para os votos de sensação térmica mais extremos (com muito frio: -3, com frio: -2, com calor: +2 e com muito calor: +3); e o fato de o voto de sensação “neutro” (0) não ser considerado 100% aceitável. Tendo em vista essas observações, é possível inferir que essas pessoas tem expectativas por ambientes internos mais resfriados, apesar de tolerarem condições internas extremas de calor. As temperaturas operativas internas variaram de 22 a 35 °C nesse estudo.

Nos trabalhos de Mishra e Ramgopal (2014a) e Hamzah et al. (2016), o conforto térmico dos estudantes foi avaliado em função de uma escala sétima que considera os três pontos centrais como confortáveis (“confortavelmente frio”, “confortável” e “confortavelmente quente”), denominada de escala de Bedford. Em ambos os casos, a opção “confortavelmente quente” foi a mais frequente, com 43% dos votos. Totalizando os votos nos três pontos centrais da escala, obteve-se 86% de estudantes confortáveis em ambos os estudos, quantidade significativa considerando as condições de extremo calor (temperaturas operativas internas entre 22 e 35 °C) encontradas nesses ambientes naturalmente ventilados.

Considerando as ideias apresentadas, pode-se afirmar que o contexto climático externo vivenciado por essas pessoas (condições de temperatura e umidade do ar elevadas em pelo menos uma estação do ano) tem influência sobre a percepção térmica geral em ambientes internos naturalmente ventilados, fazendo com que as sensações térmicas se concentrem, em sua maioria, nos votos de “neutro” e

“levemente com calor”. Não foi possível identificar o grau de exposição dos referidos participantes a ambientes climatizados artificialmente, mas resultados de outros estudos (ZHANG et al., 2016; CÂNDIDO et al., 2010b) indicam que a experiência térmica vivenciada em ambientes internos possui grande influência sobre as respostas subjetivas dos usuários (ver sub-capítulo 2.4).

Figura 6 – Voto de aceitabilidade térmica em função do voto de sensação térmica

Fonte: traduzido de Mishra e Ramgopal (2014b)

Os trabalhos aqui analisados apresentaram outro ponto em comum: a adaptação às condições climáticas locais. Pessoas que vivem em climas quentes estão mais habituadas a essa condição (ZHANG et al., 2016; LU et al., 2018), se comparadas aos habitantes de climas mais amenos ou frios – desconsiderando a vivência em ambientes condicionados artificialmente. Logo, imagina-se que os elevados percentuais de aceitabilidade e conforto proferidos pelos estudantes em salas de aula naturalmente ventiladas se devam aos mecanismos de adaptação inerentes ao ser humano.

Outra forma de expressão da adaptação às condições climáticas é a temperatura neutra (temperatura à qual corresponde a sensação térmica “neutra”) de uma determinada amostra pesquisada. Estudos realizados em diferentes estações tiveram resultados que indicaram a tendência de aumento na temperatura neutra quanto mais quentes as condições

aceitável inaceitável Nú m ero d e v o to s d e ac eit ab il id ad e

climáticas externas (MISHRA e RAMGOPAL, 2015a; DHAKA et al., 2015; KUMAR et al., 2016).

Considerando o regime climático anual, a temperatura neutra amostral em edificações não residenciais foi de 25 °C em Camarões (NEMATCHOUA; TCHINDA; OROSA, 2014), 26,5 °C na região quente-úmida da Índia (MISHRA e RAMGOPAL, 2014a) e 27,1 °C e na região quente-úmida da China (ZHANG et al., 2016). Em edificações residenciais naturalmente ventiladas, conforme esperado, essas temperaturas são maiores: 26,5 °C em Camarões (NEMATCHOUA; TCHINDA; RICCIARDI; et al., 2014) e 28,5 °C em Cingapura (DE DEAR et al., 1991). As dimensões de adaptação, no âmbito da abordagem adaptativa de conforto térmico, serão exploradas a seguir, no sub-capítulo 2.3 Abordagem adaptativa de conforto térmico.

2.3 ABORDAGEM ADAPTATIVA DE CONFORTO TÉRMICO

No documento Carolina de Oliveira Buonocore (páginas 46-49)